Histórias do Paraná - Fábulas indígenas
Fábulas indígenas
Luiz Augusto Pierin
"Macaco velho não mete a mão em cumbuca".
Bem velho é esse ditado, nossos avós já o recitavam.
Seu significado, também, não é mistério para ninguém. O que a maioria sequer desconfia é que esse velho ditado foi cunhado em tempos imemoriais pelos índios tupis brasileiros.
Eles pronunciavam algo como: "Kai tuimbaé i pó kuiambuka pupé ndoimondeb'.
A "literatura", por assim dizer, de nossos indígenas era vasta, mesmo com sua característica de iransmissão oral.
Isso incluía os primeiros ocupantes do território que hoje vem a ser o Paraná, principalmente os guaranis.
Algumas de suas lendas - como a da criação cias Cataratas do Iguaçu, por exemplo — são fartamente conhecidas.
Mas suas criações abrangiam, ainda, muitas histórias lipo fábulas, provérbios e trovas -algumas de grande apelo poético.
Diversos antropólogos, lingüistas e outros estudiosos, principalmente nos séculos XVIII e XIX recolheram e compilaram parte da produção literária ou do imaginário dos nossos índios, entre os paranaenses.
Faris Antonio S. Michaele, no seu trabalho "Presença do índio no Paraná" (in História do
Paraná — Coleção Grafipar), destaca, por exemplo, belas fábulas como a da onça e a raposa.
Há muito tempo que a onça queria deitar as patas — e a boca — na ladina da raposa.
Esta, além de ágil, era muito esperta, e sempre escapava da onça.
Até que a onça bolou um plano que julgava infalível para pegar a raposa: fingiu-se de morta. A notícia da morte da rainha da floresta correu a mata, todos os animais apareciam para ver e velar a onça morta.
A raposa perguntou então aos outros animais:
- "A onça já arrotou três vezes?"
Ante a surpresa dos demais animais, a raposa tratou de esclarecer que toda onça, quando morre arrota três vezes.
Ao ouvir a explicação, a onça cuidou de convencer a bicharada toda de que, realmente, estava morta, e arrotou forte três vezes. A raposa, mais que depressa, deu no pé, não sem antes dar uma gostosa gargalhada: "Onde já se viu um defunto arrotar?"
Já a história indígena, da raposa e do jaboti lembra em muito a nossa fábula do coelho e da tartaruga.
Nas duas histórias os bichos apostam uma corrida. Só que, no caso da fábula indígena, o jaboti é muito mais esperto.
Na história indígena, o vencedor da corrida ganha como prêmio o direito de casar com a filha do gavião.
Como é muito devagar, o jabuti pegou sua parentada toda -centenas de outros jabotis iguais a ele - e colocou os bichos em intervalos regulares ao longo do trajeto. E dada a largada e lá se vão a raposa e o jabuti. A raposa dispara na frente, é claro, e volta e meia olha para trás, para se certificar que o jaboti esta longe.
Mas o que vê a raposa? Um jaboti quase nos seus calcanhares. A raposa apressa a corrida, olha para trás e o jaboti continua no seu encalço.
Até que a raposa não agüenta mais, desfalece de cansaço, e o jaboti ganha a corrida.
Para completar, uma trovinha em guarani:
"Ixe, man, guirá mirim!
Xá rekó, man, ce pepó.
Xa bebê ne rakaquera Xapuana ne rekô.
A tradução nos revela uma bela e sutil poesia que nada deixa a dever aos mais sensiveis hai-kais.
A tradução diz: "Se eu fora um passarinho, oh, quem me dera!
Eu teria minhas asas, voaria no teu encalço, e me ergueria ao pé de ti."
Luiz Augusto Pierin, contador aposentado e pesquisador em Foz do Iguaçu
terça-feira, 31 de maio de 2016
segunda-feira, 30 de maio de 2016
Histórias do Paraná - Vidas demais
Histórias do Paraná - Vidas demais
Vidas demais
Almir Aires Arruda
"Oh! Quatiguá
Oh! Quatiguá
És o celeiro deste Paraná..."
Com este hino, cantado por todos os escolares e a população, homenageávamos o Distrito de Quatiguá
quando de sua emancipação político-administrativa da comarca de Joaquim Távora e a sua conseqüente instalação como Município, em 26 de outubro de
1947.
Quanto ufanismo, vejo agora. O "celeiro deste Paraná" era na ocasião o menor município do Estado, com apenas 4.500 alqueires de área, o equivalente a poucos 108 quilômetros quadrados.
Na verdade, melhor lhe cabia o apodo de "Cidade Botão", como também era chamada, pois Quatiguá tinha casas de um só lado de sua rua central, a outra margem pertencia à Estrada de Ferro onde corria o trem.
Assumiu provisoriamente o cargo de prefeito municipal, nomeado por Moysés Lupion, governador do Estado, o Sr. Orlando Athaíde Bittencourt, com mandato até dezembro de 1947, quando seriam realizadas eleições para a Prefeitura e a Câmara Municipal.
Eleições ordeiras disputadas por Ernesto Zanini, do PSD, e Antônio Rodrigues Filho, da UDN com apoio
do PTB e PSP. Venceu o primeiro, por uma diferença mínima de votos, mesmo porque o colégio eleitoral todo não atendia a 500 eleitores. O PSD também fez maioria para a Câmara Municipal, elegendo cinco vereadores, entre eles o autor destas mal-traçadas.
Era comum após o término das sessões da Câmara, que realizávamos à noite, na parte superior do prédio onde funcionava a Prefeitura Municipal, nos reunirmos no "Bar do Nogueira" a fim de comentarmos extra-sessão, os assuntos concernentes à ordem dos trabalhos.
Os mais idosos e os que moravam distante da sede do município se retiravam, permanecendo invariavelmente a bancada do PSD e o vereador Nestor Cassemiro Teixeira, da UDN, amigo de todos.
Uma das sessões, em abril de
1948, quando da elaboração do Regimento Interno da Câmara Municipal, se prolongou até altas horas da noite pelo cuidado que se estava tendo, a fim de que não colidisse com a Lei Orgânica dos Municípios que estava em discussão na Assembléia Legislativa do Estado.
Ao final, saímos para encostar o estômago no Bar do Nogueira. Éramos seis vereadores.
A conversa fluía descontraída, quando a porta do bar que estava semicerrada foi aberta com estrépito, uma figura com quase 2 metros de altura adentra a sala e, num vozeirão, brada: - "Senhores vereadores, vim cobrar a promessa da campanha!" Olhamos atônitos.
Aquela figura era o querido amigo Francisco Ormeseze, carinhosamente chamado por toda a população quatiguaense de "Florindo", um homenzarrão de 1,95 de altura e 100 quilos de peso que voltou a falar:
- "Os Senhores já estão há mais de quatro meses em exercício na Câmara Municipal e até hoje não cumpriram a promessa feita em campanha".
Perguntamos ao mesmo tempo: - "Que promessa, Florindo?" Ele, do alto de seu 1,95 de altura respondeu: - "Vocês não prometeram acabar com as vidas da rua João Pessoa?" (A Rua João Pessoa era a artéria principal da "Cidade Botão"). Todos continuaram não entendendo nada.
— "Que vidas, Florindo?"
Gargalhando, o Florindo respondeu: - "Não se diz que a vida é um buraco? Pois a rua João Pessoa esta cheia deles!"
A ironia surtiu o efeito desejado.
Providências foram tomadas e a rua recebeu uma generosa camada de saibro.
Almir Aires Arruda, professor e empresário, ex-vereador e fundador do município de Quatiguá
Vidas demais
Almir Aires Arruda
"Oh! Quatiguá
Oh! Quatiguá
És o celeiro deste Paraná..."
Com este hino, cantado por todos os escolares e a população, homenageávamos o Distrito de Quatiguá
quando de sua emancipação político-administrativa da comarca de Joaquim Távora e a sua conseqüente instalação como Município, em 26 de outubro de
1947.
Quanto ufanismo, vejo agora. O "celeiro deste Paraná" era na ocasião o menor município do Estado, com apenas 4.500 alqueires de área, o equivalente a poucos 108 quilômetros quadrados.
Na verdade, melhor lhe cabia o apodo de "Cidade Botão", como também era chamada, pois Quatiguá tinha casas de um só lado de sua rua central, a outra margem pertencia à Estrada de Ferro onde corria o trem.
Assumiu provisoriamente o cargo de prefeito municipal, nomeado por Moysés Lupion, governador do Estado, o Sr. Orlando Athaíde Bittencourt, com mandato até dezembro de 1947, quando seriam realizadas eleições para a Prefeitura e a Câmara Municipal.
Eleições ordeiras disputadas por Ernesto Zanini, do PSD, e Antônio Rodrigues Filho, da UDN com apoio
do PTB e PSP. Venceu o primeiro, por uma diferença mínima de votos, mesmo porque o colégio eleitoral todo não atendia a 500 eleitores. O PSD também fez maioria para a Câmara Municipal, elegendo cinco vereadores, entre eles o autor destas mal-traçadas.
Era comum após o término das sessões da Câmara, que realizávamos à noite, na parte superior do prédio onde funcionava a Prefeitura Municipal, nos reunirmos no "Bar do Nogueira" a fim de comentarmos extra-sessão, os assuntos concernentes à ordem dos trabalhos.
Os mais idosos e os que moravam distante da sede do município se retiravam, permanecendo invariavelmente a bancada do PSD e o vereador Nestor Cassemiro Teixeira, da UDN, amigo de todos.
Uma das sessões, em abril de
1948, quando da elaboração do Regimento Interno da Câmara Municipal, se prolongou até altas horas da noite pelo cuidado que se estava tendo, a fim de que não colidisse com a Lei Orgânica dos Municípios que estava em discussão na Assembléia Legislativa do Estado.
Ao final, saímos para encostar o estômago no Bar do Nogueira. Éramos seis vereadores.
A conversa fluía descontraída, quando a porta do bar que estava semicerrada foi aberta com estrépito, uma figura com quase 2 metros de altura adentra a sala e, num vozeirão, brada: - "Senhores vereadores, vim cobrar a promessa da campanha!" Olhamos atônitos.
Aquela figura era o querido amigo Francisco Ormeseze, carinhosamente chamado por toda a população quatiguaense de "Florindo", um homenzarrão de 1,95 de altura e 100 quilos de peso que voltou a falar:
- "Os Senhores já estão há mais de quatro meses em exercício na Câmara Municipal e até hoje não cumpriram a promessa feita em campanha".
Perguntamos ao mesmo tempo: - "Que promessa, Florindo?" Ele, do alto de seu 1,95 de altura respondeu: - "Vocês não prometeram acabar com as vidas da rua João Pessoa?" (A Rua João Pessoa era a artéria principal da "Cidade Botão"). Todos continuaram não entendendo nada.
— "Que vidas, Florindo?"
Gargalhando, o Florindo respondeu: - "Não se diz que a vida é um buraco? Pois a rua João Pessoa esta cheia deles!"
A ironia surtiu o efeito desejado.
Providências foram tomadas e a rua recebeu uma generosa camada de saibro.
Almir Aires Arruda, professor e empresário, ex-vereador e fundador do município de Quatiguá
domingo, 29 de maio de 2016
Histórias do Paraná - A reação do candidato
Histórias do Paraná - A reação do candidato
A reação do candidato
Lauro Grein Filho
Corria o ano de 1955... E Castro, a pérola do Iapó, contrastava sua habitual serenidade, embalada nas emoções do pleito eleitoral, próximo e renhido.
No Diretório do PSD, somava esforços com o presidente Vespasiano Carneiro de Mello no comando de operações e estratégias contra os poderes de uma UDN fortíssima, sedimentada e engrandecida pelas mais tradicionais cepas da terra. A eleição prenunciava-se altamente renhida e a conquista da Prefeitura dependia, fundamentalmente, de uma boa chapa de vereadores.
Com eles e seus cmpenhos, viriam implicitamente os votos para o prefeito e para a vitória.
Em Distrito importante, de quatro mesas receptoras, morava um senhor idoso de reconhecidas potencialidades eleitorais.
Comerciante próspero e conceituado, alimentava no fiado e no compadrio o maior prestígio do bairro.
Por isso lá estávamos àquela larde, em seu estabelecimento e residência, distante 70 quilômetros da cidade, a tentar de qualquer maneira seu ingresso em nossos <|uadros.
Resistente ao assédio das agremiações adversárias que já o haviam procurado, o homem lambém não quis vir conosco na parada.
Baldados os esforços, esgotados os argumentos, decidimos bater à porta de outro companheiro, também morador da região e membro do Diretório local.
Era um jovem recém-chegado na vila, despretensioso e tímido, sem grandes projeções no lugarejo e adjacências.
Convidado, após alguns momentos de perplexidade e ensaios, resolveu finalmente aceitar.
De regresso à cidade, lamentávamos o malogro da viagem, deplorada na alternativa de um candidato inexpressivo e inviável. A escolha, de resto, inconformou os demais companheiros, e exigiu-se uma reformulação capaz de maiores chances e probabilidades.
As coisas não podiam, mesmo, continuar assim... E para melhorá-las, uma semana depois voltamos ao velho, teimando no pedido e na insistência.
Acuado ante a argumentação inclemente e obstinada, o homem afinal cedeu a figurar glorioso e destacado em nossa chapa.
Restava agora eliminar as pretensões do jovem correligionário, desfazer o trabalho errôneo de dias atrás e que resultara no equivoco de uma candidatura a esta altura totalmente indesejável.
Junto a ele debulhamos uma série de ponderações e conselhos.
Mas desta feita no sentido contrário, desdizendo as conversações anteriores, sugerindo e animando-o à renúncia e à desistência. O moço imediatamente compreendeu e de bom grado nos liberou, com reforços de fidelidade partidária e juras de apoio ao novo candidato do qual se confessava amigo e admirador. O retorno foi eufórico, com gozos antecipados dos desesperos da oposição.
Não foram necessários, entretanto, muitos dias para sabermos do tal jovem e já não nosso companheiro, engajado em outro partido a trabalhar com todas as forças em prol de sua candidatara que já despontava vitoriosa. E, na revolta e na raiva, correndo e lutando, batendo e brigando, conseguiu alcançar um convincente e esmagador triunfo.
A nós restaram as reinaçÕes do velho... Indeciso e irresoluto, apático e insensível a todos os estímulos, trôpego e claudicante, acabou desistindo em meio à jornada, farrapo aparvalhado completamente inútil.
Amargamos séria derrota no Distrito, tido e havido como reduto de nossa incontestável supremacia.
E provável que histórias como esta se contem e se repitam nas regras das pelejas interioranas.
Mas quem apanha nunca esquece.
Recordo-a por isso, nas implicações do seu conteúdo moral e ético a advertir que jamais se deve menosprezar quem quer que seja.
Porque a natureza não tolera e violentamente explode em reações imprevisíveis, quando ferida no seu amor próprio, na sua honra e nos seus brios.
Lauro Grein Filho, médico, presidente de Centro de Letras do Paraná em 1993
A reação do candidato
Lauro Grein Filho
Corria o ano de 1955... E Castro, a pérola do Iapó, contrastava sua habitual serenidade, embalada nas emoções do pleito eleitoral, próximo e renhido.
No Diretório do PSD, somava esforços com o presidente Vespasiano Carneiro de Mello no comando de operações e estratégias contra os poderes de uma UDN fortíssima, sedimentada e engrandecida pelas mais tradicionais cepas da terra. A eleição prenunciava-se altamente renhida e a conquista da Prefeitura dependia, fundamentalmente, de uma boa chapa de vereadores.
Com eles e seus cmpenhos, viriam implicitamente os votos para o prefeito e para a vitória.
Em Distrito importante, de quatro mesas receptoras, morava um senhor idoso de reconhecidas potencialidades eleitorais.
Comerciante próspero e conceituado, alimentava no fiado e no compadrio o maior prestígio do bairro.
Por isso lá estávamos àquela larde, em seu estabelecimento e residência, distante 70 quilômetros da cidade, a tentar de qualquer maneira seu ingresso em nossos <|uadros.
Resistente ao assédio das agremiações adversárias que já o haviam procurado, o homem lambém não quis vir conosco na parada.
Baldados os esforços, esgotados os argumentos, decidimos bater à porta de outro companheiro, também morador da região e membro do Diretório local.
Era um jovem recém-chegado na vila, despretensioso e tímido, sem grandes projeções no lugarejo e adjacências.
Convidado, após alguns momentos de perplexidade e ensaios, resolveu finalmente aceitar.
De regresso à cidade, lamentávamos o malogro da viagem, deplorada na alternativa de um candidato inexpressivo e inviável. A escolha, de resto, inconformou os demais companheiros, e exigiu-se uma reformulação capaz de maiores chances e probabilidades.
As coisas não podiam, mesmo, continuar assim... E para melhorá-las, uma semana depois voltamos ao velho, teimando no pedido e na insistência.
Acuado ante a argumentação inclemente e obstinada, o homem afinal cedeu a figurar glorioso e destacado em nossa chapa.
Restava agora eliminar as pretensões do jovem correligionário, desfazer o trabalho errôneo de dias atrás e que resultara no equivoco de uma candidatura a esta altura totalmente indesejável.
Junto a ele debulhamos uma série de ponderações e conselhos.
Mas desta feita no sentido contrário, desdizendo as conversações anteriores, sugerindo e animando-o à renúncia e à desistência. O moço imediatamente compreendeu e de bom grado nos liberou, com reforços de fidelidade partidária e juras de apoio ao novo candidato do qual se confessava amigo e admirador. O retorno foi eufórico, com gozos antecipados dos desesperos da oposição.
Não foram necessários, entretanto, muitos dias para sabermos do tal jovem e já não nosso companheiro, engajado em outro partido a trabalhar com todas as forças em prol de sua candidatara que já despontava vitoriosa. E, na revolta e na raiva, correndo e lutando, batendo e brigando, conseguiu alcançar um convincente e esmagador triunfo.
A nós restaram as reinaçÕes do velho... Indeciso e irresoluto, apático e insensível a todos os estímulos, trôpego e claudicante, acabou desistindo em meio à jornada, farrapo aparvalhado completamente inútil.
Amargamos séria derrota no Distrito, tido e havido como reduto de nossa incontestável supremacia.
E provável que histórias como esta se contem e se repitam nas regras das pelejas interioranas.
Mas quem apanha nunca esquece.
Recordo-a por isso, nas implicações do seu conteúdo moral e ético a advertir que jamais se deve menosprezar quem quer que seja.
Porque a natureza não tolera e violentamente explode em reações imprevisíveis, quando ferida no seu amor próprio, na sua honra e nos seus brios.
Lauro Grein Filho, médico, presidente de Centro de Letras do Paraná em 1993
sábado, 28 de maio de 2016
Histórias do Paraná - Guerra é guerra
Histórias do Paraná - Guerra é guerra
Guerra é guerra
Francisco Camargo
Em novembro de 1959, Curitiba foi sacudida pelo que ficou conhecido como a Guerra do Pente.
Muito já foi escrito sobre a explosão da massa que, na ocasião, elegeu como bode expiatório, os comerciantes de origem árabe da Praça Tiradentes, numa inconsciente prova de que o brasileiro cordial, de Sergio Buarque de Hollanda, só existiu mesmo no papel.
O governo tinha lançado o concurso "Seu Talão Vale um Milhão".
Simples: o cidadão exigia nota fiscal, que trocava por um tíquete para concorrer a prêmios.
Na compra de um pente, determinado comerciante se recusou a sacar o bloco.
Discussão, empurrões, xingamentos, sopapos.
O freguês era policial-militar, o que acendeu um estopim que levou o centro de Curitiba à explosão de fúria.
Quebra-quebra que só teve fim, no terceiro dia, quando da intervenção de tropas do Exército.
Isso todos, ou quase todos, sabem.
O que não sabem — e me proponho a tentar contar aqui - é que naquele primeiro dia de violência,
um pacato Segundo Sargento, à paisana, deixava o velho Serviço Regional de Obras, na Rua Presidente Faria, juntos ao Passeio Público, e tratava de alcançar o ônibus da Rua Marechal Floriano que, na época, fazia o percurso no sentido Tiradentes-Adauto Botelho,
o popular "hospício", no final da rua.
Final da Floriano e da cidade, já que tudo praticamente terminava ali, no hospício, quarteirão que, anos antes, tinha sido transformado em pista (terra batida) para uma sensacional e inédita prova automobilística -onde Barranco, do ferro-velho que levava seu nome, deu um show ao volante de suas carreta.
Levantando poeira e tirando finas dos amontoados de pneus que serviam de guard-rail.
Pois seguia o Sargento em passos acelerados.
Sobre pés que se chocam com os paralelepípedos e pedras negras do calçamento, 120 quilos distribuídos por um corpanzil de um homem de 1,80 metros.
No rosto, a expressão de quem estava com fome e não via a hora de chegar em casa.
Talvez o imenso bigode, de fios negros e espessos, dissimulasse um pouco o ricto labial que denunciava o estômago vazio.
Tratou de cortar a Tiradentes, para atingir o ponto de ônibus, mal olhando para os lados, preocupado com as coisas de sua vida e com a comida que o aguardava, fumegante, num canto do fogão a lenha - meio-dia, panela no fogo e barriga vazia.
Tanto que não notou a barulhenta turba, que a tudo atacava e destruía, numa fúria de paquidermes enlouquecidos ou a caoticamente metódica ânsia destrutiva de uma nuvem de gafanhotos.
Um grito salvador, partindo de um jipe do Exército que por ali passava, evitou que o homem de corpo avantajado e rosto a la Oriente Médio penetrasse como um inadvertido Moisés no mar de violência que se lhe abria à frente:
- Venha, Salada! Sai daí!
Ao mesmo tempo, era aberta a pequena porta de lona do jipe.
Possuído por uma súbita agilidade de felino, o sargento fugiu da cena do crime.
Sim, porque, com suas características, fatalmente seria tomado por sírio ou libanês e literalmente trucidado pelo povão ensandecido.
Naquele dia, qualquer cidadão que lembrasse um "batrício" seria buxado feito balão de festa junina.
Mesmo ele, um descendente de portugueses como, de fato, o era.
Mas, no caso, com a "agravante" de ter Saladim como prenome, que derivou para o apelido Salada.
Graças aos colegas do Serviço Regional de Obras, que iam para casa de viatura, o autor destas linhas, ficou livre de se tornar órfão bem antes do que veio a ocorrer quatro anos mais tarde.
Francisco Camargo, jornalista
Guerra é guerra
Francisco Camargo
Em novembro de 1959, Curitiba foi sacudida pelo que ficou conhecido como a Guerra do Pente.
Muito já foi escrito sobre a explosão da massa que, na ocasião, elegeu como bode expiatório, os comerciantes de origem árabe da Praça Tiradentes, numa inconsciente prova de que o brasileiro cordial, de Sergio Buarque de Hollanda, só existiu mesmo no papel.
O governo tinha lançado o concurso "Seu Talão Vale um Milhão".
Simples: o cidadão exigia nota fiscal, que trocava por um tíquete para concorrer a prêmios.
Na compra de um pente, determinado comerciante se recusou a sacar o bloco.
Discussão, empurrões, xingamentos, sopapos.
O freguês era policial-militar, o que acendeu um estopim que levou o centro de Curitiba à explosão de fúria.
Quebra-quebra que só teve fim, no terceiro dia, quando da intervenção de tropas do Exército.
Isso todos, ou quase todos, sabem.
O que não sabem — e me proponho a tentar contar aqui - é que naquele primeiro dia de violência,
um pacato Segundo Sargento, à paisana, deixava o velho Serviço Regional de Obras, na Rua Presidente Faria, juntos ao Passeio Público, e tratava de alcançar o ônibus da Rua Marechal Floriano que, na época, fazia o percurso no sentido Tiradentes-Adauto Botelho,
o popular "hospício", no final da rua.
Final da Floriano e da cidade, já que tudo praticamente terminava ali, no hospício, quarteirão que, anos antes, tinha sido transformado em pista (terra batida) para uma sensacional e inédita prova automobilística -onde Barranco, do ferro-velho que levava seu nome, deu um show ao volante de suas carreta.
Levantando poeira e tirando finas dos amontoados de pneus que serviam de guard-rail.
Pois seguia o Sargento em passos acelerados.
Sobre pés que se chocam com os paralelepípedos e pedras negras do calçamento, 120 quilos distribuídos por um corpanzil de um homem de 1,80 metros.
No rosto, a expressão de quem estava com fome e não via a hora de chegar em casa.
Talvez o imenso bigode, de fios negros e espessos, dissimulasse um pouco o ricto labial que denunciava o estômago vazio.
Tratou de cortar a Tiradentes, para atingir o ponto de ônibus, mal olhando para os lados, preocupado com as coisas de sua vida e com a comida que o aguardava, fumegante, num canto do fogão a lenha - meio-dia, panela no fogo e barriga vazia.
Tanto que não notou a barulhenta turba, que a tudo atacava e destruía, numa fúria de paquidermes enlouquecidos ou a caoticamente metódica ânsia destrutiva de uma nuvem de gafanhotos.
Um grito salvador, partindo de um jipe do Exército que por ali passava, evitou que o homem de corpo avantajado e rosto a la Oriente Médio penetrasse como um inadvertido Moisés no mar de violência que se lhe abria à frente:
- Venha, Salada! Sai daí!
Ao mesmo tempo, era aberta a pequena porta de lona do jipe.
Possuído por uma súbita agilidade de felino, o sargento fugiu da cena do crime.
Sim, porque, com suas características, fatalmente seria tomado por sírio ou libanês e literalmente trucidado pelo povão ensandecido.
Naquele dia, qualquer cidadão que lembrasse um "batrício" seria buxado feito balão de festa junina.
Mesmo ele, um descendente de portugueses como, de fato, o era.
Mas, no caso, com a "agravante" de ter Saladim como prenome, que derivou para o apelido Salada.
Graças aos colegas do Serviço Regional de Obras, que iam para casa de viatura, o autor destas linhas, ficou livre de se tornar órfão bem antes do que veio a ocorrer quatro anos mais tarde.
Francisco Camargo, jornalista
sexta-feira, 27 de maio de 2016
Histórias do Paraná - Funéreos adereços
Histórias do Paraná - Funéreos adereços
Funéreos adereços
Francisco Brito de Lacerda
Ainda moço, meia-idade, nomeado Coletor de Rendas na Linha Sul, Neco Pacheco foi viver em Irati.
Logo fez amigos, comandando certas iniciativas.
Organizar um baile, por exemplo, dava-lhe muito gosto.
Naquele 31 de dezembro, sexta, depois do almoço, o aventureiro coletor se ocupava em decorar um salão para o grande baile de Ano Novo.
Até uma quadrilha ia ser dançada.
Sentiu-se tonto, de repente, o nosso Neco Pacheco.
Pôs as mãos no peito, onde se localizava a dor crudelíssima que o fazia rebentar os botões da camisa;
pálido, deitado no assoalho, a cabeça apoiada numa almofada, ele suava em bicas.
Quando o médico chegou, Neco tinha acabado de morrer.
Fretado um trem especial para levar o corpo a Curitiba, umas cem pessoas, entre amigos e parentes,
esperavam a chegada do comboio na plataforma.
O trem encostou depois das onze da noite. O caixão lilás, enfeites dourados, saindo do bagageiro pelas mãos dos parentes mais próximos (um em cada alça), foi transferido para o coche, ao qual estavam atrelados quatro cavalos brancos, o arreamento guarnecido com negros laços de cetim.
Devagar, o coche subia a Rua Barão.
Seguiam-no os acompanhantes. Um Desembargador, amigo da família, a cada passo tirava o relógio da algibeira, como a conferir quanto faltava para meia-noite.
No instante em que o enterro achava-se prestes a atingir a esquina da Barão com Rua Quinze, começou o esfuziar de foguetes, que estouravam nos céus de Curitiba.
Batiam os sinos da Catedral, festivos.
Ouvia-se à distância o apito das fábricas.
Era o ano novo que chegava.
Na calçada, perplexa melindrosa, fita na testa, lábios muito pintados, só faltava bater palmas à passagem do funeral.
Moço sensível, um primo do morto sentia-se personagem de melodrama.
Cutucando o acompanhante, que caminhava ao seu lado e fingia não ouvir o foguetório, ele disse:
"Bons-anos!"
"Bons-anos", o outro retribuiu.
Bem nessa hora, a vara de um foguete caiu entre os cavalos, que ameaçaram disparar.
Quase derrubando a cartola, o cocheiro conseguiu conter os animais.
Com o enterro perto da Praça
Tiradentes, os sinos da Catedral tinham silenciado.
Raros foguetes ainda subiam nas bandas do Pilarzinho.
Permanecia no ar o triste apito de um engenho.
Já se podia dizer que era sábado, primeiro de janeiro.
Francisco Brito de Lacerda, advogado
Funéreos adereços
Francisco Brito de Lacerda
Ainda moço, meia-idade, nomeado Coletor de Rendas na Linha Sul, Neco Pacheco foi viver em Irati.
Logo fez amigos, comandando certas iniciativas.
Organizar um baile, por exemplo, dava-lhe muito gosto.
Naquele 31 de dezembro, sexta, depois do almoço, o aventureiro coletor se ocupava em decorar um salão para o grande baile de Ano Novo.
Até uma quadrilha ia ser dançada.
Sentiu-se tonto, de repente, o nosso Neco Pacheco.
Pôs as mãos no peito, onde se localizava a dor crudelíssima que o fazia rebentar os botões da camisa;
pálido, deitado no assoalho, a cabeça apoiada numa almofada, ele suava em bicas.
Quando o médico chegou, Neco tinha acabado de morrer.
Fretado um trem especial para levar o corpo a Curitiba, umas cem pessoas, entre amigos e parentes,
esperavam a chegada do comboio na plataforma.
O trem encostou depois das onze da noite. O caixão lilás, enfeites dourados, saindo do bagageiro pelas mãos dos parentes mais próximos (um em cada alça), foi transferido para o coche, ao qual estavam atrelados quatro cavalos brancos, o arreamento guarnecido com negros laços de cetim.
Devagar, o coche subia a Rua Barão.
Seguiam-no os acompanhantes. Um Desembargador, amigo da família, a cada passo tirava o relógio da algibeira, como a conferir quanto faltava para meia-noite.
No instante em que o enterro achava-se prestes a atingir a esquina da Barão com Rua Quinze, começou o esfuziar de foguetes, que estouravam nos céus de Curitiba.
Batiam os sinos da Catedral, festivos.
Ouvia-se à distância o apito das fábricas.
Era o ano novo que chegava.
Na calçada, perplexa melindrosa, fita na testa, lábios muito pintados, só faltava bater palmas à passagem do funeral.
Moço sensível, um primo do morto sentia-se personagem de melodrama.
Cutucando o acompanhante, que caminhava ao seu lado e fingia não ouvir o foguetório, ele disse:
"Bons-anos!"
"Bons-anos", o outro retribuiu.
Bem nessa hora, a vara de um foguete caiu entre os cavalos, que ameaçaram disparar.
Quase derrubando a cartola, o cocheiro conseguiu conter os animais.
Com o enterro perto da Praça
Tiradentes, os sinos da Catedral tinham silenciado.
Raros foguetes ainda subiam nas bandas do Pilarzinho.
Permanecia no ar o triste apito de um engenho.
Já se podia dizer que era sábado, primeiro de janeiro.
Francisco Brito de Lacerda, advogado
quinta-feira, 26 de maio de 2016
Histórias do Paraná - Um furo de reportagem
Histórias do Paraná - Um furo de reportagem
Um furo de reportagem
Wilson Bóia
A vida do jornalista curitibano Raul Gomes, desde a sua juventude, seria pontilhada por inúmeros episódios ligados à história política e social do Paraná, ora como simples expectador, ora como ativo participante.
Assim, quando da promulgação da Constituinte de 34, após a revolução de São Paulo, dois partidos operavam aqui em Curitiba:
o Partido Social Democrático, virtualmente chefiado pelo interventor Manuel Ribas, e o Partido Social Nacionalista, dominado pela figura do Coronel Mena Barreto. A corrente denominada União Republicana tinha por dirigente Caetano Munhoz da Rocha.
No entanto, Manuel Ribas, de temperamento apartidário, num mutismo indecifrável, sem manifestar o seu agrado ou desagrado por seu partido, assumira uma atitude desconcertante, enchendo de apreensão os seus correligionários, os pessedistas, já que mantinha contato com as outras duas facções, visitando Mena Barreto e confabulando com Munhoz da Rocha.
Embora preocupados e até mesmo assustados com tal procedimento incomum, os comandados do "gross bonnet" não se atreviam a lhe arrancar um pronunciamento franco e decisivo, principalmente em relação às próximas eleições.
Reinava nas hostes pessedistas visível inquietação.
Raul Gomes, por essa época, militava em "O Dia" de Caio Machado e, repórter ousado que era, resolveu ir ao Palácio, pôr tudo em pratos limpos, conseguir com o chefe pessedista uma declaração definitiva sobre sua posição partidária.
Bem cedinho vai ao Chefe de Polícia, Lauro Lopes, da bancada federal, e lhe comunica sua decisão.
Estávamos a 29 de setembro de 1934. Lauro tenta ponderar em contrário, mas Raul reafirma que sua presença frente ao Interventor não tinha conotações políticas - estaria apenas no desempenho de suas funções de jornalista. O chefe de Polícia telefona então para o Palácio e presta ao chefe de Gabinete as informações devidas.
E lá se vai o nosso Raul pela Rua Rio Branco, penetra na sede do Governo pelos fundos, se faz anunciar e é recebido cordialmente pelo Interventor, tendo ao seu lado Gaspar Veloso, diretor da Educação.
Indagados dos motivos por que solicitara audiência tão urgente, Raul Gomes expõe com franqueza ao Interventor a situação preocupante dos pessedistas, temerosos com a aproximação da data do pleito e a indefinição política de seu chefe maior.
Que estava ali como jornalista ansioso por um sensacional "furo" de reportagem, pois seus seguidores desejavam dele tão somente uma proclamação categórica como candidato de PSD.
Raul abre o seu caderno colocando-o à mesa.
Entrega a Ribas uma caneta.
Este não se faz de rogado.
Redige um pequeno texto, data e assina.
Mas constatado por Gaspar Veloso um pequeno engano, Ribas escreve outro texto, esse definitivo e aqui reproduzido: "Para terminar com boatos espalhados, referentes a minha permanência no Estado, declaro que pertenço a este povo e por ele darei o último dos meus dias.
Aceito, portanto, a minha candidatura ao Governo do Paraná, lançado pelo PSD. Curitiba, 29 de setembro de 1934. Manoel Ribas".
Raul sorri, satisfeito.
Missão cumprida. E por muitos anos conservaria com carinho aquele caderno com as duas versões.
Em tempo: Manuel Ribas seria eleito Governador, indiretamente, pela Assembléia Legislativa, para governar de 1935 a 1937, e voltaria a ser Interventor, nomeado por Getúlio Vargas, de 1937 a 1945. Governou o Paraná, assim, por 13 anos consecutivos, de 1932 a 1945.
Wilson Bóia, Presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores em 1993
Um furo de reportagem
Wilson Bóia
A vida do jornalista curitibano Raul Gomes, desde a sua juventude, seria pontilhada por inúmeros episódios ligados à história política e social do Paraná, ora como simples expectador, ora como ativo participante.
Assim, quando da promulgação da Constituinte de 34, após a revolução de São Paulo, dois partidos operavam aqui em Curitiba:
o Partido Social Democrático, virtualmente chefiado pelo interventor Manuel Ribas, e o Partido Social Nacionalista, dominado pela figura do Coronel Mena Barreto. A corrente denominada União Republicana tinha por dirigente Caetano Munhoz da Rocha.
No entanto, Manuel Ribas, de temperamento apartidário, num mutismo indecifrável, sem manifestar o seu agrado ou desagrado por seu partido, assumira uma atitude desconcertante, enchendo de apreensão os seus correligionários, os pessedistas, já que mantinha contato com as outras duas facções, visitando Mena Barreto e confabulando com Munhoz da Rocha.
Embora preocupados e até mesmo assustados com tal procedimento incomum, os comandados do "gross bonnet" não se atreviam a lhe arrancar um pronunciamento franco e decisivo, principalmente em relação às próximas eleições.
Reinava nas hostes pessedistas visível inquietação.
Raul Gomes, por essa época, militava em "O Dia" de Caio Machado e, repórter ousado que era, resolveu ir ao Palácio, pôr tudo em pratos limpos, conseguir com o chefe pessedista uma declaração definitiva sobre sua posição partidária.
Bem cedinho vai ao Chefe de Polícia, Lauro Lopes, da bancada federal, e lhe comunica sua decisão.
Estávamos a 29 de setembro de 1934. Lauro tenta ponderar em contrário, mas Raul reafirma que sua presença frente ao Interventor não tinha conotações políticas - estaria apenas no desempenho de suas funções de jornalista. O chefe de Polícia telefona então para o Palácio e presta ao chefe de Gabinete as informações devidas.
E lá se vai o nosso Raul pela Rua Rio Branco, penetra na sede do Governo pelos fundos, se faz anunciar e é recebido cordialmente pelo Interventor, tendo ao seu lado Gaspar Veloso, diretor da Educação.
Indagados dos motivos por que solicitara audiência tão urgente, Raul Gomes expõe com franqueza ao Interventor a situação preocupante dos pessedistas, temerosos com a aproximação da data do pleito e a indefinição política de seu chefe maior.
Que estava ali como jornalista ansioso por um sensacional "furo" de reportagem, pois seus seguidores desejavam dele tão somente uma proclamação categórica como candidato de PSD.
Raul abre o seu caderno colocando-o à mesa.
Entrega a Ribas uma caneta.
Este não se faz de rogado.
Redige um pequeno texto, data e assina.
Mas constatado por Gaspar Veloso um pequeno engano, Ribas escreve outro texto, esse definitivo e aqui reproduzido: "Para terminar com boatos espalhados, referentes a minha permanência no Estado, declaro que pertenço a este povo e por ele darei o último dos meus dias.
Aceito, portanto, a minha candidatura ao Governo do Paraná, lançado pelo PSD. Curitiba, 29 de setembro de 1934. Manoel Ribas".
Raul sorri, satisfeito.
Missão cumprida. E por muitos anos conservaria com carinho aquele caderno com as duas versões.
Em tempo: Manuel Ribas seria eleito Governador, indiretamente, pela Assembléia Legislativa, para governar de 1935 a 1937, e voltaria a ser Interventor, nomeado por Getúlio Vargas, de 1937 a 1945. Governou o Paraná, assim, por 13 anos consecutivos, de 1932 a 1945.
Wilson Bóia, Presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores em 1993
quarta-feira, 25 de maio de 2016
Histórias do Paraná - A vingança da onça
Histórias do Paraná - A vingança da onça
A vingança da onça
Luiz Cláudio Mehl
A colônia Murici está bem próxima de Curitiba, e mais ainda da costeira da Serra do Mar.
Ocupada predominantemente por agricultores poloneses, é dali que a Capital se abastece de batata, frutas e legumes.
E também de suas matas que é extraída grande parte da madeira que abastece as olarias curitibanas.
Entre oleiros estavam os Filhos de Henrique Mehl, que ali possuíam uma fazendola.
Pois bem, no princípio dos anos 70 os fazendeiros daquela região estavam extremamente preocupados com o
desaparecimento de inúmeras cabeças de gado.
Algumas informações diziam que seriam umas 50, outras falavam em cem, e havia até que falasse que cerca de
200 cabeças de gado já haviam sumido.
Exageros de lado, de uma coisa não restava dúvida: as ossadas encontradas indicavam que era um felino, e dos grandes, o responsável pelo estrago.
Daí porque o Júlio Luz, chacreiro dos Mehl, convidou seu compadre Alcindo de Melo, reconhecido como emérito caçador, para procurar a bichana misteriosa.
Os dois caçadores, auxiliados por dois perdigueiros e pelas balas de uma "Winchester 16", abateram o animal após duas semanas de perseguição. O mistério desvendado tinha dois metros de comprimento e aproximadamente 20 anos de idade.
Para comprovar a veracidade do feito, os caçadores puseram o corpo do animal numa caminhoneta e foram correr os jornais de Curitiba, exibindo o troféu.
As manchetes, no dia seguinte, eram bombásticas: "Onça morta já tinha matado mais de cem", apontava a "Gazeta do Povo", "Onça morta a tiros", registrava a "Tribuna do Paraná". A notícia chegou até o Rio de Janeiro, e o Jornal do Brasil estampou a foto do bicho com a manchete "Onça Assassina".
Enquanto isso, os Mehl era multados em mil cruzeiros pelo Instituto de Defesa do Patrimônio Natural por falta de licença para matar o animal. E em seguida foram notificados a pagar outros 150 cruzeiros de multa por violação do código de caça florestal, que proibia a caça fora de temporada.
Até então, matavam-se onças com a impunidade como quem atravessa um sinal fechado às três horas da madrugada e sem nenhum guarda por perto.
Dessa vez, porém, a reação não ficou só nas multas. A opinião pública se dividiu a respeito e o assunto ganhou ares de discussão.
Não faltou, é claro, quem se posicionasse a favor dos caçadores, como o colunista social Carlos Jung, de "O Estado do Paraná", que ironicamente alertava os futuros caçadores de onça para não esquecerem de amarrá-las antes de atirar; correndo em seguida para, em Curitiba, tirar as devidas licenças.
Recomendava também a necessidade de avisar a onça para não aparecer nas fazendas fora da temporada de caça.
Ironias a parte, os primeiros aprendizes de ecologistas gritaram de norte a sul do país em defesa da fauna brasileira, coisa rara de se ouvir naqueles tempos.
Estava começando uma nova era no país, a era da defesa do meio ambiente.
Melhor que ninguém, o "Jornal do Brasil", do Rio de Janeiro, captou o que começava a acontecer a partir da matança de uma onça no Paraná. O jornal dedicou ao tema um editorial, intitulado "Vingança da Onça", que reparava: "...depois de morta, a onça vingou-se do fazendeiro que a matou..." E concluía: "Ao fazendeiro resta o consolo pela honra de ter participado do capítulo inicial de uma história de luta pela preservação do patrimônio natural do nosso país".
Luiz Cláudio Mehl, Engenheiro Civil
A vingança da onça
Luiz Cláudio Mehl
A colônia Murici está bem próxima de Curitiba, e mais ainda da costeira da Serra do Mar.
Ocupada predominantemente por agricultores poloneses, é dali que a Capital se abastece de batata, frutas e legumes.
E também de suas matas que é extraída grande parte da madeira que abastece as olarias curitibanas.
Entre oleiros estavam os Filhos de Henrique Mehl, que ali possuíam uma fazendola.
Pois bem, no princípio dos anos 70 os fazendeiros daquela região estavam extremamente preocupados com o
desaparecimento de inúmeras cabeças de gado.
Algumas informações diziam que seriam umas 50, outras falavam em cem, e havia até que falasse que cerca de
200 cabeças de gado já haviam sumido.
Exageros de lado, de uma coisa não restava dúvida: as ossadas encontradas indicavam que era um felino, e dos grandes, o responsável pelo estrago.
Daí porque o Júlio Luz, chacreiro dos Mehl, convidou seu compadre Alcindo de Melo, reconhecido como emérito caçador, para procurar a bichana misteriosa.
Os dois caçadores, auxiliados por dois perdigueiros e pelas balas de uma "Winchester 16", abateram o animal após duas semanas de perseguição. O mistério desvendado tinha dois metros de comprimento e aproximadamente 20 anos de idade.
Para comprovar a veracidade do feito, os caçadores puseram o corpo do animal numa caminhoneta e foram correr os jornais de Curitiba, exibindo o troféu.
As manchetes, no dia seguinte, eram bombásticas: "Onça morta já tinha matado mais de cem", apontava a "Gazeta do Povo", "Onça morta a tiros", registrava a "Tribuna do Paraná". A notícia chegou até o Rio de Janeiro, e o Jornal do Brasil estampou a foto do bicho com a manchete "Onça Assassina".
Enquanto isso, os Mehl era multados em mil cruzeiros pelo Instituto de Defesa do Patrimônio Natural por falta de licença para matar o animal. E em seguida foram notificados a pagar outros 150 cruzeiros de multa por violação do código de caça florestal, que proibia a caça fora de temporada.
Até então, matavam-se onças com a impunidade como quem atravessa um sinal fechado às três horas da madrugada e sem nenhum guarda por perto.
Dessa vez, porém, a reação não ficou só nas multas. A opinião pública se dividiu a respeito e o assunto ganhou ares de discussão.
Não faltou, é claro, quem se posicionasse a favor dos caçadores, como o colunista social Carlos Jung, de "O Estado do Paraná", que ironicamente alertava os futuros caçadores de onça para não esquecerem de amarrá-las antes de atirar; correndo em seguida para, em Curitiba, tirar as devidas licenças.
Recomendava também a necessidade de avisar a onça para não aparecer nas fazendas fora da temporada de caça.
Ironias a parte, os primeiros aprendizes de ecologistas gritaram de norte a sul do país em defesa da fauna brasileira, coisa rara de se ouvir naqueles tempos.
Estava começando uma nova era no país, a era da defesa do meio ambiente.
Melhor que ninguém, o "Jornal do Brasil", do Rio de Janeiro, captou o que começava a acontecer a partir da matança de uma onça no Paraná. O jornal dedicou ao tema um editorial, intitulado "Vingança da Onça", que reparava: "...depois de morta, a onça vingou-se do fazendeiro que a matou..." E concluía: "Ao fazendeiro resta o consolo pela honra de ter participado do capítulo inicial de uma história de luta pela preservação do patrimônio natural do nosso país".
Luiz Cláudio Mehl, Engenheiro Civil
terça-feira, 24 de maio de 2016
Histórias do Paraná - O sucesso tem nome
Histórias do Paraná - O sucesso tem nome
O sucesso tem nome
Roberto José da Silva
O crioulinho não agüentou os risos dos companheiros de classe naquele primeiro dia de aula. Não respondeu presença.
Disparou porta afora assim que a professorinha de óculos redondos pronunciou seu primeiro nome. Só parou na porta da casa humilde da fazenda rica.
Porque seus pais o tinham registrado com aquele rótulo ele queria saber, mais nunca perguntou. O "velho" não era muito de conversa e metia medo só no olhar.
As gozações dos companheiros foram diminuindo à medida que
o garoto ia ganhando respeito sem precisar retrucar no braço. Não precisava.
Na hora do recreio, onde geralmente só tinha um pedaço de cana para mastigar e chupar o suco adocicado, começou a se impor pelo talento com que dominava a pequena bola colorida de plástico nos disputados "rachas".
Não chegou a concluir o primário. O pai precisava da sua ajuda na lavoura.
Antes de abandonar a escola, contudo, já tinha ganho corpo parrudo e fama de bom de bola.
Ninguém tirava mais sarro do seu nome de batismo.
Cansava sim era de ouvir conselhos para seguir a carreira de jogar de futebol.
Mas e aquele nome esquisito? A explicação veio pelo rádio de pilha de um vizinho.
Propaganda de cigarro. Só então soube do vício e da paixão do pai por aquela marca. Não podia fazer nada.
Foi tocando a vida, calejando as mãos na lida com a terra vermelha e rica de Capitão Leônidas Marques e vendo sua estrela de boleiro brilhar nas fazendas da região.
Adolescente, ganhou mais musculatura e perdeu os dentes por descuido e por causa dos doces e da cana. Já jogava num time amador e o nome gozado ninguém mais lembrava.
Agora era Capitão, um volante que metia medo nos adversários pela determinação com que entrava nas jogadas e pelo porte tipo guarda-rou-pa.
Não foi por ser durão, entretanto, que um olheiro do Cascavel foi convencer o pai a deixá-lo tentar a sorte no time profissional. O menino que aos 17 anos já usava dentadura tinha talento.
Passou alguns anos mostrando isso no tapete verde do estádio Olímpico até ser contratado pela Portuguesa de Desportos, onde até hoje é titular absoluto da posição.
Capitão ganhou dinheiro, poderia até ter mudado o nome.
Mas, também por respeito aos pais, manteve-o com muito orgulho.
Ainda mais porque, agora mais do que nunca, Oliuae é um sucesso.
Roberto José da Silva, jornalista
O sucesso tem nome
Roberto José da Silva
O crioulinho não agüentou os risos dos companheiros de classe naquele primeiro dia de aula. Não respondeu presença.
Disparou porta afora assim que a professorinha de óculos redondos pronunciou seu primeiro nome. Só parou na porta da casa humilde da fazenda rica.
Porque seus pais o tinham registrado com aquele rótulo ele queria saber, mais nunca perguntou. O "velho" não era muito de conversa e metia medo só no olhar.
As gozações dos companheiros foram diminuindo à medida que
o garoto ia ganhando respeito sem precisar retrucar no braço. Não precisava.
Na hora do recreio, onde geralmente só tinha um pedaço de cana para mastigar e chupar o suco adocicado, começou a se impor pelo talento com que dominava a pequena bola colorida de plástico nos disputados "rachas".
Não chegou a concluir o primário. O pai precisava da sua ajuda na lavoura.
Antes de abandonar a escola, contudo, já tinha ganho corpo parrudo e fama de bom de bola.
Ninguém tirava mais sarro do seu nome de batismo.
Cansava sim era de ouvir conselhos para seguir a carreira de jogar de futebol.
Mas e aquele nome esquisito? A explicação veio pelo rádio de pilha de um vizinho.
Propaganda de cigarro. Só então soube do vício e da paixão do pai por aquela marca. Não podia fazer nada.
Foi tocando a vida, calejando as mãos na lida com a terra vermelha e rica de Capitão Leônidas Marques e vendo sua estrela de boleiro brilhar nas fazendas da região.
Adolescente, ganhou mais musculatura e perdeu os dentes por descuido e por causa dos doces e da cana. Já jogava num time amador e o nome gozado ninguém mais lembrava.
Agora era Capitão, um volante que metia medo nos adversários pela determinação com que entrava nas jogadas e pelo porte tipo guarda-rou-pa.
Não foi por ser durão, entretanto, que um olheiro do Cascavel foi convencer o pai a deixá-lo tentar a sorte no time profissional. O menino que aos 17 anos já usava dentadura tinha talento.
Passou alguns anos mostrando isso no tapete verde do estádio Olímpico até ser contratado pela Portuguesa de Desportos, onde até hoje é titular absoluto da posição.
Capitão ganhou dinheiro, poderia até ter mudado o nome.
Mas, também por respeito aos pais, manteve-o com muito orgulho.
Ainda mais porque, agora mais do que nunca, Oliuae é um sucesso.
Roberto José da Silva, jornalista
segunda-feira, 23 de maio de 2016
Histórias do Paraná - A batalha de Jaguapitã
Histórias do Paraná - A batalha de Jaguapitã
A batalha de Jaguapitã
Norma Thais Villela
Nada como uma boa campanha eleitoral para tirar do sério as pacatas cidades do interior do Paraná, algumas décadas atrás.
As diferenças políticas — ou, quem sabe, as pequenas animosidades guardadas em silêncio durante anos - dividiam as comunidades onde todos se conheciam, desfaziam antigos compadrios, rompiam noivados, armavam tocaias e quebradeiras, provocavam juras de morte, vez por outra alguém de fato tombava morto a tiro ou faca.
Era assim em 1948 na pequena Jaguapitã, norte do Paraná. A cidade fervia com as eleições, transformada em verdadeiro campo de batalha, pela UDN e o PSD. No comando político do PSD, o "coronel" Sebastião Faustino, Miguel Camargo liderava a UDN.
O PSD fizera barba e cabelo nesse ano.
Além de eleger Moysés Lupion para o governo do Estado, o partido também conquistara a prefeitura municipal de Jaguapitã. Os udenistas não se conformavam, e do desconforto à trama foi um passo: avisaram a todos que o prefeito eleito, Alfredo Batissioto, simplesmente não tomaria posse.
Os pessedistas, por sua vez, ouviam calados as provocações, e prometiam dar o troco à altura.
Era esse o clima da cidade.
Convém lembrar que a campanha já fora razoavelmente quente, com o assassinato, inclusive, do amigo Peixoto, em plena quermesse paroquial.
Outros dois, jurados de morte, tiveram que sumir.
Nossa casa, uma pequena chácara na beira da estrada, ficava a dois quilômetros do centro de Jaguapitã. Certa tarde, o ônibus da Viação Carrera, deixa na frente de casa a amiga Ofélia, com duas crianças pequenas.
Pede ajuda para levá-las até a fazenda de seu pai.
Arreios no cavalo, eu e o bebê na frente, Ofélia e a outra criança na garupa.
Na cidade, uma movimentação incomum, gente indo embora ou se refugiando no Grupo Escolar, única construção de alvenaria em Jaguapitã.
Fomos de cavalo até a entrada da fazenda.
Ao passar a porteira, a caminho da sede, notamos que estava tudo quieto.
Quieto demais.
Na casa nenhum movimento, nenhuma janela ou porta aberta. "Ofélia - disse eu -, vamos voltar. Não tem ninguém em casa". Nisso, o pai de Ofélia pessedista ferrenho, sai para o pátio, armado, para ajudar a filha e os netos a descer do cavalo. E avisou:
- "Essa noite, vamos acabar de vez com a oposição e pôr fim nessas ameaças de que o prefeito eleito não vai assumir.
Vamos tocar fogo nas casas dos udenistas todos. E a queimaria está marcada para começar justo pela casa do teu pai (éramos todos udenistas lá em casa), mas eu vou ver se consigo segurar o pessoal. Não garanto nada, mas vou tentar..."
Ele não estava brincando.
Era essa a razão da movimentação na cidade. O confronto definitivo entre as duas facções políticas rivais ia ser naquela noite.
Enquanto conversávamos, dos currais saíam caboclos que estavam de tocaia, todos armados até os dentes...
Em casa, avisei meu pai e, pelo sim pelo não, também ele se preparou para nos proteger. Não foi fácü suportar as primeiras horas daquela noite.
Como colonos americanos rumo ao Oeste, aguardando um ataque de índios, assim nos sentíamos.
Mas na boca-da-noite, quando maior era a tensão, eis que surge a salvadora cavalaria: de casa vimos passar pela estrada os caminhões com soldados do Exército a caminho da cidade.
Nossa casa estava salva. A não tão pacata Jaguapitã estava a salvo — para alívio dos dois lados.
O prefeito eleito tomou posse. E a oposição continuou existindo.
Norma Thais Villela, dona de casa
A batalha de Jaguapitã
Norma Thais Villela
Nada como uma boa campanha eleitoral para tirar do sério as pacatas cidades do interior do Paraná, algumas décadas atrás.
As diferenças políticas — ou, quem sabe, as pequenas animosidades guardadas em silêncio durante anos - dividiam as comunidades onde todos se conheciam, desfaziam antigos compadrios, rompiam noivados, armavam tocaias e quebradeiras, provocavam juras de morte, vez por outra alguém de fato tombava morto a tiro ou faca.
Era assim em 1948 na pequena Jaguapitã, norte do Paraná. A cidade fervia com as eleições, transformada em verdadeiro campo de batalha, pela UDN e o PSD. No comando político do PSD, o "coronel" Sebastião Faustino, Miguel Camargo liderava a UDN.
O PSD fizera barba e cabelo nesse ano.
Além de eleger Moysés Lupion para o governo do Estado, o partido também conquistara a prefeitura municipal de Jaguapitã. Os udenistas não se conformavam, e do desconforto à trama foi um passo: avisaram a todos que o prefeito eleito, Alfredo Batissioto, simplesmente não tomaria posse.
Os pessedistas, por sua vez, ouviam calados as provocações, e prometiam dar o troco à altura.
Era esse o clima da cidade.
Convém lembrar que a campanha já fora razoavelmente quente, com o assassinato, inclusive, do amigo Peixoto, em plena quermesse paroquial.
Outros dois, jurados de morte, tiveram que sumir.
Nossa casa, uma pequena chácara na beira da estrada, ficava a dois quilômetros do centro de Jaguapitã. Certa tarde, o ônibus da Viação Carrera, deixa na frente de casa a amiga Ofélia, com duas crianças pequenas.
Pede ajuda para levá-las até a fazenda de seu pai.
Arreios no cavalo, eu e o bebê na frente, Ofélia e a outra criança na garupa.
Na cidade, uma movimentação incomum, gente indo embora ou se refugiando no Grupo Escolar, única construção de alvenaria em Jaguapitã.
Fomos de cavalo até a entrada da fazenda.
Ao passar a porteira, a caminho da sede, notamos que estava tudo quieto.
Quieto demais.
Na casa nenhum movimento, nenhuma janela ou porta aberta. "Ofélia - disse eu -, vamos voltar. Não tem ninguém em casa". Nisso, o pai de Ofélia pessedista ferrenho, sai para o pátio, armado, para ajudar a filha e os netos a descer do cavalo. E avisou:
- "Essa noite, vamos acabar de vez com a oposição e pôr fim nessas ameaças de que o prefeito eleito não vai assumir.
Vamos tocar fogo nas casas dos udenistas todos. E a queimaria está marcada para começar justo pela casa do teu pai (éramos todos udenistas lá em casa), mas eu vou ver se consigo segurar o pessoal. Não garanto nada, mas vou tentar..."
Ele não estava brincando.
Era essa a razão da movimentação na cidade. O confronto definitivo entre as duas facções políticas rivais ia ser naquela noite.
Enquanto conversávamos, dos currais saíam caboclos que estavam de tocaia, todos armados até os dentes...
Em casa, avisei meu pai e, pelo sim pelo não, também ele se preparou para nos proteger. Não foi fácü suportar as primeiras horas daquela noite.
Como colonos americanos rumo ao Oeste, aguardando um ataque de índios, assim nos sentíamos.
Mas na boca-da-noite, quando maior era a tensão, eis que surge a salvadora cavalaria: de casa vimos passar pela estrada os caminhões com soldados do Exército a caminho da cidade.
Nossa casa estava salva. A não tão pacata Jaguapitã estava a salvo — para alívio dos dois lados.
O prefeito eleito tomou posse. E a oposição continuou existindo.
Norma Thais Villela, dona de casa
domingo, 22 de maio de 2016
Histórias do Paraná - A espada invicta
Histórias do Paraná - A espada invicta
A espada invicta
Túlio Vargas
A Revolução Federalista ou Guerra de Picapaus e Maragatos, como ficaria conhecida, foi das mais trágicas da história sul americana. Há cem anos que irrompeu no Rio Grande do Sul, alastrando-se pelos Estados de Santa Catarina e Paraná. Inicialmente visava desalojar do governo gaúcho Júlio de Castilhos.
Vi-rou-se, depois, contra Floriano Peixoto, encastelado como ditador por violação constitucional, segundo a oposição da época.
As tropas federalistas, que ameaçaram os alicerces da República, eram comandadas por Gumercindo Saraiva, guerreiro invulgar, nascido no Brasil, criado no Uruguai, capaz de façanhas comparáveis às de Napoleão cruzando os Alpes, de San Martin vencendo os Andes, de Bolívar, Aníbal ou Alexandre.
Com um exército despreparado, de voluntários improvisados, mistura de altivez, des temor, picardia e espírito de aventura, inspirava-lhes "pelear" a qualquer preço.
Eram os maragatos.
Na esteira dos combates contra os florianistas cometeram-se, de parte a parte, as maiores atrocidades. Não parecia uma guerra civil convencional. O suplício da degola tornou-se regra.
Aos excessos dos federalistas respondiam com os mesmos métodos os legalistas.
Olho por olho, dente por dente.
Essa prática primitiva atemorizou as populações indefesas e recaíram sobre Gumercindo, comandante-em-chefe das tropas invasoras, os ódios republicanos. E como a história é escrita pelos vencedores, ficou-lhe a fama de bandido...
Todavia, não foi bem assim.
Depoimentos de inimigos seus, contemporâneos de tragédia, absolvem-no desses pecados.
Basta ler "Dias Fratricidas", de Bernardino Bormann; "A Consolidação da República", de J.B. Magalhães; "A Revolução de 1893 - Memórias", de José Cândido da Silva Muricy; "Dicionário/ Histórico e Geográfico Paranaense", de Ermelino Agostinho de Leão, e outros, para restabelecer-se a verdadeira imagem do célebre caudilho.
Bernardino Bormann, general, que enfrentou a coluna federaHsta de Juca Tigre na região de Palmas, escreveu: "Não há dúvida que Gumercindo portava-se bem com os prisioneiros.
Muitos de seus homens não o imitaram."
Quando da ocupação de Curitiba, em 1894, era ele que refreava os ímpetos belicosos de seus comandados.
Ainda assim, houve abusos.
Saqueado o Museu Paranaense, seu diretor Ermelino de
Leão reclamou de Gumercindo o desfalque de mais de duzentas moedas de ouro e prata, comendas e outros objetos de valor histórico.
- É a segunda vez que o Museu é saqueado, general. Já o foi no ano passado, sem que se pudesse descobrir o autor, e agora volta a ser roubado por soldados de Vossa Excelência.
- E que providência me aconselha? — retrucou Gumercindo no seu idioma hispano-luso.
- As moedas, de fato general, não será fácil, mas as comendas, talvez...
- Doutor, esse assunto é doloroso para mim.
Diga-me, para compensar, não estaria mal a minha espada?
- Mas general...
- Pois fique lá com ela e desculpe o seu pouco valor!...
Contrariando a versão histórica, "era um tipo humano e social sem paralelos, êmulo de Canabarro na capacidade militar, bizarro de atitudes como Antônio Neto, isto é, bravo à temeridade, generoso na vitória e equilibrado na adversidade".
Ele morreu em Carovi, Rio Grande do Sul, ao retirar sua coluna em busca de exílio.
Os legalistas desenterraram-lhe o cadáver, cortaram-lhe a cabeça, levando-a como troféu ajúlio de Castilhos.
Este, horrorizado, negou-se a receber o prêmio macabro.
Túlio Vargas, ex-deputado, membro da Academia Paranaense de Letras
A espada invicta
Túlio Vargas
A Revolução Federalista ou Guerra de Picapaus e Maragatos, como ficaria conhecida, foi das mais trágicas da história sul americana. Há cem anos que irrompeu no Rio Grande do Sul, alastrando-se pelos Estados de Santa Catarina e Paraná. Inicialmente visava desalojar do governo gaúcho Júlio de Castilhos.
Vi-rou-se, depois, contra Floriano Peixoto, encastelado como ditador por violação constitucional, segundo a oposição da época.
As tropas federalistas, que ameaçaram os alicerces da República, eram comandadas por Gumercindo Saraiva, guerreiro invulgar, nascido no Brasil, criado no Uruguai, capaz de façanhas comparáveis às de Napoleão cruzando os Alpes, de San Martin vencendo os Andes, de Bolívar, Aníbal ou Alexandre.
Com um exército despreparado, de voluntários improvisados, mistura de altivez, des temor, picardia e espírito de aventura, inspirava-lhes "pelear" a qualquer preço.
Eram os maragatos.
Na esteira dos combates contra os florianistas cometeram-se, de parte a parte, as maiores atrocidades. Não parecia uma guerra civil convencional. O suplício da degola tornou-se regra.
Aos excessos dos federalistas respondiam com os mesmos métodos os legalistas.
Olho por olho, dente por dente.
Essa prática primitiva atemorizou as populações indefesas e recaíram sobre Gumercindo, comandante-em-chefe das tropas invasoras, os ódios republicanos. E como a história é escrita pelos vencedores, ficou-lhe a fama de bandido...
Todavia, não foi bem assim.
Depoimentos de inimigos seus, contemporâneos de tragédia, absolvem-no desses pecados.
Basta ler "Dias Fratricidas", de Bernardino Bormann; "A Consolidação da República", de J.B. Magalhães; "A Revolução de 1893 - Memórias", de José Cândido da Silva Muricy; "Dicionário/ Histórico e Geográfico Paranaense", de Ermelino Agostinho de Leão, e outros, para restabelecer-se a verdadeira imagem do célebre caudilho.
Bernardino Bormann, general, que enfrentou a coluna federaHsta de Juca Tigre na região de Palmas, escreveu: "Não há dúvida que Gumercindo portava-se bem com os prisioneiros.
Muitos de seus homens não o imitaram."
Quando da ocupação de Curitiba, em 1894, era ele que refreava os ímpetos belicosos de seus comandados.
Ainda assim, houve abusos.
Saqueado o Museu Paranaense, seu diretor Ermelino de
Leão reclamou de Gumercindo o desfalque de mais de duzentas moedas de ouro e prata, comendas e outros objetos de valor histórico.
- É a segunda vez que o Museu é saqueado, general. Já o foi no ano passado, sem que se pudesse descobrir o autor, e agora volta a ser roubado por soldados de Vossa Excelência.
- E que providência me aconselha? — retrucou Gumercindo no seu idioma hispano-luso.
- As moedas, de fato general, não será fácil, mas as comendas, talvez...
- Doutor, esse assunto é doloroso para mim.
Diga-me, para compensar, não estaria mal a minha espada?
- Mas general...
- Pois fique lá com ela e desculpe o seu pouco valor!...
Contrariando a versão histórica, "era um tipo humano e social sem paralelos, êmulo de Canabarro na capacidade militar, bizarro de atitudes como Antônio Neto, isto é, bravo à temeridade, generoso na vitória e equilibrado na adversidade".
Ele morreu em Carovi, Rio Grande do Sul, ao retirar sua coluna em busca de exílio.
Os legalistas desenterraram-lhe o cadáver, cortaram-lhe a cabeça, levando-a como troféu ajúlio de Castilhos.
Este, horrorizado, negou-se a receber o prêmio macabro.
Túlio Vargas, ex-deputado, membro da Academia Paranaense de Letras
sábado, 21 de maio de 2016
Histórias do Paraná - O engenho de meu pai
Histórias do Paraná - O engenho de meu pai
O engenho de meu pai
Lourdes Lacerda Suplicy
Manhã de sol.
Veranico do mês de maio, 1940. Com meu pai, visitei a barricaria do Engenho Santo Antônio.
Dentro da rotina agradável e tranqüila em que transcorria a nossa vida, poderia eu imaginar que, no mês de outubro daquele mesmo ano, ele descansaria no túmulo da família? A mocinha que chorou a sua morte só muito tempo depois veio a se interessar pela história daquele engenho de erva mate, durante décadas um dos esteios da economia da cidade da Lapa.
A história teria começado em 1879, data de sua fundação.
Em 1884, conforme notícia o jornal "Dezenove de Dezembro", a firma Loyola e Rebello ali inaugurou máquinas de "systema locomovei", promovendo uma festiva reunião.
Durante a Revolução de 1894, destacam os historiadores, o Engenho era um marco na cidade.
Na verdade, meu pai, José Lacerda, estabeleceu-se na Lapa em 1898 como "comerciante de erva-mate e de gêneros do país". Negociava numa casa do Largo da Matriz.
Fm 1921, ele e Fido Fontana compraram de Manoel Rodrigues Pereira Pinto, o Engenho Santo Antônio.
Esta sociedade logo se desfez, meu pai ampliou sua indústria de beneficiamento do mate, que era exportado para o Uruguai em grande escala e também para a Argentina e Chile.
O edifício principal, onde es-tavam as máquinas, era de linhas simples, fachada baixa, janelas de guilhotina, telhado de goivas.
Neste local os carroções despejavam a erva-mate bruta que se transformava na agradável e cheirosa erva-mate, que viajava acondicionada nas famosas barricas. O trabalho artesanal das barricarias revelava verdadeiros artistas que trabalhavam por tarefa.
Com raspilha e cepilhadeira, confeccionavam aduelas de pinho de três cores: preto, branco e vermelho.
Os rótulos, também trabalhos artísticos de litógrafos, traziam os nomes das diversas marcas: La Oriental, Hércules, Lisinger, Lacerda, Olívia, Lolita, Mena, Gran Diogo, Maria Adela, Fábio, Luciano.
Apesar de contar somente com uma safra anual, o Engenho trouxe trabalho estável para os habitantes da Lapa.
Quando a erva bruta chegava, as máquinas eram acionadas e o apito agudo soava como um código convocando aqueles que se dispusessem ao trabalho.
Meu pai sempre se preocupou em proteger seus empregados, sobretudo os velhos barriqueiros e, a partir de 1937, pôs em execução as novas leis da
Previdência Social.
Entre as décadas de 20 e 40,
o Engenho Santo Antônio foi o único do município.
Após a morte de meu pai, o estabelecimento passou para seus filhos, mudando a razão social para José Lacerda & Cia Ltda e, na década de 50, para enfrentar uma crise de mercado, uniu-se aos Moinhos Unidos Brasil Mate S/A.
Todas as manhãs, às sete horas, o apito do Engenho soava numa alvorada festiva.
Apitava ainda às onze horas, ao meio dia e às três horas.
Finalmente, às seis horas anunciava o fim da jornada de trabalho.
A evocação deste som repercute saudosamente no meu coração.
Lourdes Lacerda Suplicy, avó e dona de casa
O engenho de meu pai
Lourdes Lacerda Suplicy
Manhã de sol.
Veranico do mês de maio, 1940. Com meu pai, visitei a barricaria do Engenho Santo Antônio.
Dentro da rotina agradável e tranqüila em que transcorria a nossa vida, poderia eu imaginar que, no mês de outubro daquele mesmo ano, ele descansaria no túmulo da família? A mocinha que chorou a sua morte só muito tempo depois veio a se interessar pela história daquele engenho de erva mate, durante décadas um dos esteios da economia da cidade da Lapa.
A história teria começado em 1879, data de sua fundação.
Em 1884, conforme notícia o jornal "Dezenove de Dezembro", a firma Loyola e Rebello ali inaugurou máquinas de "systema locomovei", promovendo uma festiva reunião.
Durante a Revolução de 1894, destacam os historiadores, o Engenho era um marco na cidade.
Na verdade, meu pai, José Lacerda, estabeleceu-se na Lapa em 1898 como "comerciante de erva-mate e de gêneros do país". Negociava numa casa do Largo da Matriz.
Fm 1921, ele e Fido Fontana compraram de Manoel Rodrigues Pereira Pinto, o Engenho Santo Antônio.
Esta sociedade logo se desfez, meu pai ampliou sua indústria de beneficiamento do mate, que era exportado para o Uruguai em grande escala e também para a Argentina e Chile.
O edifício principal, onde es-tavam as máquinas, era de linhas simples, fachada baixa, janelas de guilhotina, telhado de goivas.
Neste local os carroções despejavam a erva-mate bruta que se transformava na agradável e cheirosa erva-mate, que viajava acondicionada nas famosas barricas. O trabalho artesanal das barricarias revelava verdadeiros artistas que trabalhavam por tarefa.
Com raspilha e cepilhadeira, confeccionavam aduelas de pinho de três cores: preto, branco e vermelho.
Os rótulos, também trabalhos artísticos de litógrafos, traziam os nomes das diversas marcas: La Oriental, Hércules, Lisinger, Lacerda, Olívia, Lolita, Mena, Gran Diogo, Maria Adela, Fábio, Luciano.
Apesar de contar somente com uma safra anual, o Engenho trouxe trabalho estável para os habitantes da Lapa.
Quando a erva bruta chegava, as máquinas eram acionadas e o apito agudo soava como um código convocando aqueles que se dispusessem ao trabalho.
Meu pai sempre se preocupou em proteger seus empregados, sobretudo os velhos barriqueiros e, a partir de 1937, pôs em execução as novas leis da
Previdência Social.
Entre as décadas de 20 e 40,
o Engenho Santo Antônio foi o único do município.
Após a morte de meu pai, o estabelecimento passou para seus filhos, mudando a razão social para José Lacerda & Cia Ltda e, na década de 50, para enfrentar uma crise de mercado, uniu-se aos Moinhos Unidos Brasil Mate S/A.
Todas as manhãs, às sete horas, o apito do Engenho soava numa alvorada festiva.
Apitava ainda às onze horas, ao meio dia e às três horas.
Finalmente, às seis horas anunciava o fim da jornada de trabalho.
A evocação deste som repercute saudosamente no meu coração.
Lourdes Lacerda Suplicy, avó e dona de casa
sexta-feira, 20 de maio de 2016
Histórias do Paraná - O incrível caso das moedas
Histórias do Paraná - O incrível caso das moedas
O incrível caso das moedas
Leonardo Henrique dos Santos
"Iguais a você, aqui já existem 10 mil".
Na época pioneira de Londrina, uma placa com essa frase de duplo sentido, permaneceu durante muito tempo plantada na entrada da cidade — tanto podia ser encarada como um solidário convite aos que chegavam, dispostos a crescer junto com a cidade, como uma advertência aos que vinham com o propósito de enganar os que trabalhavam.
De fato, as duas interpretações faziam sentidos.
Londrina realmente atraía multidões de brasileiros e estrangeiros, que chegavam decididos a regar aquela terra roxa com o seu suor. E no rastro deles também vinham, atraídos pela fama de cidade onde o dinheiro corria solto, pilantras de todos os quilates.
No início dos anos 70, a placa com a frase desafiadora já era apenas uma lembrança na memória das gerações pioneiras, como também não passava de vagas recordações os "causos" dos golpes dignos de roteiros cinematográficos - Londrina já havia deixado de ser a lendária "Capital Mundial do Café".
Em meados de 1972, começam a aparecer, em mesas de bar e em rodinhas na "pedra", chatos detalhistas que insistiam em apontar, como indícios de falsificação, quase imperceptíveis diferenças entre moedas de 50 centavos que deveriam ser idênticas. A conversa quase sempre era encerrada com a intervenção de algum "especialista", que pontificava:
- Isso é impossível.
Ninguém falsificaria moedas porque o custo unitário seria superior ao seu valor legal. O governo faz porque elas são necessárias, mas tem prejuízo...
Só que, decorrido mais algum tempo, as moedas em circulação na cidade começaram a "desbotar" e então ninguém mais teve dúvidas: alguém estava cunhando moedas em cobre e submetendo—as a um banho de níquel, que resistia por alguns meses mas acabava se desgastando. E a produção era em alta escala, porque as falsas moedas inundavam Londrina e se espalhavam por cidades de toda a região.
A Polícia Federal não teve a maior dificuldade em chegar ao "artista", que havia instalado uma autêntica "filial da Casa da Moeda" numa chácara - era um jovem elegante e de aparência fina, que visitava regularmente os varejistas da cidade, sempre de paletó e gravata e a bordo de um reluzente Dodge Dart, oferecendo saquinhos de moedas em troca de cédulas. Só faltava deixar cartão de visitas.
A reação da opinião pública quando o caso explodiu e o incrível falsário foi preso, revelou que a cidade continuava sendo capaz de admirar um golpe inteligente. Só se ouvia recriminações ao fato de o "moedeiro" ter sido tão descuidado:
- Onde já se viu, sair por aí de Dodge Dart trocando moedas! Ele tinha que se fazer passar por pipoqueiro, ou coisa assim...
- Se ele solta essas moedas em São Paulo, nunca que iriam pegá-lo...
A velha placa havia se perdido no tempo, mas sua mensagem de advertência continuava valendo — ninguém devia chegar em Londrina acreditando que era mais esperto porque na cidade realmente já existia de tudo.
Até mesmo alguém capaz de um crime tão inacreditável como falsificar moedas de 50 centavos... e ter lucro!
Leonardo Henrique dos Santos, jornalista
O incrível caso das moedas
Leonardo Henrique dos Santos
"Iguais a você, aqui já existem 10 mil".
Na época pioneira de Londrina, uma placa com essa frase de duplo sentido, permaneceu durante muito tempo plantada na entrada da cidade — tanto podia ser encarada como um solidário convite aos que chegavam, dispostos a crescer junto com a cidade, como uma advertência aos que vinham com o propósito de enganar os que trabalhavam.
De fato, as duas interpretações faziam sentidos.
Londrina realmente atraía multidões de brasileiros e estrangeiros, que chegavam decididos a regar aquela terra roxa com o seu suor. E no rastro deles também vinham, atraídos pela fama de cidade onde o dinheiro corria solto, pilantras de todos os quilates.
No início dos anos 70, a placa com a frase desafiadora já era apenas uma lembrança na memória das gerações pioneiras, como também não passava de vagas recordações os "causos" dos golpes dignos de roteiros cinematográficos - Londrina já havia deixado de ser a lendária "Capital Mundial do Café".
Em meados de 1972, começam a aparecer, em mesas de bar e em rodinhas na "pedra", chatos detalhistas que insistiam em apontar, como indícios de falsificação, quase imperceptíveis diferenças entre moedas de 50 centavos que deveriam ser idênticas. A conversa quase sempre era encerrada com a intervenção de algum "especialista", que pontificava:
- Isso é impossível.
Ninguém falsificaria moedas porque o custo unitário seria superior ao seu valor legal. O governo faz porque elas são necessárias, mas tem prejuízo...
Só que, decorrido mais algum tempo, as moedas em circulação na cidade começaram a "desbotar" e então ninguém mais teve dúvidas: alguém estava cunhando moedas em cobre e submetendo—as a um banho de níquel, que resistia por alguns meses mas acabava se desgastando. E a produção era em alta escala, porque as falsas moedas inundavam Londrina e se espalhavam por cidades de toda a região.
A Polícia Federal não teve a maior dificuldade em chegar ao "artista", que havia instalado uma autêntica "filial da Casa da Moeda" numa chácara - era um jovem elegante e de aparência fina, que visitava regularmente os varejistas da cidade, sempre de paletó e gravata e a bordo de um reluzente Dodge Dart, oferecendo saquinhos de moedas em troca de cédulas. Só faltava deixar cartão de visitas.
A reação da opinião pública quando o caso explodiu e o incrível falsário foi preso, revelou que a cidade continuava sendo capaz de admirar um golpe inteligente. Só se ouvia recriminações ao fato de o "moedeiro" ter sido tão descuidado:
- Onde já se viu, sair por aí de Dodge Dart trocando moedas! Ele tinha que se fazer passar por pipoqueiro, ou coisa assim...
- Se ele solta essas moedas em São Paulo, nunca que iriam pegá-lo...
A velha placa havia se perdido no tempo, mas sua mensagem de advertência continuava valendo — ninguém devia chegar em Londrina acreditando que era mais esperto porque na cidade realmente já existia de tudo.
Até mesmo alguém capaz de um crime tão inacreditável como falsificar moedas de 50 centavos... e ter lucro!
Leonardo Henrique dos Santos, jornalista
quinta-feira, 19 de maio de 2016
Histórias do Paraná - A visita do Governador
Histórias do Paraná - A visita do Governador
A visita do Governador
José Bortoglin de Castro
Senhores políticos, prestem atenção e não esqueçam: a credibilidade do trabalho de cada um pode estar nas coisas aparentemente menores e insignificantes.
Como, por exemplo, cumprir a promessa de visitar um pequena cidade, com seus observadores e comportamentos próprios.
Porque uma comunidade pequena não esquece, jamais, uma desfeita.
Fica na memória coletiva, do mesmo jeito que ficou na memória dos brasileiros aquela história do presidente Reagan chamar a gente de "bolivianos", em plena visita ao Rio de Janeiro.
Há muitos anos, Terra Boa, uma pequena cidade encravada no Vale do Ivaí, esperou, em vão, pela visita do governador.
As crianças receberam instruções das freiras na véspera, para vestirem o uniforme de gala - manga comprida, saias e calças impecavelmente passadas e os sapatos engraxados - ganharam bandeirolas e lá se foram para a fren-le do palanque recém-montado.
As freiras também vestiram o uniforme dos dias importantes, com longas saias de casemira alemã, azul-mari-nho. E era verão.
Moradores, da cidade e dos sítios, deixaram os afazeres domésticos para recepcionar o governador.
Prefeito, mulher do prefeito, cunhadas, primos e afins, o vigário, todos em seu dia de glória.
Tudo limpo, bem arrumado, árvores pintadas de branco até a metade, seringueiras enormes cujas sementes, trazidas não sei de onde, floresciam maravilhosamente nas terras roxas do Norte do Paraná. E acabavam arrancadas, porque estragavam as calçadas com suas raízes.
Passaram-se horas e nada do governador.
Prefeito impaciente, mulher mau humorada — "será que o prestígio dele não é tão grande como diz ou ele falou besteira lá em Curitiba, quando visitou o Palácio Iguaçu?" -, crianças cansadas, batendo com as bandeirolas uma nas outras.
Fome apertando o pessoal do sítio acostumado a almoçar mais cedo.
A vista já cansada de olhar a estrada vazia, vez por outra levantando poeira, quando um carro da prefeitura voltava do trevo, onde um grupo esperava a comitiva.
Mais de uma da tarde, as crianças desobedecendo as freiras, teimando em ir para casa tomar água.
Finalmente, depois de muita espera, desponta do meio do poeirão o carro preto puxando a comitiva.
Rojões, barulhos, gente se arrumando, mulher do prefeito ajeitando a blusa mais para baixo. O carro preto passa raspando pela banda de música. Pára e abre a porta, pertinho da escada do palanque. E desce o deputado da região, levantando os braços para a multidão.
Acena, animado, mas a expectativa dos pescoços esticados é para ver quem vem atrás, o governador, ora. E não é — oh decepção! - que o governador não veio? Um outro compromisso, numa cidade próxima — e maior, é lógico -levou-o pra lá.
Uns poucos acenam para o deputado.
Ficam em silêncio na hora do discurso, olham de lado para o prefeito e percebem que a primeira dama pisa fundo nos saltos.
Ninguém fala nada, nem comenta o fato. Vão almoçar quase às três horas da tarde, o arroz branco já duro na panela de alumínio.
As crianças tiram o uniforme de gala agora sujo, a meia branca com os calcanhares marrons, e se abrigam à sombra das seringueiras.
A comitiva parte sozinha. O prefeito volta para a prefeitura, a mulher dele para a inspetoria de ensino, e todos, na cidade pequena, ficam com a sensação que ela é, afinal, muito menor do que pensavam.
Quando se candidatou a deputado federal, o já então ex-governador não teve votos por lá. Também não se lembrava de ter cancelado à ultima hora a viagem prometida.
José Bortoglin de Castro, técnico agrícola em Apucarana
A visita do Governador
José Bortoglin de Castro
Senhores políticos, prestem atenção e não esqueçam: a credibilidade do trabalho de cada um pode estar nas coisas aparentemente menores e insignificantes.
Como, por exemplo, cumprir a promessa de visitar um pequena cidade, com seus observadores e comportamentos próprios.
Porque uma comunidade pequena não esquece, jamais, uma desfeita.
Fica na memória coletiva, do mesmo jeito que ficou na memória dos brasileiros aquela história do presidente Reagan chamar a gente de "bolivianos", em plena visita ao Rio de Janeiro.
Há muitos anos, Terra Boa, uma pequena cidade encravada no Vale do Ivaí, esperou, em vão, pela visita do governador.
As crianças receberam instruções das freiras na véspera, para vestirem o uniforme de gala - manga comprida, saias e calças impecavelmente passadas e os sapatos engraxados - ganharam bandeirolas e lá se foram para a fren-le do palanque recém-montado.
As freiras também vestiram o uniforme dos dias importantes, com longas saias de casemira alemã, azul-mari-nho. E era verão.
Moradores, da cidade e dos sítios, deixaram os afazeres domésticos para recepcionar o governador.
Prefeito, mulher do prefeito, cunhadas, primos e afins, o vigário, todos em seu dia de glória.
Tudo limpo, bem arrumado, árvores pintadas de branco até a metade, seringueiras enormes cujas sementes, trazidas não sei de onde, floresciam maravilhosamente nas terras roxas do Norte do Paraná. E acabavam arrancadas, porque estragavam as calçadas com suas raízes.
Passaram-se horas e nada do governador.
Prefeito impaciente, mulher mau humorada — "será que o prestígio dele não é tão grande como diz ou ele falou besteira lá em Curitiba, quando visitou o Palácio Iguaçu?" -, crianças cansadas, batendo com as bandeirolas uma nas outras.
Fome apertando o pessoal do sítio acostumado a almoçar mais cedo.
A vista já cansada de olhar a estrada vazia, vez por outra levantando poeira, quando um carro da prefeitura voltava do trevo, onde um grupo esperava a comitiva.
Mais de uma da tarde, as crianças desobedecendo as freiras, teimando em ir para casa tomar água.
Finalmente, depois de muita espera, desponta do meio do poeirão o carro preto puxando a comitiva.
Rojões, barulhos, gente se arrumando, mulher do prefeito ajeitando a blusa mais para baixo. O carro preto passa raspando pela banda de música. Pára e abre a porta, pertinho da escada do palanque. E desce o deputado da região, levantando os braços para a multidão.
Acena, animado, mas a expectativa dos pescoços esticados é para ver quem vem atrás, o governador, ora. E não é — oh decepção! - que o governador não veio? Um outro compromisso, numa cidade próxima — e maior, é lógico -levou-o pra lá.
Uns poucos acenam para o deputado.
Ficam em silêncio na hora do discurso, olham de lado para o prefeito e percebem que a primeira dama pisa fundo nos saltos.
Ninguém fala nada, nem comenta o fato. Vão almoçar quase às três horas da tarde, o arroz branco já duro na panela de alumínio.
As crianças tiram o uniforme de gala agora sujo, a meia branca com os calcanhares marrons, e se abrigam à sombra das seringueiras.
A comitiva parte sozinha. O prefeito volta para a prefeitura, a mulher dele para a inspetoria de ensino, e todos, na cidade pequena, ficam com a sensação que ela é, afinal, muito menor do que pensavam.
Quando se candidatou a deputado federal, o já então ex-governador não teve votos por lá. Também não se lembrava de ter cancelado à ultima hora a viagem prometida.
José Bortoglin de Castro, técnico agrícola em Apucarana
quarta-feira, 18 de maio de 2016
Histórias do Paraná - Geada negra
Histórias do Paraná - Geada negra
Geada negra
Ernesto Carvalho
- Seu moço, não tem nada mais triste que um cafezal geado.
A primeira vez que ouvi essa lamúria foi num sítio em Bela Vista do Paraíso, perto de Londrina, no dia 20 de julho de 1975. Três dias antes nevara em Curitiba, a primeira vez desde 1928. Coisa mais linda! Nem tanto a neve, mas a reação das pessoas.
Os sizudos curitibanos fizeram da cidade um enorme playground, eles todos se tornaram crianças, com sorrisos e festas que carnaval algum jamais conseguiu arrancar.
Certo estava o jornal que mancheteou na primeira página: "Neve aquece Curitiba". Mas enquanto os curitibanos iam dormir nessa noite de alma aquecida, no Norte do Estado começava a formar-se sobre as plantações a maior geada de nossa história recente.
Qual o agricultor que conseguiu dormir nessa noite?
Têm muitas formas de prever de véspera uma geada, ensina o pequeno sitiante de Bela Vista de Paraíso. Céu limpo, estrelado, em noite fria, é geada quase certa. Céu limpo, estrelado, noite fria e focinho de burro molhado, é geada certíssima.
Na noite de 17 para 18 de julho de 1975 teve tudo isso.
Muitos cafeicul-tores tentaram minimizar o estrago certo fazendo fogueiras com pneus velhos no meio do cafezal. O calor e a fumaça evitavam a formação do gelo.
Mas nem que queimassem todos os pneus do mundo, dessa vez não tinha jeito. O ar era tão frio, que congelou a seiva nos caules das plantas, a terra ficou tão fria, que congelou as raízes. É a geada negra, a pior.
- Seu moço, não tem nada mais triste que um cafezal geado! -dizia o sitiante Theodoro França, sentado num velho tronco de peroba à frente do cafezal, o olhar triste e perdido.
Dois dias depois de uma grande geada o cafezal não é triste pelo que se vê, mas na antevisão do que virá. Dois dias depois de geado, o cafezal mantém sua mesma coloração verde escuro, as árvores continuam frondosas, como se tudo estivesse normal.
Mas são plantas mortas.
Mais alguns dias e as folhas adquirem a cor marrom escuro, depois começam a cair, e restam os arbustos, pelados a planta toda seca, sem vida.
Milhões de pés de café secaram dessa forma em 1975. Salvaram-se apenas as plantações localizadas nos maiores baixios, onde a geada não se forma e os ventos gelados não sopram.
Sem vida, os cafezais precisaram ser arrancados, mas em seu lugar nem todos os agricultores voltaram a plantar novos pés de café. Muitos preferiram a soja, ou o milho.
Houve até quem plantasse cana-de-açúcar e pastagem.
Sacrilégio! Cana e pasto numa das terras mais férteis do mundo.
O resultado se vê até hoje nas estatísticas de produção e na paisagem rural e urbana de todo o Paraná. O Estado perdeu, para nunca mais recuperar a posição de maior produtor nacional de café. Pior, da noite para o dia centenas de milhares de trabalhadores rurais perderam o emprego. A cafeicultura é das lides do campo que exige mais mão-de-obra, ao contrário da soja ou da pecuária.
Os despejados do campo transformaram-se parte em "bóias-frias" nas pequenas cidades, parte em favelados nas medias e grandes.
Todos igualmente deserdados da sorte.
Certo estava o sitiante de Bela Vista do Paraíso:
- Seu moço, não tem nada mais triste que um cafezal geado.
Ernesto Carvalho, radialista
Geada negra
Ernesto Carvalho
- Seu moço, não tem nada mais triste que um cafezal geado.
A primeira vez que ouvi essa lamúria foi num sítio em Bela Vista do Paraíso, perto de Londrina, no dia 20 de julho de 1975. Três dias antes nevara em Curitiba, a primeira vez desde 1928. Coisa mais linda! Nem tanto a neve, mas a reação das pessoas.
Os sizudos curitibanos fizeram da cidade um enorme playground, eles todos se tornaram crianças, com sorrisos e festas que carnaval algum jamais conseguiu arrancar.
Certo estava o jornal que mancheteou na primeira página: "Neve aquece Curitiba". Mas enquanto os curitibanos iam dormir nessa noite de alma aquecida, no Norte do Estado começava a formar-se sobre as plantações a maior geada de nossa história recente.
Qual o agricultor que conseguiu dormir nessa noite?
Têm muitas formas de prever de véspera uma geada, ensina o pequeno sitiante de Bela Vista de Paraíso. Céu limpo, estrelado, em noite fria, é geada quase certa. Céu limpo, estrelado, noite fria e focinho de burro molhado, é geada certíssima.
Na noite de 17 para 18 de julho de 1975 teve tudo isso.
Muitos cafeicul-tores tentaram minimizar o estrago certo fazendo fogueiras com pneus velhos no meio do cafezal. O calor e a fumaça evitavam a formação do gelo.
Mas nem que queimassem todos os pneus do mundo, dessa vez não tinha jeito. O ar era tão frio, que congelou a seiva nos caules das plantas, a terra ficou tão fria, que congelou as raízes. É a geada negra, a pior.
- Seu moço, não tem nada mais triste que um cafezal geado! -dizia o sitiante Theodoro França, sentado num velho tronco de peroba à frente do cafezal, o olhar triste e perdido.
Dois dias depois de uma grande geada o cafezal não é triste pelo que se vê, mas na antevisão do que virá. Dois dias depois de geado, o cafezal mantém sua mesma coloração verde escuro, as árvores continuam frondosas, como se tudo estivesse normal.
Mas são plantas mortas.
Mais alguns dias e as folhas adquirem a cor marrom escuro, depois começam a cair, e restam os arbustos, pelados a planta toda seca, sem vida.
Milhões de pés de café secaram dessa forma em 1975. Salvaram-se apenas as plantações localizadas nos maiores baixios, onde a geada não se forma e os ventos gelados não sopram.
Sem vida, os cafezais precisaram ser arrancados, mas em seu lugar nem todos os agricultores voltaram a plantar novos pés de café. Muitos preferiram a soja, ou o milho.
Houve até quem plantasse cana-de-açúcar e pastagem.
Sacrilégio! Cana e pasto numa das terras mais férteis do mundo.
O resultado se vê até hoje nas estatísticas de produção e na paisagem rural e urbana de todo o Paraná. O Estado perdeu, para nunca mais recuperar a posição de maior produtor nacional de café. Pior, da noite para o dia centenas de milhares de trabalhadores rurais perderam o emprego. A cafeicultura é das lides do campo que exige mais mão-de-obra, ao contrário da soja ou da pecuária.
Os despejados do campo transformaram-se parte em "bóias-frias" nas pequenas cidades, parte em favelados nas medias e grandes.
Todos igualmente deserdados da sorte.
Certo estava o sitiante de Bela Vista do Paraíso:
- Seu moço, não tem nada mais triste que um cafezal geado.
Ernesto Carvalho, radialista
terça-feira, 17 de maio de 2016
Histórias do Paraná - A pedra fundamental
Histórias do Paraná - A pedra fundamental
A pedra fundamental
José Carlos Calvo
Lembram daquela propaganda na TV, de umas pastilhas para a garganta que eram a solução no caso do
"bichinho do rumrum pegar você"? As tais pastilhas não deviam existir no final dos anos 50, daí que
o engenheiro Cássio Bittencourt de Macedo, tempos depois presidente do Instituto de Engenharia do
Paraná, vivia acometido pelo irritante e perturbador pigarro, e que se deu o "causo" que eu vou aqui narrar,
contado a mim pelo próprio Cássio alguns anos atrás.
Lá por 1958, Cássio era Secretário de Viação e Obras Públicas no governo do Sr. Moysés Lupion. Já havia decorrido boa parte do período governamental, muitas obras já estavam concluídas e entregues, mas o governador, embalado pelo entusiasmo, queria mais! Quando faltavam poucos meses para o término do seu mandato, Lupion marcou o lançamento da pedra fundamental de mais uma realização.
Não lembro, agora, se era um colégio ou um hospital.
Tratava-se, em todo caso, de obra de grande porte.
Seria edificada em Londrina,
cidade que despontava para um grande futuro, o que se comprovou com o correr do tempo.
No dia aprazado, todos estavam ao redor da cerimônia, postados conforme mandava o melhor figurino da época.
Eram muitas pessoas, gente representativa e importante de Londrina e região, algumas autoridades estaduais, escolares, etc.
Como de praxe nessas ocasiões, não faltaram os discursos pronunciados em tom grandiloqüente, seguidos das inexoráveis palmas, palmas e mais palmas.
Próximo ao Cássio estava o bispo Dom Geraldo Fernandes, homem de temperamento circunspecto e de grande prestígio pelo valor pessoal. O governador Lupion discursava enaltecendo a própria gestão que fazia e, no entusiasmo do momento, o que sempre dá um empurrão a mais na eloqüência dos políticos, arrematou o discurso com a temática promessa:
- Embora o pouco prazo para o encerramento de nossa gestão, enfrentaremos mais este desafio com energia e concluiremos mais esta obra.
Queremos entregá-la a esta laboriosa comunidade, antes do final do nosso governo, vencendo esta corrida contra o tempo.
Nesse preciso instante, o "bichinho do rumrum" pegou o Cássio, acometido do inoportuno pigar-ro. E não deu outra: ao seu lado, o Bispo Dom Geraldo, sem saber a verdadeira origem daquele pigarro, aproximou-se um pouco mais dele, fitou-o com um tão breve quanto brejeiro olhar e, num sussurro "entre dentes", com umas das mãos em curva sobre a boca, como quem protegia a confidência, lhe falou:
- Sinceramente, Dr. Cássio... eu TAMBÉM não acredito nessa promessa!
João Carlos Calvo, engenheiro civil
A pedra fundamental
José Carlos Calvo
Lembram daquela propaganda na TV, de umas pastilhas para a garganta que eram a solução no caso do
"bichinho do rumrum pegar você"? As tais pastilhas não deviam existir no final dos anos 50, daí que
o engenheiro Cássio Bittencourt de Macedo, tempos depois presidente do Instituto de Engenharia do
Paraná, vivia acometido pelo irritante e perturbador pigarro, e que se deu o "causo" que eu vou aqui narrar,
contado a mim pelo próprio Cássio alguns anos atrás.
Lá por 1958, Cássio era Secretário de Viação e Obras Públicas no governo do Sr. Moysés Lupion. Já havia decorrido boa parte do período governamental, muitas obras já estavam concluídas e entregues, mas o governador, embalado pelo entusiasmo, queria mais! Quando faltavam poucos meses para o término do seu mandato, Lupion marcou o lançamento da pedra fundamental de mais uma realização.
Não lembro, agora, se era um colégio ou um hospital.
Tratava-se, em todo caso, de obra de grande porte.
Seria edificada em Londrina,
cidade que despontava para um grande futuro, o que se comprovou com o correr do tempo.
No dia aprazado, todos estavam ao redor da cerimônia, postados conforme mandava o melhor figurino da época.
Eram muitas pessoas, gente representativa e importante de Londrina e região, algumas autoridades estaduais, escolares, etc.
Como de praxe nessas ocasiões, não faltaram os discursos pronunciados em tom grandiloqüente, seguidos das inexoráveis palmas, palmas e mais palmas.
Próximo ao Cássio estava o bispo Dom Geraldo Fernandes, homem de temperamento circunspecto e de grande prestígio pelo valor pessoal. O governador Lupion discursava enaltecendo a própria gestão que fazia e, no entusiasmo do momento, o que sempre dá um empurrão a mais na eloqüência dos políticos, arrematou o discurso com a temática promessa:
- Embora o pouco prazo para o encerramento de nossa gestão, enfrentaremos mais este desafio com energia e concluiremos mais esta obra.
Queremos entregá-la a esta laboriosa comunidade, antes do final do nosso governo, vencendo esta corrida contra o tempo.
Nesse preciso instante, o "bichinho do rumrum" pegou o Cássio, acometido do inoportuno pigar-ro. E não deu outra: ao seu lado, o Bispo Dom Geraldo, sem saber a verdadeira origem daquele pigarro, aproximou-se um pouco mais dele, fitou-o com um tão breve quanto brejeiro olhar e, num sussurro "entre dentes", com umas das mãos em curva sobre a boca, como quem protegia a confidência, lhe falou:
- Sinceramente, Dr. Cássio... eu TAMBÉM não acredito nessa promessa!
João Carlos Calvo, engenheiro civil
segunda-feira, 16 de maio de 2016
Histórias do Paraná - A viuvinha do Crespim
Histórias do Paraná - A viuvinha do Crespim
A viuvinha do Crespim
Dirceu Marés de Souza
Nos tempos em que ainda se plantava erva doce no reino dos canteiros de couve — em 1841 - existia na então vila de Campo Largo uma chácara caprichosamente cuidada.
Era de propriedade de um jovem casal, Crespim e Djanira, que mantinha em sua herdade vários escravos, entre eles duas pretas muito afeiçoadas a seus amos.
Tudo naquele sítio funcionava no mais rigoroso estilo patriarcal.
Um ambiente de respeito e dignidade que impressionava seus vizinhos e especialmente seus escravos. O simpático casal deixava transparecer uma vida em eterna lua de mel.
Mas um dia, o Urutago piou mais forte e arrastou suas asas agourentas no telheiro... Crespim ficou muito doente.
Uma grave moléstia o levou ao túmulo em poucos dias.
Uma tristeza...Os vizinhos foram consolar a Viúva.
Moça rica e bonita, não deveria desanimar...Esqueceria um dia. Talvez um dia...
Para suportar as angústias da ausência do marido morto, a jovem Viuvinha chamou um abalisado mestre de marceneiro
e pediu a ele que esculpisse a figura de Crespim em madeira. O artista trabalhou para obter a melhor semelhança possível.
Depois de tudo memoriado nos seus mínimos detalhes, entregou a obra concluída.
Vestiram o Crespim de pau com as roupas do defunto. A Viúva e as mucamas transformaram aquele momento num respeitoso cerimonial...
As pretas disseram boa noite para o sinhô... E o Crespim foi levado para o quarto de dormir, porque já era noite.
Durante o dia vinha o Crespim para os lugares onde o pessoal se reunia e se movimentava.
Quando as mucamas varriam a casa pediam licença:
- Com licença, Sinhô, queremos varrer... e arredavam o boneco.
Vez por outra, vinha a Viúva:
- Crespim, os cobres estão curtos, vamos vender umas vaquinhas?
O Crespim, como sempre, continuava impassível, mudo como um todo.
- Já sei! Você sempre foi assim... quando não fala está concordando.
Lá se ia mais uma vaca, ou duas, para o açougueiro.
Aconteceu que o açougueiro, viúvo e desimpedido também, arrastou as asas para o lado da Viuvinha e esta resolveu
abanar-lhe um lenço verde.
Passaram-se poucos dias e a Viúva noticiou às mucamas que iria contratar casamento com o açougueiro.
Foi um susto nas duas:
- Credo-em-cruz! E o sinhô Crespim?...
A Viúva ria:
- Suas bobas...
No dia do contrato de núpcias, a Viúva, eufórica, feliz com a idéia do novo casamento, recomendava às escravas que tivessem muito respeito com o noivo que viria visitá-la.
Elas resmungavam se persignando.
Em um dia, em meio à ansiedade da Viúva e à oposição das mucamas, o açougueiro chegou todo bornido...
A Viúva o recebeu com exageradas mesuras, fazendo-o sentar-se em uma cadeira da sala, enquanto no interior da casa
ouvia-se a corrimaça das mucamas a arrastarem os chinelos de um lado para outro, entre resmungos imperceptíveis...
A ama chamou-as:
- Vocês duas! Façam um café bem quente, bem forte, bem bom e tragam aqui na sala... para nós...
As mucamas responderam em tom de deboche:
- Não dá para fazer café, Sinhá, não tem lenha!...
A Viúva com raiva respondeu: Então queimem o Crespim!...deve estar bem seco...
As mucamas foram ao quarto de dormir e agarraram o boneco Crespim, o arrastaram para fora, meteram-lhe o machado e dentro de pouco tempo serviram o café — bem quente e bem forte.
(Até hoje ainda se fala em Campo Largo quando morre o marido e deixa viúva nova:
- "...Essa logo manda queimar o Crespim!..."
Dirceu Marés de Souza, historiador
A viuvinha do Crespim
Dirceu Marés de Souza
Nos tempos em que ainda se plantava erva doce no reino dos canteiros de couve — em 1841 - existia na então vila de Campo Largo uma chácara caprichosamente cuidada.
Era de propriedade de um jovem casal, Crespim e Djanira, que mantinha em sua herdade vários escravos, entre eles duas pretas muito afeiçoadas a seus amos.
Tudo naquele sítio funcionava no mais rigoroso estilo patriarcal.
Um ambiente de respeito e dignidade que impressionava seus vizinhos e especialmente seus escravos. O simpático casal deixava transparecer uma vida em eterna lua de mel.
Mas um dia, o Urutago piou mais forte e arrastou suas asas agourentas no telheiro... Crespim ficou muito doente.
Uma grave moléstia o levou ao túmulo em poucos dias.
Uma tristeza...Os vizinhos foram consolar a Viúva.
Moça rica e bonita, não deveria desanimar...Esqueceria um dia. Talvez um dia...
Para suportar as angústias da ausência do marido morto, a jovem Viuvinha chamou um abalisado mestre de marceneiro
e pediu a ele que esculpisse a figura de Crespim em madeira. O artista trabalhou para obter a melhor semelhança possível.
Depois de tudo memoriado nos seus mínimos detalhes, entregou a obra concluída.
Vestiram o Crespim de pau com as roupas do defunto. A Viúva e as mucamas transformaram aquele momento num respeitoso cerimonial...
As pretas disseram boa noite para o sinhô... E o Crespim foi levado para o quarto de dormir, porque já era noite.
Durante o dia vinha o Crespim para os lugares onde o pessoal se reunia e se movimentava.
Quando as mucamas varriam a casa pediam licença:
- Com licença, Sinhô, queremos varrer... e arredavam o boneco.
Vez por outra, vinha a Viúva:
- Crespim, os cobres estão curtos, vamos vender umas vaquinhas?
O Crespim, como sempre, continuava impassível, mudo como um todo.
- Já sei! Você sempre foi assim... quando não fala está concordando.
Lá se ia mais uma vaca, ou duas, para o açougueiro.
Aconteceu que o açougueiro, viúvo e desimpedido também, arrastou as asas para o lado da Viuvinha e esta resolveu
abanar-lhe um lenço verde.
Passaram-se poucos dias e a Viúva noticiou às mucamas que iria contratar casamento com o açougueiro.
Foi um susto nas duas:
- Credo-em-cruz! E o sinhô Crespim?...
A Viúva ria:
- Suas bobas...
No dia do contrato de núpcias, a Viúva, eufórica, feliz com a idéia do novo casamento, recomendava às escravas que tivessem muito respeito com o noivo que viria visitá-la.
Elas resmungavam se persignando.
Em um dia, em meio à ansiedade da Viúva e à oposição das mucamas, o açougueiro chegou todo bornido...
A Viúva o recebeu com exageradas mesuras, fazendo-o sentar-se em uma cadeira da sala, enquanto no interior da casa
ouvia-se a corrimaça das mucamas a arrastarem os chinelos de um lado para outro, entre resmungos imperceptíveis...
A ama chamou-as:
- Vocês duas! Façam um café bem quente, bem forte, bem bom e tragam aqui na sala... para nós...
As mucamas responderam em tom de deboche:
- Não dá para fazer café, Sinhá, não tem lenha!...
A Viúva com raiva respondeu: Então queimem o Crespim!...deve estar bem seco...
As mucamas foram ao quarto de dormir e agarraram o boneco Crespim, o arrastaram para fora, meteram-lhe o machado e dentro de pouco tempo serviram o café — bem quente e bem forte.
(Até hoje ainda se fala em Campo Largo quando morre o marido e deixa viúva nova:
- "...Essa logo manda queimar o Crespim!..."
Dirceu Marés de Souza, historiador
domingo, 15 de maio de 2016
Histórias do Paraná - Usina de apelidos (3)
Histórias do Paraná - Usina de apelidos (3)
Usina de apelidos (3)
Luiz Geraldo Mazza
Em Paranaguá seria perfeitamente possível, pelo menos alguns anos atrás, imaginar-se uma lista telefônica somente com apelidos. E que hoje, com as mudanças culturais operadas, já não há, como antes, aquela rapidez de corisco no caricaturar as pessoas.
Um baixinho reclamador, bom de bola, numa pelada, só se desmancha no momento em que um atacante do seu time reclama: "solta a bola, meia Brahma!"
Lembro de um jogo de basquete em que o defensor Elias da seleção de Ponta Grossa, - ágil e felino nos rebotes, de um negro quase azulado, - não agüentou e até perdeu o domínio da bola quando o apelidaram de "chicletes de onça".
Em 1950, irritado com a passividade (assim eu os enxergava) do pessoal mais jovem, que não dava a mínima pela campanha que eu deflagrara pelo "Diário do Comércio" em defesa do ensino superior na cidade, criticava o envolvimento de todos na decepção havida no Maracanã com a seleção brasileira que perdera do Uruguai.
Certa manhã, embaixo da ta-mareira (a única, que eu saiba), na praça Fernando Amaro, estava numa discussão sobre o assunto, acreditando que com a derrota do Brasil talvez o pessoal despressurizasse e voltasse à realidade. E estava, passionalmente, nesse tom, quando
o Chiquito Louco notou que minha calça de brim tinha linhas verticais sucessivas, e tascou: "lá vem você com essa calça de caderno de linguagem!"
Uma passagem interessante foi a do fotógrafo Sérgio Matulevicius com aquela carantonha de imigrantes, encarregado de fazer a cobertura do quebra-quebra na cidade por causa da falta de energia. Sérgio viajou com as pernas encolhidas no toco duro do trem de segunda classe e, absorto pela paisagem da serra, não percebeu que suas pernas ficaram dormentes por falta de circulação.
Ao chegar à cidade, para reativar a circulação, batia ritmadamente com os pés no chão e, com a "Roleiflex" a tira colo, passou, com aquela sua expressão aturdida, a pedir informações sobre o quebra-quebra.
Quando chegou na segunda rodinha já estava carimbado: era o robô curioso
Luiz Geraldo Mazza, parnaguara, jornalista
Usina de apelidos (3)
Luiz Geraldo Mazza
Em Paranaguá seria perfeitamente possível, pelo menos alguns anos atrás, imaginar-se uma lista telefônica somente com apelidos. E que hoje, com as mudanças culturais operadas, já não há, como antes, aquela rapidez de corisco no caricaturar as pessoas.
Um baixinho reclamador, bom de bola, numa pelada, só se desmancha no momento em que um atacante do seu time reclama: "solta a bola, meia Brahma!"
Lembro de um jogo de basquete em que o defensor Elias da seleção de Ponta Grossa, - ágil e felino nos rebotes, de um negro quase azulado, - não agüentou e até perdeu o domínio da bola quando o apelidaram de "chicletes de onça".
Em 1950, irritado com a passividade (assim eu os enxergava) do pessoal mais jovem, que não dava a mínima pela campanha que eu deflagrara pelo "Diário do Comércio" em defesa do ensino superior na cidade, criticava o envolvimento de todos na decepção havida no Maracanã com a seleção brasileira que perdera do Uruguai.
Certa manhã, embaixo da ta-mareira (a única, que eu saiba), na praça Fernando Amaro, estava numa discussão sobre o assunto, acreditando que com a derrota do Brasil talvez o pessoal despressurizasse e voltasse à realidade. E estava, passionalmente, nesse tom, quando
o Chiquito Louco notou que minha calça de brim tinha linhas verticais sucessivas, e tascou: "lá vem você com essa calça de caderno de linguagem!"
Uma passagem interessante foi a do fotógrafo Sérgio Matulevicius com aquela carantonha de imigrantes, encarregado de fazer a cobertura do quebra-quebra na cidade por causa da falta de energia. Sérgio viajou com as pernas encolhidas no toco duro do trem de segunda classe e, absorto pela paisagem da serra, não percebeu que suas pernas ficaram dormentes por falta de circulação.
Ao chegar à cidade, para reativar a circulação, batia ritmadamente com os pés no chão e, com a "Roleiflex" a tira colo, passou, com aquela sua expressão aturdida, a pedir informações sobre o quebra-quebra.
Quando chegou na segunda rodinha já estava carimbado: era o robô curioso
Luiz Geraldo Mazza, parnaguara, jornalista
sábado, 14 de maio de 2016
Histórias do Paraná - Londrina e a traça
Histórias do Paraná - Londrina e a traça
Londrina e a traça
Olympio Luiz Westphalen
Houve uma noite, nos primórdios da fundação de Londrina, início da década de 30, em que o pequeno povoado não dormiu, apesar de pesadamente silencioso e deserto.
Na realidade - segundo relato de Eugênio Victor Larinoff, russo branco que era funcionário da companhia de Terras do Norte do Paraná
- na realidade, dizíamos, a paz aparente mal escondia a tensão que homens e mulheres viviam naquele instante na maioria das casas.
Há dias que corria o boato de um grupo de jagunços fortemente armados, pronto para invadir o pequeno povoado e com ordens de expulsar todo mundo dali a qualquer preço, a bala inclusive se preciso fosse. À jagunçada estaria a mando de um cidadão que reclamava a posse das terras de Londrina e outras adjacentes. O cidadão dizia possuir documentos, escrituras daquelas terras, e de mais a mais não estava para muita conversa.
Havia perplexidade entre os ingleses e seus funcionários, boa parte destes alojados na Casa Sete, entre eles Eugênio Larionoff, pois todos conheciam o magnífico trabalho de advocacia executado por Antônio Moraes de Barros, que assegurou ao grupo inglês, liderado por Lord Lovat, o direito líquido e inquestionável sobre as terras devolutas adquiridas do Governo do Paraná.
Mas, entre o mando da razão e o da força... Na véspera da referida noite foi confirmada a presença dos jagunços nas estradas das matas próximas ao pequeno povoado de Londrina.
Os funcionários da colo-nizadora, por sua vez, também trataram de reforçar a segurança, colocando homens armados com cara-binas em toda a volta da casa da administração inglesa e em diversos pontos estratégicos nas estradas do povoado. A tensão podia-se sentir no ar. O confronto com os jagunços, tinham certeza, era inevitável e aconteceria aquela noite.
Mas passou a noite, a madrugada, a noite e a madrugada seguinte, e muitas outras, e nada aconteceu. A jagunçada simplesmente sumiu.
Somente mais tarde ficou-se sabendo pçrque o assalto não foi efetuado. E uma história bizarra, porém verdadeira.
O indivíduo que se dizia dono das terras, havia aparecido tempos antes no escritório da Companhia de Terras, em São Paulo, exibindo uma aparentemente genuína escritura que provaria ser ele o dono legítimo de toda a área ocupada pelo Patrimônio de Londrina.
Exigia a retirada imediata dos ingleses e estipulava um prazo, após o qual expulsá-los-ia à força - a propósito, já mandara seus jagunços para a região.
A Diretoria da Companhia, julgando ser este reivindicador um estelionatário, entregou o caso a um advogado criminalista.
Este examinou a escritura apresentada, a qual lhe pareceu aparentemente fiel.
Examinou então o livro de registro no cartório onde fora lavrada a escritura do pretenso proprietário, e a trama lhe saltou fácil aos olhos.
E que todas as folhas do livro de registro tinham o mesmo furinho aberto por uma broca, ou traça, em linha vertical com exceção
- é claro! Da folha que continha a transcrição daquela escritura.
Como traças de livros nunca fazem curvaturas em seus caminhos, o advogado deduziu facilmente que a folha autêntica fora removida e uma outra, logicamente falsa, habilmente inserida em seu lugar.
Foi assim que uma modesta traça de livro salvou Londrina, permitindo que prosseguisse no seu caminho, tomando-se na realidade de nossos dias.
Pelos menos, é assim que pioneiros como Victor Larionoff contam essa história.
Olympio Luiz Westphalen, professor universitário em Londrina
Londrina e a traça
Olympio Luiz Westphalen
Houve uma noite, nos primórdios da fundação de Londrina, início da década de 30, em que o pequeno povoado não dormiu, apesar de pesadamente silencioso e deserto.
Na realidade - segundo relato de Eugênio Victor Larinoff, russo branco que era funcionário da companhia de Terras do Norte do Paraná
- na realidade, dizíamos, a paz aparente mal escondia a tensão que homens e mulheres viviam naquele instante na maioria das casas.
Há dias que corria o boato de um grupo de jagunços fortemente armados, pronto para invadir o pequeno povoado e com ordens de expulsar todo mundo dali a qualquer preço, a bala inclusive se preciso fosse. À jagunçada estaria a mando de um cidadão que reclamava a posse das terras de Londrina e outras adjacentes. O cidadão dizia possuir documentos, escrituras daquelas terras, e de mais a mais não estava para muita conversa.
Havia perplexidade entre os ingleses e seus funcionários, boa parte destes alojados na Casa Sete, entre eles Eugênio Larionoff, pois todos conheciam o magnífico trabalho de advocacia executado por Antônio Moraes de Barros, que assegurou ao grupo inglês, liderado por Lord Lovat, o direito líquido e inquestionável sobre as terras devolutas adquiridas do Governo do Paraná.
Mas, entre o mando da razão e o da força... Na véspera da referida noite foi confirmada a presença dos jagunços nas estradas das matas próximas ao pequeno povoado de Londrina.
Os funcionários da colo-nizadora, por sua vez, também trataram de reforçar a segurança, colocando homens armados com cara-binas em toda a volta da casa da administração inglesa e em diversos pontos estratégicos nas estradas do povoado. A tensão podia-se sentir no ar. O confronto com os jagunços, tinham certeza, era inevitável e aconteceria aquela noite.
Mas passou a noite, a madrugada, a noite e a madrugada seguinte, e muitas outras, e nada aconteceu. A jagunçada simplesmente sumiu.
Somente mais tarde ficou-se sabendo pçrque o assalto não foi efetuado. E uma história bizarra, porém verdadeira.
O indivíduo que se dizia dono das terras, havia aparecido tempos antes no escritório da Companhia de Terras, em São Paulo, exibindo uma aparentemente genuína escritura que provaria ser ele o dono legítimo de toda a área ocupada pelo Patrimônio de Londrina.
Exigia a retirada imediata dos ingleses e estipulava um prazo, após o qual expulsá-los-ia à força - a propósito, já mandara seus jagunços para a região.
A Diretoria da Companhia, julgando ser este reivindicador um estelionatário, entregou o caso a um advogado criminalista.
Este examinou a escritura apresentada, a qual lhe pareceu aparentemente fiel.
Examinou então o livro de registro no cartório onde fora lavrada a escritura do pretenso proprietário, e a trama lhe saltou fácil aos olhos.
E que todas as folhas do livro de registro tinham o mesmo furinho aberto por uma broca, ou traça, em linha vertical com exceção
- é claro! Da folha que continha a transcrição daquela escritura.
Como traças de livros nunca fazem curvaturas em seus caminhos, o advogado deduziu facilmente que a folha autêntica fora removida e uma outra, logicamente falsa, habilmente inserida em seu lugar.
Foi assim que uma modesta traça de livro salvou Londrina, permitindo que prosseguisse no seu caminho, tomando-se na realidade de nossos dias.
Pelos menos, é assim que pioneiros como Victor Larionoff contam essa história.
Olympio Luiz Westphalen, professor universitário em Londrina
sexta-feira, 13 de maio de 2016
Histórias do Paraná - Como plantar uma cidade
Histórias do Paraná - Como plantar uma cidade
Como plantar uma cidade
Marcelo Oikawa
Tomotada Ikeda zarpou do porto de Kobe no Japão com 19 anos. Já na viagem percebeu que as coisas não iam ser fáceis.
Tinha que fazer a limpeza da terceira classe, arrumar tempo para estudar a língua portuguesa e dar um jeito de se
acostumar com as esquisitas roupas ocidentais: chapéu, camisa, calça.
Mas tudo valeria a pena se conseguisse enriquecer logo e voltar para casa.
Desembarcou em Santos no mês de junho de 1927 e pensou que os fogos das festas juninas estavam saudando a chegada dos imigrantes.
Foi cumprir um contrato de um ano e meio como colono de café em Ribeirão Preto. Lá, o patrão era chamado de rei e nunca respondia a cumprimentos.
Chegava em carro preto com motorista, nunca olhava para os lados.
Depois mudou-se para
Lins, onde descobriu que na dura vida do colonato nunca se economiza o suficiente para comprar terras e sempre se está devendo para o pa-Irão.
Também aprendeu que acampando em beira de rio pega-se maleita.
Teve sorte, porque sobreviveu.
Anos depois, juntando todas as economias, comprou 30 alqueires em lkistos.
Mais tarde descobriu que a lerra não era boa e perdeu todo o dinheiro.
O ano era de 1931. Estava quase desistindo de tudo, quando ouviu falar que uma colonizadora possuía 18 mil alqueires num lugar do Paraná, onde ninguém tinha botado os pés.
Tomotada achou que sua última chance estava ali.
Decidiu viver uma nova aventura.
Na primeira tentativa de chegar até o lugar, parou perto de Itajaí, e teve que voltar por causa da Revolução de 32. Perdeu um revólver calibre 38, confiscado. Não desistiu, e meses depois voltou para tomar posse de 32 alqueires.
Viajou de trem, que no final de dois dias parou no meio do mato.
Avisaram que era Jatai.
Em seguida, viajou por mais duas horas como único passageiro da colonizadora.
Foi deixado no meio de um mato fechado.
Estavam ali seus 32 alqueires. Não desanimou porque pelo cheiro que a terra tinha, era da boa.
Tinha 24 anos quando começou a desmatar sua área.
Sozinho.
Com a amarga experiência da maleita, evitou a beira do rio e escolheu o alto de um espigão para morar.
Construiu uma choça com troncos e folhas de palmito.
Trabalhou seis meses com uma carabina e um 38 na bagagem.
Desmatou cinco alqueires.
Plantou cinco mil pés de café. No terceiro ano colheu sua primeira safra: 500 sacos. O ano era de 1935.
Não sabia, mas estava começando ali uma cidade.
Tomotada fundou Assaí e foi um dos líderes agrícolas que na década de 60 conquistaram o preço mínimo do algodao.
Se estiver vivo, está com 86 anos.
Marcelo Oikawa, londrinense é jornalista
Como plantar uma cidade
Marcelo Oikawa
Tomotada Ikeda zarpou do porto de Kobe no Japão com 19 anos. Já na viagem percebeu que as coisas não iam ser fáceis.
Tinha que fazer a limpeza da terceira classe, arrumar tempo para estudar a língua portuguesa e dar um jeito de se
acostumar com as esquisitas roupas ocidentais: chapéu, camisa, calça.
Mas tudo valeria a pena se conseguisse enriquecer logo e voltar para casa.
Desembarcou em Santos no mês de junho de 1927 e pensou que os fogos das festas juninas estavam saudando a chegada dos imigrantes.
Foi cumprir um contrato de um ano e meio como colono de café em Ribeirão Preto. Lá, o patrão era chamado de rei e nunca respondia a cumprimentos.
Chegava em carro preto com motorista, nunca olhava para os lados.
Depois mudou-se para
Lins, onde descobriu que na dura vida do colonato nunca se economiza o suficiente para comprar terras e sempre se está devendo para o pa-Irão.
Também aprendeu que acampando em beira de rio pega-se maleita.
Teve sorte, porque sobreviveu.
Anos depois, juntando todas as economias, comprou 30 alqueires em lkistos.
Mais tarde descobriu que a lerra não era boa e perdeu todo o dinheiro.
O ano era de 1931. Estava quase desistindo de tudo, quando ouviu falar que uma colonizadora possuía 18 mil alqueires num lugar do Paraná, onde ninguém tinha botado os pés.
Tomotada achou que sua última chance estava ali.
Decidiu viver uma nova aventura.
Na primeira tentativa de chegar até o lugar, parou perto de Itajaí, e teve que voltar por causa da Revolução de 32. Perdeu um revólver calibre 38, confiscado. Não desistiu, e meses depois voltou para tomar posse de 32 alqueires.
Viajou de trem, que no final de dois dias parou no meio do mato.
Avisaram que era Jatai.
Em seguida, viajou por mais duas horas como único passageiro da colonizadora.
Foi deixado no meio de um mato fechado.
Estavam ali seus 32 alqueires. Não desanimou porque pelo cheiro que a terra tinha, era da boa.
Tinha 24 anos quando começou a desmatar sua área.
Sozinho.
Com a amarga experiência da maleita, evitou a beira do rio e escolheu o alto de um espigão para morar.
Construiu uma choça com troncos e folhas de palmito.
Trabalhou seis meses com uma carabina e um 38 na bagagem.
Desmatou cinco alqueires.
Plantou cinco mil pés de café. No terceiro ano colheu sua primeira safra: 500 sacos. O ano era de 1935.
Não sabia, mas estava começando ali uma cidade.
Tomotada fundou Assaí e foi um dos líderes agrícolas que na década de 60 conquistaram o preço mínimo do algodao.
Se estiver vivo, está com 86 anos.
Marcelo Oikawa, londrinense é jornalista
quinta-feira, 12 de maio de 2016
Histórias do Paraná - Getúlio e a advogada
Histórias do Paraná - Getúlio e a advogada
Getúlio e a advogada
Josué Corrêa Fernandes
Nos estertores do Governo comandado por Washington Luís (1927-1930), muitas atrocidades foram cometidas com o intuito de conter o avanço da Aliança Liberal, chefiada por Getúlio Vargas.
Prudentópolis, a essa época vivendo ainda os últimos resquícios do período áureo da erva-mate, assistia também à acirrada disputa entre o Partido Republicano Paranaense, chefiado pelo então prefeito Dr. João Fleury da Rocha, e as hostes getulistas, que tinham no casal de jovens e talentosos advogados Sagy Naked e Walkyria Moreira da Silva Naked seus principais líderes.
Dra. Walkyria, poliglota, filha do paulista Antônio Moreira da Silva, republicano de primeira hora e signatário da Constituição Federal de 1891, embora residisse em Prudentópolis, guardava fortes laços com São Paulo, onde ocupou a presidência da "Liga Paulista pelo Progresso Feminino" e da "Aliança Paulista pelo Sufrágio Feminino", fazendo parte também do "Triunvirato Brasileiro das Mulheres Ilustradas" e da "Liga Universal pelo Progresso Feminino Americano e Europeu". Era, pois, inquestionavelmente, uma mulher à frente de seu tempo.
Quando já começava a desmoronar a chamada República Velha, importou-se do Rio de Janeiro um tal de Pedro Pierre, que se intitulava "detetive" e que viera a Prudentópolis, assumindo a Delegacia de Polícia, para "pôr ordem nas coisas". Seu primeiro alvo foi o casal de bacharéis que, na casa dos trinta anos, promovia reuniões públicas e dardejava discursos inflamados, sendo seguido e aplaudido pela maioria dos jovens da pequena cidade.
Numa oportunidade, porém, que Sagy Naked se ausentara da cidade, vindo a Curitiba, o alcagüete, dando mostras de sua autoridade, prendeu a Dra. Walkyria, deixando-a incomunicável.
Alertado via telégrafo, Sagy arrumou um automóvel e retornou a Prudentópolis, chegando quase um dia depois, mas dirigindo-se de imediato à Delegacia de Polícia.
Ali, após violenta discussão, Sagy resolveu libertar a esposa por seus próprios meios, pegando-a pelas mãos e procurando a saída, ocasião em que Pedro Pierre, secundado pelo cabo Amâncio e outros po-liciais, disparou suas armas, sem qualquer piedade.
Morto covardemente Sagy e ferida sua esposa, o corpo do primeiro ficou ainda por algumas horas defronte à Delegacia, debaixo de forte chuva, até que alguns aüancistas, vencendo o medo, viessem até o local e o carregassem para velar.
Poucas semanas depois, derrubado Washington Luís, assumia um Governo Provisório.
Getúlio, o líder máximo, encontrava-se já em Ponta Grossa, aguardando o momento de tomar as rédeas do poder.
Foi nessa ocasião, segundo testemunha o pontagrossense César Ribas da Silva, em depoimento sobre a Revolução de 30, que Getúlio Vargas, presente o depoente, o então Cel.
Plínio Tourinho e outras pessoas, voltou-se para a jovem e branda seguidora, que ainda amargava a morte brutal do marido dizendo-lhe:
- Dra. Walkyria, a Inter-ventoria do Paraná é sua.
Está em suas mãos.
Como resposta, Walkyria declinou do convite, mas pediu a Getúlio que fosse nomeada Promotora Pública para punir os que assassinaram Sagy. O caudilho dos pampas, ouvindo aquilo, teria respondido:
- Considere-se empossada!
E, na seqüência, dirigindo-se
a Plínio mandou que este avisasse seu irmão Mário Tourinho, da reserva do Exército, para que o mesmo assumisse o cargo de interventor.
A advogada e líder feminista que poderia ter mudado o rumo da história do Paraná, como chefe do Governo Estadual, tornou-se, no entanto, uma das primeiras Promotoras de Justiça do país.
Josué Correa Fernandes, ex-prefeito de Prudentópolis é Juiz aposentado
Getúlio e a advogada
Josué Corrêa Fernandes
Nos estertores do Governo comandado por Washington Luís (1927-1930), muitas atrocidades foram cometidas com o intuito de conter o avanço da Aliança Liberal, chefiada por Getúlio Vargas.
Prudentópolis, a essa época vivendo ainda os últimos resquícios do período áureo da erva-mate, assistia também à acirrada disputa entre o Partido Republicano Paranaense, chefiado pelo então prefeito Dr. João Fleury da Rocha, e as hostes getulistas, que tinham no casal de jovens e talentosos advogados Sagy Naked e Walkyria Moreira da Silva Naked seus principais líderes.
Dra. Walkyria, poliglota, filha do paulista Antônio Moreira da Silva, republicano de primeira hora e signatário da Constituição Federal de 1891, embora residisse em Prudentópolis, guardava fortes laços com São Paulo, onde ocupou a presidência da "Liga Paulista pelo Progresso Feminino" e da "Aliança Paulista pelo Sufrágio Feminino", fazendo parte também do "Triunvirato Brasileiro das Mulheres Ilustradas" e da "Liga Universal pelo Progresso Feminino Americano e Europeu". Era, pois, inquestionavelmente, uma mulher à frente de seu tempo.
Quando já começava a desmoronar a chamada República Velha, importou-se do Rio de Janeiro um tal de Pedro Pierre, que se intitulava "detetive" e que viera a Prudentópolis, assumindo a Delegacia de Polícia, para "pôr ordem nas coisas". Seu primeiro alvo foi o casal de bacharéis que, na casa dos trinta anos, promovia reuniões públicas e dardejava discursos inflamados, sendo seguido e aplaudido pela maioria dos jovens da pequena cidade.
Numa oportunidade, porém, que Sagy Naked se ausentara da cidade, vindo a Curitiba, o alcagüete, dando mostras de sua autoridade, prendeu a Dra. Walkyria, deixando-a incomunicável.
Alertado via telégrafo, Sagy arrumou um automóvel e retornou a Prudentópolis, chegando quase um dia depois, mas dirigindo-se de imediato à Delegacia de Polícia.
Ali, após violenta discussão, Sagy resolveu libertar a esposa por seus próprios meios, pegando-a pelas mãos e procurando a saída, ocasião em que Pedro Pierre, secundado pelo cabo Amâncio e outros po-liciais, disparou suas armas, sem qualquer piedade.
Morto covardemente Sagy e ferida sua esposa, o corpo do primeiro ficou ainda por algumas horas defronte à Delegacia, debaixo de forte chuva, até que alguns aüancistas, vencendo o medo, viessem até o local e o carregassem para velar.
Poucas semanas depois, derrubado Washington Luís, assumia um Governo Provisório.
Getúlio, o líder máximo, encontrava-se já em Ponta Grossa, aguardando o momento de tomar as rédeas do poder.
Foi nessa ocasião, segundo testemunha o pontagrossense César Ribas da Silva, em depoimento sobre a Revolução de 30, que Getúlio Vargas, presente o depoente, o então Cel.
Plínio Tourinho e outras pessoas, voltou-se para a jovem e branda seguidora, que ainda amargava a morte brutal do marido dizendo-lhe:
- Dra. Walkyria, a Inter-ventoria do Paraná é sua.
Está em suas mãos.
Como resposta, Walkyria declinou do convite, mas pediu a Getúlio que fosse nomeada Promotora Pública para punir os que assassinaram Sagy. O caudilho dos pampas, ouvindo aquilo, teria respondido:
- Considere-se empossada!
E, na seqüência, dirigindo-se
a Plínio mandou que este avisasse seu irmão Mário Tourinho, da reserva do Exército, para que o mesmo assumisse o cargo de interventor.
A advogada e líder feminista que poderia ter mudado o rumo da história do Paraná, como chefe do Governo Estadual, tornou-se, no entanto, uma das primeiras Promotoras de Justiça do país.
Josué Correa Fernandes, ex-prefeito de Prudentópolis é Juiz aposentado
quarta-feira, 11 de maio de 2016
Histórias do Paraná - Poloneses no Poraná
Histórias do Paraná - Poloneses no Poraná
Poloneses no Poraná
Maria do Carmo R. Krieger Goulart
O "Paraná terra de todas as gentes" — nome também de um espetáculo criado pelo jornalista Adherbal Fortes e o compositor Paulo Vítola — acolheu, a partir de meados do século passado, povos das mais diversas etnias como alemães, italianos, japoneses, ucranianos, espanhóis, holandeses e, claro, os poloneses, que viveram momentos que eternizaram sua trajetória em solo brasileiro.
A primeira leva de imigrantes poloneses chegou ao Sul do Brasil cm 1869. Reza a lenda, porém, que por sua vontade eles desembarcariam bem longe daqui.
Segundo a história oral, os poloneses almejavam chegar à cidade de São Francisco, nos Estados Unidos.
Acabaram desembarcando numa outra São Francisco: a do Sul, porto no litoral norte de Santa Catarina.
Como eles sabiam de inglês tanto quanto de português, parece que só foram notar a diferença alguns meses depois, quando algumas famílias resolveram se mudar para o México, "aqui pertinho".
Histórias e humor à parte, a verdade é que grandes diferenças, não só de localização geográfica, iri-am permear a vida desses cidadãos, a começar por um detalhe crucial: como eram imigrantes espontâneos, o Governo Imperial de Sua Majestade não tinha em relação a eles tantas obrigações quanto as assumidas, por exemplo, junto aos alemães -imigrantes convidados a povoar as colônias recém-fundadas no Brasil.
Para começar, os poloneses foram instalados na então Colônia Príncipe Dom Pedro, junto à Colônia Itajahy, no Vale do Itajai-Mirim, em Santa Catarina, futura sede da cidade de Brusque.
Eram terras inférteis, em encostas de morros, e os poloneses eram todos agricultores.
Depois de dois anos de infrutíferas tentativas de tirar daquela terra algum sustento, resolveram largar tudo e transmigrar para Curitiba, contrariando ordens de Sua Alteza Imperial Dom Pedro, que considerava-os tão bem instalados na região quanto os colonos de origem alemã, estes em sua maioria artesãos.
Entram em cena, então, o padre Antônio de Zielinski, vigário da Freguesia de São Pedro Apóstolo de Gaspar, em Gaspar, cidade próxima a Brusque, e Edmundo Saporski, residente na mesma freguesia.
Ambos trabalhavam a idéia de trazer conterrâneos poloneses para cá e tentaram com os que já estavam próximos.
Alcançando-a, em meio às contrariedades oficiais, a transmigração trouxe primeiro os homens, que vieram — pasmem! — a pé, seguidos pelas mulheres e crianças, estas num percurso porto-a-por-to (Itajaí-Antonina) e em carroças.
No rocio curitibano do Pilarzinho os poloneses completaram a sua trajetória de imigrantes a transmigrantes, ali estabelecendo-se em definitivo (um século depois, nesse mesmo bairro do Pilarzinho viveria um de seus descendentes mais ilustres, o poeta Paulo Leminski). Enfrentaram, porém, as mesmas dificuldades com relação a lotes, moradia e alimentação, agravados pela inexistência de um abrigo a eles destinados, conforme Saporski prometera, o que levou o Ministério da Agricultura a telegrafar, em 01/11/1871, ao Governo da Província do Paraná sobre a situação dos colonos polacos, indagando se era verdade que "eles andavam esmolando e não tinham com que se ocupar". Os poloneses requereram lotes de terras à Câmara Municipal de Curitiba e a partir de 1873 seus pedidos começaram a ser atendidos.
Nas décadas seguintes, levas e mais levas de imigrantes poloneses e seus descendentes constituíram um dos principais grupos étnicos do Paraná. Aqui vieram trazendo amor pela liberdade e a cultura milenar de um povo.
Aqui construíram uma nova pátria. A saga dos pioneiros, entretanto, continua sendo destaque neste Paraná de muitas bandeiras.
Maria do Carmo K Krieger Goulart, historiadora
Poloneses no Poraná
Maria do Carmo R. Krieger Goulart
O "Paraná terra de todas as gentes" — nome também de um espetáculo criado pelo jornalista Adherbal Fortes e o compositor Paulo Vítola — acolheu, a partir de meados do século passado, povos das mais diversas etnias como alemães, italianos, japoneses, ucranianos, espanhóis, holandeses e, claro, os poloneses, que viveram momentos que eternizaram sua trajetória em solo brasileiro.
A primeira leva de imigrantes poloneses chegou ao Sul do Brasil cm 1869. Reza a lenda, porém, que por sua vontade eles desembarcariam bem longe daqui.
Segundo a história oral, os poloneses almejavam chegar à cidade de São Francisco, nos Estados Unidos.
Acabaram desembarcando numa outra São Francisco: a do Sul, porto no litoral norte de Santa Catarina.
Como eles sabiam de inglês tanto quanto de português, parece que só foram notar a diferença alguns meses depois, quando algumas famílias resolveram se mudar para o México, "aqui pertinho".
Histórias e humor à parte, a verdade é que grandes diferenças, não só de localização geográfica, iri-am permear a vida desses cidadãos, a começar por um detalhe crucial: como eram imigrantes espontâneos, o Governo Imperial de Sua Majestade não tinha em relação a eles tantas obrigações quanto as assumidas, por exemplo, junto aos alemães -imigrantes convidados a povoar as colônias recém-fundadas no Brasil.
Para começar, os poloneses foram instalados na então Colônia Príncipe Dom Pedro, junto à Colônia Itajahy, no Vale do Itajai-Mirim, em Santa Catarina, futura sede da cidade de Brusque.
Eram terras inférteis, em encostas de morros, e os poloneses eram todos agricultores.
Depois de dois anos de infrutíferas tentativas de tirar daquela terra algum sustento, resolveram largar tudo e transmigrar para Curitiba, contrariando ordens de Sua Alteza Imperial Dom Pedro, que considerava-os tão bem instalados na região quanto os colonos de origem alemã, estes em sua maioria artesãos.
Entram em cena, então, o padre Antônio de Zielinski, vigário da Freguesia de São Pedro Apóstolo de Gaspar, em Gaspar, cidade próxima a Brusque, e Edmundo Saporski, residente na mesma freguesia.
Ambos trabalhavam a idéia de trazer conterrâneos poloneses para cá e tentaram com os que já estavam próximos.
Alcançando-a, em meio às contrariedades oficiais, a transmigração trouxe primeiro os homens, que vieram — pasmem! — a pé, seguidos pelas mulheres e crianças, estas num percurso porto-a-por-to (Itajaí-Antonina) e em carroças.
No rocio curitibano do Pilarzinho os poloneses completaram a sua trajetória de imigrantes a transmigrantes, ali estabelecendo-se em definitivo (um século depois, nesse mesmo bairro do Pilarzinho viveria um de seus descendentes mais ilustres, o poeta Paulo Leminski). Enfrentaram, porém, as mesmas dificuldades com relação a lotes, moradia e alimentação, agravados pela inexistência de um abrigo a eles destinados, conforme Saporski prometera, o que levou o Ministério da Agricultura a telegrafar, em 01/11/1871, ao Governo da Província do Paraná sobre a situação dos colonos polacos, indagando se era verdade que "eles andavam esmolando e não tinham com que se ocupar". Os poloneses requereram lotes de terras à Câmara Municipal de Curitiba e a partir de 1873 seus pedidos começaram a ser atendidos.
Nas décadas seguintes, levas e mais levas de imigrantes poloneses e seus descendentes constituíram um dos principais grupos étnicos do Paraná. Aqui vieram trazendo amor pela liberdade e a cultura milenar de um povo.
Aqui construíram uma nova pátria. A saga dos pioneiros, entretanto, continua sendo destaque neste Paraná de muitas bandeiras.
Maria do Carmo K Krieger Goulart, historiadora
terça-feira, 10 de maio de 2016
Histórias do Paraná - A xícara de azeite
Histórias do Paraná - A xícara de azeite
A xícara de azeite
Lauro Grein Filho
Convencido e presumido de um bom cabedal médico, respaldado por um curso laureado e uma especialização no "Miguel Couto", do Rio, animado e motivado por todas as ilusões que envaidecem os anos da mocidade, iniciava em Castro os primeiros passos da jornada.
Não tinha mais que uma semana na cidade, que tanto me desconhecia quanto eu desejava conquistá-la, quando recebi o chamado lá pelas onze da noite.
Vinha com o táxi, cabendo ao motorista o encargo único de me conduzir, nada sabendo sobre o doente, o caso, a ocorrência.
Apenas o nome e o endereço do cidadão, pessoa ilustre e conhecida na praça.
Chegando à residência, nela ingressei firme e forte, dono da verdade, da ciência e de tudo.
No quarto e na cama do casal, um menino de quatro anos choramingava suas dores para a platéia de sete adultos e três menores. E proverbial a solidariedade dos sírios, nos infortúnios da saúde. Não faltavam, pois, parentes e amigos, todo um clã, irmanado na mesma preocupação, unidos no mesmo lamento, sofrido no mesmo pranto.
A minha presença, o guri aumentou o choro no timbre e na intensidade.
Esclareceram-me, então, que havia caído da mesa e machucado o braço.
Após algum empenho consegui por fim acalmá-lo, pondo-o dócil e amigo em minhas mãos. O exame cuidadoso não revelou, nos sinais específicos, qualquer indício de fratura ou luxação.
Tratei, pois, de serenar o ambiente, explicando a benignidade de uma simples contusão, sem gravidade e sem importância, coisa banal, de recuperação espontânea em poucas horas. A confirmar minhas palavras, o moleque, já refeito do médico e do susto, ensaiava alguns sorrisos para o auditório a esta altura tranqüilizado.
Aprontava-me em instantes para sair, certo da missão encerrada e bem cumprida, quando uma voz retumbou autoritária pelos quatro cantos da sala: - "Mas então, doutor,
o Sr. não vai fazer nada?" Era uma senhora gorda, idosa e bem disposta, avó materna do moleque.
- Minha Senhora, como eu
disse...
- Olha, doutor, bom para isso é esfregação de azeite quente.
Vamos acudir a criança.
- E enquanto me aturdia na surpresa e na indecisão, a devotada criatura dirigiu-se resolutamente à cozinha, de lá trazendo, rápida e triunfante, uma detestável xícara de azeite morno.
Para não me alterar na inconveniência e na descortesia, mergulhei corajosamente os dedos no ungüen-to repulsivo, passando a enlambuzar com ele o braço do garoto.
A cena durou uns cinco minutos, o mínimo necessário para o contentamento de todos e a aprovação geral da casa.
Preço caro em troca da imagem preservada, a simpatia conquistada, a lição apreendida.
Lavei as mãos para me livrar da gordura incômoda, ouvindo do pai agradecido a frase irrecorrível que haveria de me acompanhar trabalhos afora: "Por enquanto muito obrigado, depois nós acertamos". Amavelmente fui me despedindo, um por um, entrevendo na clareza dos semblantes as evidências de que deixava o campo são e salvo.
Da esclarecida senhora mereci um confortável abraço, que beijo não se dava a esmo no passado.
As aparências, resguardei-as como devia. A verdade, entretanto, é que, naquela casa e naquela noite, deixava no braço inocente daquele guri moreno uma parte das minhas ilusões, outro tanto do meu orgulho, das minhas convicções e um pedaço de mim mesmo.
Muitas e muitas vezes depois, ao longo da clínica interiorana, a experiência me levaria ao melhor convívio com tais maneiras, admitindo-as em nome de uma cultura autenticamente nossa, criada e embalada no mundo simplório de nossos avós.
Mas o primeiro confronto foi por demais impiedoso para que dele facilmente me esquecesse.
Lauro Grein Filho, Médico e presidente do Centro de Letras do Paraná
A xícara de azeite
Lauro Grein Filho
Convencido e presumido de um bom cabedal médico, respaldado por um curso laureado e uma especialização no "Miguel Couto", do Rio, animado e motivado por todas as ilusões que envaidecem os anos da mocidade, iniciava em Castro os primeiros passos da jornada.
Não tinha mais que uma semana na cidade, que tanto me desconhecia quanto eu desejava conquistá-la, quando recebi o chamado lá pelas onze da noite.
Vinha com o táxi, cabendo ao motorista o encargo único de me conduzir, nada sabendo sobre o doente, o caso, a ocorrência.
Apenas o nome e o endereço do cidadão, pessoa ilustre e conhecida na praça.
Chegando à residência, nela ingressei firme e forte, dono da verdade, da ciência e de tudo.
No quarto e na cama do casal, um menino de quatro anos choramingava suas dores para a platéia de sete adultos e três menores. E proverbial a solidariedade dos sírios, nos infortúnios da saúde. Não faltavam, pois, parentes e amigos, todo um clã, irmanado na mesma preocupação, unidos no mesmo lamento, sofrido no mesmo pranto.
A minha presença, o guri aumentou o choro no timbre e na intensidade.
Esclareceram-me, então, que havia caído da mesa e machucado o braço.
Após algum empenho consegui por fim acalmá-lo, pondo-o dócil e amigo em minhas mãos. O exame cuidadoso não revelou, nos sinais específicos, qualquer indício de fratura ou luxação.
Tratei, pois, de serenar o ambiente, explicando a benignidade de uma simples contusão, sem gravidade e sem importância, coisa banal, de recuperação espontânea em poucas horas. A confirmar minhas palavras, o moleque, já refeito do médico e do susto, ensaiava alguns sorrisos para o auditório a esta altura tranqüilizado.
Aprontava-me em instantes para sair, certo da missão encerrada e bem cumprida, quando uma voz retumbou autoritária pelos quatro cantos da sala: - "Mas então, doutor,
o Sr. não vai fazer nada?" Era uma senhora gorda, idosa e bem disposta, avó materna do moleque.
- Minha Senhora, como eu
disse...
- Olha, doutor, bom para isso é esfregação de azeite quente.
Vamos acudir a criança.
- E enquanto me aturdia na surpresa e na indecisão, a devotada criatura dirigiu-se resolutamente à cozinha, de lá trazendo, rápida e triunfante, uma detestável xícara de azeite morno.
Para não me alterar na inconveniência e na descortesia, mergulhei corajosamente os dedos no ungüen-to repulsivo, passando a enlambuzar com ele o braço do garoto.
A cena durou uns cinco minutos, o mínimo necessário para o contentamento de todos e a aprovação geral da casa.
Preço caro em troca da imagem preservada, a simpatia conquistada, a lição apreendida.
Lavei as mãos para me livrar da gordura incômoda, ouvindo do pai agradecido a frase irrecorrível que haveria de me acompanhar trabalhos afora: "Por enquanto muito obrigado, depois nós acertamos". Amavelmente fui me despedindo, um por um, entrevendo na clareza dos semblantes as evidências de que deixava o campo são e salvo.
Da esclarecida senhora mereci um confortável abraço, que beijo não se dava a esmo no passado.
As aparências, resguardei-as como devia. A verdade, entretanto, é que, naquela casa e naquela noite, deixava no braço inocente daquele guri moreno uma parte das minhas ilusões, outro tanto do meu orgulho, das minhas convicções e um pedaço de mim mesmo.
Muitas e muitas vezes depois, ao longo da clínica interiorana, a experiência me levaria ao melhor convívio com tais maneiras, admitindo-as em nome de uma cultura autenticamente nossa, criada e embalada no mundo simplório de nossos avós.
Mas o primeiro confronto foi por demais impiedoso para que dele facilmente me esquecesse.
Lauro Grein Filho, Médico e presidente do Centro de Letras do Paraná
segunda-feira, 9 de maio de 2016
Histórias do Paraná - Promessa cumprida
Histórias do Paraná - Promessa cumprida
Promessa cumprida
Túlio Vargas
Meu avô paterno, Jorge de (Miveira Vargas, nasceu na Lapa, PR, lilho de um tropeiro que, naquela época,
cumpria o itinerário de Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, a Feira ile Sorocaba, São Paulo.
Não herdou a vocação nômade do pai.
Desde pequeno manifestou gosto artístico e aptidões literárias.
Tornou-se, mais larde, presidente da Associação Instrutiva e Beneficente dos Artistas e Operários daquela cidade.
Embevecido pela agitação democrática do verbo torrencial do senador gaúcho Silveira Martins, inclinou-se politicamente pelo Partido
Liberal. E viveu contrariado pelos episódios marcantes do começo da República, quando viu desalojado do governo estadual Generoso Marques ilos Santos, chefe inconteste do seu novo partido, a União Republicana.
Ao chegarem ao Paraná as primeiras notícias das escaramuças comandadas por Gumercindo Saraiva, às margens do ribeirão Salsinho, tio Rio Grande do Sul, os federais paranaenses excitaram-se, prenunciando o momento da desforra. 1893/ 94. Seria o acerto de contas dos maragatos.
Na Lapa, os antigos liberais conspiravam.
Com a aproximação das forças de Gumercindo e a iminência do Cerco, as autoridades municipais determinaram a prisão dos adversários políticos, sujeitos à execução.
Avisado a tempo, meu avô fugiu a cavalo, de madrugada, em direção a Castro.
Esteve inicialmente homiziado na fazenda Boa Vista, de dona Mariana Marques Madureira.
Com o breve domínio dos revoltos desfrutou de certa liberdade, mas quando a sorte mudou o rumo da Revolução, foi obrigado a refugiar-se na "Fazendinha", município de Piraí, protegido da família Gonçalves Martins.
Sentiria na carne as conseqüências da luta fratricida que ensangüentou os foros pacifistas do Estado.
Seu esconderijo, um poço desativado nos fundos da extensa propriedade rural, bem longe do assédio das patrulhas legalistas que varriam o sertão.
Parecia refúgio seguro, embora insalubre e solitário.
Joaquim, um negrinho da criadagem, levava-lhe comida todos os dias, burlando a vigilância da delegacia de polícia que procurava, em vão, localizá-lo.
Prometeu-lhe meu avô que, se um dia se visse livre daquela perseguição e sobrevivesse à vingança dos vencedores, lhe daria sustento pelo resto da vida.
Temia a degola, se apanhado fosse.
Assentada a poeira revolucionária e decretada a anistia, ele foi aos poucos se reintegrando à sociedade.
Recuperou o poder de influência e se elegeu camarista, em 1908, tendo exercido, em substituição, o cargo de prefeito de Piraí. Ligado a atividades culturais, diz a tradição ter sido um dos fundadores do primeiro teatro do município, o Teatro Sidéria.
Atento à memória dos acontecimentos que lhe deixaram cicatrizes, cumpriu a velha promessa.
Durante muitos anos, enquanto viveu, foi visto o Joaquim Barrigudo, como todos lhe chamavam, já adulto, a abastecer-se regiamente na Casa Vargas, sob o olhar agradecido do velho comerciante, pacto que foi honrado até a morte do meu avô em 1914.
Túlio Vargas, ex-deputado, é membro da Academia de Paranaense de Letras.
Promessa cumprida
Túlio Vargas
Meu avô paterno, Jorge de (Miveira Vargas, nasceu na Lapa, PR, lilho de um tropeiro que, naquela época,
cumpria o itinerário de Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, a Feira ile Sorocaba, São Paulo.
Não herdou a vocação nômade do pai.
Desde pequeno manifestou gosto artístico e aptidões literárias.
Tornou-se, mais larde, presidente da Associação Instrutiva e Beneficente dos Artistas e Operários daquela cidade.
Embevecido pela agitação democrática do verbo torrencial do senador gaúcho Silveira Martins, inclinou-se politicamente pelo Partido
Liberal. E viveu contrariado pelos episódios marcantes do começo da República, quando viu desalojado do governo estadual Generoso Marques ilos Santos, chefe inconteste do seu novo partido, a União Republicana.
Ao chegarem ao Paraná as primeiras notícias das escaramuças comandadas por Gumercindo Saraiva, às margens do ribeirão Salsinho, tio Rio Grande do Sul, os federais paranaenses excitaram-se, prenunciando o momento da desforra. 1893/ 94. Seria o acerto de contas dos maragatos.
Na Lapa, os antigos liberais conspiravam.
Com a aproximação das forças de Gumercindo e a iminência do Cerco, as autoridades municipais determinaram a prisão dos adversários políticos, sujeitos à execução.
Avisado a tempo, meu avô fugiu a cavalo, de madrugada, em direção a Castro.
Esteve inicialmente homiziado na fazenda Boa Vista, de dona Mariana Marques Madureira.
Com o breve domínio dos revoltos desfrutou de certa liberdade, mas quando a sorte mudou o rumo da Revolução, foi obrigado a refugiar-se na "Fazendinha", município de Piraí, protegido da família Gonçalves Martins.
Sentiria na carne as conseqüências da luta fratricida que ensangüentou os foros pacifistas do Estado.
Seu esconderijo, um poço desativado nos fundos da extensa propriedade rural, bem longe do assédio das patrulhas legalistas que varriam o sertão.
Parecia refúgio seguro, embora insalubre e solitário.
Joaquim, um negrinho da criadagem, levava-lhe comida todos os dias, burlando a vigilância da delegacia de polícia que procurava, em vão, localizá-lo.
Prometeu-lhe meu avô que, se um dia se visse livre daquela perseguição e sobrevivesse à vingança dos vencedores, lhe daria sustento pelo resto da vida.
Temia a degola, se apanhado fosse.
Assentada a poeira revolucionária e decretada a anistia, ele foi aos poucos se reintegrando à sociedade.
Recuperou o poder de influência e se elegeu camarista, em 1908, tendo exercido, em substituição, o cargo de prefeito de Piraí. Ligado a atividades culturais, diz a tradição ter sido um dos fundadores do primeiro teatro do município, o Teatro Sidéria.
Atento à memória dos acontecimentos que lhe deixaram cicatrizes, cumpriu a velha promessa.
Durante muitos anos, enquanto viveu, foi visto o Joaquim Barrigudo, como todos lhe chamavam, já adulto, a abastecer-se regiamente na Casa Vargas, sob o olhar agradecido do velho comerciante, pacto que foi honrado até a morte do meu avô em 1914.
Túlio Vargas, ex-deputado, é membro da Academia de Paranaense de Letras.
domingo, 8 de maio de 2016
Histórias do Paraná - Primeiro de Maio
Histórias do Paraná - Primeiro de Maio
Primeiro de Maio
Nilson Monteiro
Os olhos de Bernardo nadam, vermelhos, nas águas dos tucunarés, tilápias, bagres, lambaris assustados. A voz troca de boca, molenga. O cheiro forte de fumo e cachaça es-parrama-se. "Esse negócio de terra tremer é aviso.
Nessa terra coberta d’água, muito suor foi derrubado, muito sangue foi derramado, muito pai criou filho no cabo da enxada, a família, netos. Né assim de repente que a gente esquece..."
"Deu dó, né compadre?, porque esse terrâo roxo era o melhor desse mundo.
Era plantar e dar.
Lembra do mar de soja que tinha ali pra baixo? O senhor não viu que muitas famílias carpiram foram depois das águas?"
"E o café? O senhor não lembra cada pé que enfrentava até a geada braba?"
"Até a igreja da Vila Nova ficou embaixo d’água.
Ninguém respeitava mais nada. E depois vem esses moços, os genhero da companhia, e fala que a terra não guenta o peso desta agüona toda e por isso treme tudo.
Sei não.
Pra mim, quem faz bem se paga com bem. E quem faz mal..."
Os olhos passeiam: rugas das paredes da igreja, buracos dos muros do ginásio, cor desmaiada da tarde, cadelas que acompanham os guinchos da carroça no dia morno.
Olhos de Primeiro de Maio, onde até a alma fica encardida pelo roxo vulcânico da terra. "Aquilo que a gente faz com os calos das mãos, não há dinheiro que pague.
Inda mais a mixaria que pagaram pelas terras." "Muita gente largou a casa chorando, sem querer nem receber o que os homens da companhia queria pagar".
"Mas escutei uns zuns-zuns que os graúdos donos das fazendas lá da estrada receberam uma bolada grande, que o governo expropriou e pagou os tubos de dinheiro pros tubarão".
"Teve gente que não saía nem por muito dinheiro.
Aquele alemão da barsa, que atravessava as conduções, embirrou em não sair.
Como é que o homem ia ficar em cima deste mundão d’água, meus Deus do céu?" "Isso é aviso do céu.
Meus olhos de 75 anos ainda não tinha visto.
Ninguém ouviu falar da história das Minas Gerais, onde a água, em vez de descer o morro, tá subindo? Diz que lá mataram muita gente boa, lavrador, trabalhador.
Onde já se viu a água subir morro, Deus do céu?" "Ainda ontem, pensei que o mundo ia acabar com aqueles estoro.
Hoje, muita gente não foi na missa com medo do sino despencar.
Começou aquela tremedeira da terra... Lá em casa não ficou um caneco inteiro. A patroa tá com uma paúra daquelas.
As criança tudo calada".
Bernardo pede o canivete de Américo, enferrujado.
Arranja um "paieiro", traga fundo e, baforando, engole as palavras. "Deus quemelivre, mas são os mortos desta terra, que viveram aqui, que sofreram aqui, que abriram tudo esse picadão, dando murro em ponta de faca, que tão fazendo esse barulhão todo.
Acho que pra eles esse negócio de encher de água aquilo que eles suaram para arrumar, pra semear, é fazer o mal, Deus quemelivre! E mal com mal se paga, Deus quemelivre!"
A represa encardida, com seu corpanzil líquido, sepulta.
No boteco, o resto da conversa é afogado de um gole.
Nilson Monteiro é jornalista e escritor.
Primeiro de Maio
Nilson Monteiro
Os olhos de Bernardo nadam, vermelhos, nas águas dos tucunarés, tilápias, bagres, lambaris assustados. A voz troca de boca, molenga. O cheiro forte de fumo e cachaça es-parrama-se. "Esse negócio de terra tremer é aviso.
Nessa terra coberta d’água, muito suor foi derrubado, muito sangue foi derramado, muito pai criou filho no cabo da enxada, a família, netos. Né assim de repente que a gente esquece..."
"Deu dó, né compadre?, porque esse terrâo roxo era o melhor desse mundo.
Era plantar e dar.
Lembra do mar de soja que tinha ali pra baixo? O senhor não viu que muitas famílias carpiram foram depois das águas?"
"E o café? O senhor não lembra cada pé que enfrentava até a geada braba?"
"Até a igreja da Vila Nova ficou embaixo d’água.
Ninguém respeitava mais nada. E depois vem esses moços, os genhero da companhia, e fala que a terra não guenta o peso desta agüona toda e por isso treme tudo.
Sei não.
Pra mim, quem faz bem se paga com bem. E quem faz mal..."
Os olhos passeiam: rugas das paredes da igreja, buracos dos muros do ginásio, cor desmaiada da tarde, cadelas que acompanham os guinchos da carroça no dia morno.
Olhos de Primeiro de Maio, onde até a alma fica encardida pelo roxo vulcânico da terra. "Aquilo que a gente faz com os calos das mãos, não há dinheiro que pague.
Inda mais a mixaria que pagaram pelas terras." "Muita gente largou a casa chorando, sem querer nem receber o que os homens da companhia queria pagar".
"Mas escutei uns zuns-zuns que os graúdos donos das fazendas lá da estrada receberam uma bolada grande, que o governo expropriou e pagou os tubos de dinheiro pros tubarão".
"Teve gente que não saía nem por muito dinheiro.
Aquele alemão da barsa, que atravessava as conduções, embirrou em não sair.
Como é que o homem ia ficar em cima deste mundão d’água, meus Deus do céu?" "Isso é aviso do céu.
Meus olhos de 75 anos ainda não tinha visto.
Ninguém ouviu falar da história das Minas Gerais, onde a água, em vez de descer o morro, tá subindo? Diz que lá mataram muita gente boa, lavrador, trabalhador.
Onde já se viu a água subir morro, Deus do céu?" "Ainda ontem, pensei que o mundo ia acabar com aqueles estoro.
Hoje, muita gente não foi na missa com medo do sino despencar.
Começou aquela tremedeira da terra... Lá em casa não ficou um caneco inteiro. A patroa tá com uma paúra daquelas.
As criança tudo calada".
Bernardo pede o canivete de Américo, enferrujado.
Arranja um "paieiro", traga fundo e, baforando, engole as palavras. "Deus quemelivre, mas são os mortos desta terra, que viveram aqui, que sofreram aqui, que abriram tudo esse picadão, dando murro em ponta de faca, que tão fazendo esse barulhão todo.
Acho que pra eles esse negócio de encher de água aquilo que eles suaram para arrumar, pra semear, é fazer o mal, Deus quemelivre! E mal com mal se paga, Deus quemelivre!"
A represa encardida, com seu corpanzil líquido, sepulta.
No boteco, o resto da conversa é afogado de um gole.
Nilson Monteiro é jornalista e escritor.
sábado, 7 de maio de 2016
Histórias do Paraná - O interventor e o discurso
Histórias do Paraná - O interventor e o discurso
O interventor e o discurso
Celso Antonio Rossi
No início dos anos 40, o Paraná era governado por um Interventor, nome que se dava aos dirigentes dos Estados nomeados pelo ditador Getúlio Vargas, no período do chamado "Estado Novo". Manoel Ribas era o seu nome.
Homem bom e simples, era conhecido como "Maneco Facão" pois, dizia-se, por onde ele passava "cortava" as irregularidades e as despesas inúteis.
À mesma época, era prefeito dejacarezinho o Dr. João de Aguiar, agrônomo respeitado por todos graças a sua probidade e ao amor que nutria pela cidade que administrava.
I ile e Manoel Ribas mantinham uma sólida amizade, o que possibilitava a constante presença do Interventor do Estado na pequena cidade do interior.
Pois foi até mesmo com o decidido apoio de Manoel Ribas e a extraordinária visão de João Aguiar que Jacarezinho teve o privilégio de ser a primeira cidade do Paraná (talvez até mesmo do Brasil) a ter a sua exposição-feira, dessas que hoje existem em profusão pelo país auxiliando a agricultura, pecuária, comércio e indústria.
Esta primeira (e única) exposição-feira teve lugar no ano de 1941, no prolongamento da antiga Rua Rio Negro (hoje Rua do Rosário), nas imediações do lugar que mais tarde ficou conhecido como Vila Ema.
Manoel Ribas e João Aguiar juntos, desataram a fita de inauguração e, com uma enorme multidão para a época, percorreram os galpões visitando todas as instalações, ouvindo de cada expositor um pouco de sua história.
Um dia cansativo, mas que não podia ser evitado.
Afinal, chega a noite e um reconfortante jantar aguarda o ilustre visitante que, já preocupado com a longa e cansativa viagem por estrada de terra que o aguardava, perdera um pouco do bom humor do dia.
Fim do jantar e, com o indefectível cafezinho sendo servido, Manoel Ribas disfarçadamente tira da "algibeira" o relógio e certamente calcula o horário em que chegará à capital do Estado. Já não consegue disfarçar um certo ar de impaciência, até de enfado.
Nisso, bem ao seu lado, um líder político local levanta-se com um calhamaço de folhas de papel nas mãos, assustando o Interventor que, disfarçadamente, lhe pergunta:
- Do que se trata isso, meu
amigo?
- E o discurso de agradecimento que vou lhe fazer, Excelência.
Manoel Ribas sente que aquele é o momento e, indeciso entre fazer ou não fazer, resolutamente arranca das mãos do orador as dezenas de folhas que compunham o discurso e abraçando-o diz, num volume de voz ouvido pelos que se encontravam mais próximos:
- Pois meu amigo, não se preocupe; o discurso eu mesmo leio na viagem de volta!...
Celso Antonio Rossi é advogado, diretor da Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro, em Jacarezinho.
O interventor e o discurso
Celso Antonio Rossi
No início dos anos 40, o Paraná era governado por um Interventor, nome que se dava aos dirigentes dos Estados nomeados pelo ditador Getúlio Vargas, no período do chamado "Estado Novo". Manoel Ribas era o seu nome.
Homem bom e simples, era conhecido como "Maneco Facão" pois, dizia-se, por onde ele passava "cortava" as irregularidades e as despesas inúteis.
À mesma época, era prefeito dejacarezinho o Dr. João de Aguiar, agrônomo respeitado por todos graças a sua probidade e ao amor que nutria pela cidade que administrava.
I ile e Manoel Ribas mantinham uma sólida amizade, o que possibilitava a constante presença do Interventor do Estado na pequena cidade do interior.
Pois foi até mesmo com o decidido apoio de Manoel Ribas e a extraordinária visão de João Aguiar que Jacarezinho teve o privilégio de ser a primeira cidade do Paraná (talvez até mesmo do Brasil) a ter a sua exposição-feira, dessas que hoje existem em profusão pelo país auxiliando a agricultura, pecuária, comércio e indústria.
Esta primeira (e única) exposição-feira teve lugar no ano de 1941, no prolongamento da antiga Rua Rio Negro (hoje Rua do Rosário), nas imediações do lugar que mais tarde ficou conhecido como Vila Ema.
Manoel Ribas e João Aguiar juntos, desataram a fita de inauguração e, com uma enorme multidão para a época, percorreram os galpões visitando todas as instalações, ouvindo de cada expositor um pouco de sua história.
Um dia cansativo, mas que não podia ser evitado.
Afinal, chega a noite e um reconfortante jantar aguarda o ilustre visitante que, já preocupado com a longa e cansativa viagem por estrada de terra que o aguardava, perdera um pouco do bom humor do dia.
Fim do jantar e, com o indefectível cafezinho sendo servido, Manoel Ribas disfarçadamente tira da "algibeira" o relógio e certamente calcula o horário em que chegará à capital do Estado. Já não consegue disfarçar um certo ar de impaciência, até de enfado.
Nisso, bem ao seu lado, um líder político local levanta-se com um calhamaço de folhas de papel nas mãos, assustando o Interventor que, disfarçadamente, lhe pergunta:
- Do que se trata isso, meu
amigo?
- E o discurso de agradecimento que vou lhe fazer, Excelência.
Manoel Ribas sente que aquele é o momento e, indeciso entre fazer ou não fazer, resolutamente arranca das mãos do orador as dezenas de folhas que compunham o discurso e abraçando-o diz, num volume de voz ouvido pelos que se encontravam mais próximos:
- Pois meu amigo, não se preocupe; o discurso eu mesmo leio na viagem de volta!...
Celso Antonio Rossi é advogado, diretor da Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro, em Jacarezinho.
sexta-feira, 6 de maio de 2016
Histórias do Paraná - Dezesseis batizados
Histórias do Paraná - Dezesseis batizados
Dezesseis batizados
Flora Munhoz da Rocha
Esta é a história atrevida de um astuto vigarista de audácia sem precedentes.
O homem teve a petulância de batizar o filho dezesseis vezes.
Verdade. Não há exagero — dezesseis vezes.
Toda vez que acabava o dinheiro em casa, ele não punha dúvida, saía atrás de um padrinho de posses e já marcava em nova igreja um novo batizado.
Logrou engenheiros, advogados, gente que não tinha nada de boba.
Madrinha não tinha, era sempre Nossa Senhora.
Ele sabia que mulher esmiúça as coisas e acabaria descobrindo.
Sabemos que é costume entre a classe mais humilde, os padrinhos vestirem o afilhado no dia do batizado.
Mas padrinho, quanto mais importante, menos tempo tem para se preocupar com enxovalzinho, então iam dando dinheiro, que era o que o pai do menino queria.
Embolsando o dinheiro recomeçava a trajetória do batizado seguinte. Já nem embaraço sentia mais.
Entretanto, o raciocínio dele não abrangeu todas as hipóteses. Só na Caixa Econômica ele tinha três compadres e, conversa vai, conversa vem, os padrinhos do menino se certificaram do logro — meu marido, Jofre Cabral e, se não me engano, o terceiro era o Orlando Loyola.
Jofre foi o que mais se sentiu ludibriado.
Ele, com seu entusiasmo peculiar, não sabia fazer nada pela metade e, além do dinheiro para o camisolão branco, pendurou no pescoço do menino cordão de ouro com medalha de São Judas Tadeu, abriu caderneta de poupança e no dia até conduziu-os no seu belo carro à Igreja Santa Felicidade, por causa da promessa que o malandro garantiu ter feito por ocasião do nascimento do garoto.
Sua vigarice merecia sério corretivo, e quando o acusaram de haver cometido um sacrilégio, pendendo os braços para o lado ficou com uma cara de choro totalmente ridícula, se justificando: "Não vejo gravidade nisso, quanto mais batizado meu filho for, melhor para ele, fica mais filho de Deus".
Recordo de que quando ouvi essa história, lembrei de outra muito parecida de quando na nossa casa éramos crianças e um dos meus irmãos, que tinha o apelido de Pedro Malazarte, fizera a primeira comunhão quatro vezes.
Ele era levado da breca e vivia sendo convidado a se retirar dos colégios de padre e a cada vez que trocava de internato, afirmava nunca ter feito a primeira comunhão por causa dos doces, da vela na mão, do dia de folga.
Acho que foi por isso que escutei sem espanto a história dos dezesseis batizados.
Flora Munhoz da Rocha, ex-primeira dama do Estado, é cronista.
Dezesseis batizados
Flora Munhoz da Rocha
Esta é a história atrevida de um astuto vigarista de audácia sem precedentes.
O homem teve a petulância de batizar o filho dezesseis vezes.
Verdade. Não há exagero — dezesseis vezes.
Toda vez que acabava o dinheiro em casa, ele não punha dúvida, saía atrás de um padrinho de posses e já marcava em nova igreja um novo batizado.
Logrou engenheiros, advogados, gente que não tinha nada de boba.
Madrinha não tinha, era sempre Nossa Senhora.
Ele sabia que mulher esmiúça as coisas e acabaria descobrindo.
Sabemos que é costume entre a classe mais humilde, os padrinhos vestirem o afilhado no dia do batizado.
Mas padrinho, quanto mais importante, menos tempo tem para se preocupar com enxovalzinho, então iam dando dinheiro, que era o que o pai do menino queria.
Embolsando o dinheiro recomeçava a trajetória do batizado seguinte. Já nem embaraço sentia mais.
Entretanto, o raciocínio dele não abrangeu todas as hipóteses. Só na Caixa Econômica ele tinha três compadres e, conversa vai, conversa vem, os padrinhos do menino se certificaram do logro — meu marido, Jofre Cabral e, se não me engano, o terceiro era o Orlando Loyola.
Jofre foi o que mais se sentiu ludibriado.
Ele, com seu entusiasmo peculiar, não sabia fazer nada pela metade e, além do dinheiro para o camisolão branco, pendurou no pescoço do menino cordão de ouro com medalha de São Judas Tadeu, abriu caderneta de poupança e no dia até conduziu-os no seu belo carro à Igreja Santa Felicidade, por causa da promessa que o malandro garantiu ter feito por ocasião do nascimento do garoto.
Sua vigarice merecia sério corretivo, e quando o acusaram de haver cometido um sacrilégio, pendendo os braços para o lado ficou com uma cara de choro totalmente ridícula, se justificando: "Não vejo gravidade nisso, quanto mais batizado meu filho for, melhor para ele, fica mais filho de Deus".
Recordo de que quando ouvi essa história, lembrei de outra muito parecida de quando na nossa casa éramos crianças e um dos meus irmãos, que tinha o apelido de Pedro Malazarte, fizera a primeira comunhão quatro vezes.
Ele era levado da breca e vivia sendo convidado a se retirar dos colégios de padre e a cada vez que trocava de internato, afirmava nunca ter feito a primeira comunhão por causa dos doces, da vela na mão, do dia de folga.
Acho que foi por isso que escutei sem espanto a história dos dezesseis batizados.
Flora Munhoz da Rocha, ex-primeira dama do Estado, é cronista.
quinta-feira, 5 de maio de 2016
Histórias do Paraná - Sovaco ilustrado
Histórias do Paraná - Sovaco ilustrado
Sovaco ilustrado
José Wanderley Dias Jr.
José Wanderley Dias faz parte da história da nossa centenária
Caixa Econômica Federal, à qual serviu por quase quarenta anos.
Nesse convívio, amealhou a amizade, o respeito e a admiração de toda a classe.
Muitos foram os seus ensinamentos, alguns só compreendidos anos depois, e outros tantos a serem ainda decifrados...
fazer pose, ao contrário.
Simples, jamais deixou que os degraus galgados ao longo da sua vida subissem à cabeça.
Alegre e bonachão.
Sempre com o anedotário em dia, fez da vida uma canção de amor junto à sua eterna companheira Neuza.
Fumou muito, durante vários anos.
Com o primeiro enfarte, divorciou-se do cigarro.
Beber, nem penar - quando muito uma Coca diet, após suculenta feijoada, brincando que era para não engordar.
Assim era o Wanderley.
Cristão convicto, gente acima de tudo, sem vícios, de hábitos saudáveis.
Caminhava bastante, lia muito, até os anúncios, tendo na coleção de erros (le imprensa o seu hobby predileto, aliás curiosa e divertidíssima.
Paizão, amigo, companheiro de todas as lioras, todos os momentos.
Tive dois privilégios a mais do que meus irmãos: o fato de eu ser o primogênito e, assim, ter convivido um pouco mais do que eles com Neuza e Wanderley; ter tido o pai, nosso mestre devida, também como professor na faculdade — FAE. Suas aulas eram puro sentimento, os exemplos vinham dele próprio, na sua vivência cristã de um homem atento a tudo o que se passava.
Com ele todos aprendiam.
Também dava o peixe, mas, com certeza, ensinou a pescar durante toda a sua vida...
Na Caixa também era assim.
Aliás, na vida, no seu dia-a-dia ele era assim.
Um dos raros momentos em que deixou transparecer sua raiva, foi quando um imbecil daqueles que acha que cada qual tem o seu preço, saiu-se com uma proposta indecorosa para o velho. Á cortada veio imediata, definitiva, mas mesmo assim o idiota sentiu-se no direito de aumentar a "oferta". Naquele dia a antiga sede da CEF , um predinho de cinco ou seis andares onde acha-se erguido o atual Edifí-cio-Sede (Praça Carlos Gomes), tremeu.
Wanderley, forte de espírito e também fisicamente, levantou a "figura" jogando-a porta afora com divisória e tudo.
Foi um arraso!
A gente começa a falar da mãe e do pai e viaja na mente e no coração (é que somos filhos-coruja, modéstia a parte, com sobra de razão para isso!). Mas voltemos ao título. O pai viajava muito pela CEF e numa descida a Paranaguá, sabendo de que lá os apelidos proliferam, perguntou aos colegas qual era o dele. O gerente local mostrou-se em situação desconfortável, ao que o então diretor da carteira hipotecária da Caixa no Paraná reiterou: "Qual o apelido que os irmãos parnanguaras me deram?" A resposta veio tímida: "Sovaco Ilustrado, doutor.
Desculpe!" Foi uma gargalhada só. Era comum ver Wanderley Dias com uma pilha de jornais e revistas em baixo do braço,
daí o apelido certeiro.
Memórias da Caixa de outro-ra.
Lembranças da vida.
Saudades do "Sovaco Ilustrado" e de sua musa.
José Wanderley Dias Jr. é economista e administrador.
Sovaco ilustrado
José Wanderley Dias Jr.
José Wanderley Dias faz parte da história da nossa centenária
Caixa Econômica Federal, à qual serviu por quase quarenta anos.
Nesse convívio, amealhou a amizade, o respeito e a admiração de toda a classe.
Muitos foram os seus ensinamentos, alguns só compreendidos anos depois, e outros tantos a serem ainda decifrados...
fazer pose, ao contrário.
Simples, jamais deixou que os degraus galgados ao longo da sua vida subissem à cabeça.
Alegre e bonachão.
Sempre com o anedotário em dia, fez da vida uma canção de amor junto à sua eterna companheira Neuza.
Fumou muito, durante vários anos.
Com o primeiro enfarte, divorciou-se do cigarro.
Beber, nem penar - quando muito uma Coca diet, após suculenta feijoada, brincando que era para não engordar.
Assim era o Wanderley.
Cristão convicto, gente acima de tudo, sem vícios, de hábitos saudáveis.
Caminhava bastante, lia muito, até os anúncios, tendo na coleção de erros (le imprensa o seu hobby predileto, aliás curiosa e divertidíssima.
Paizão, amigo, companheiro de todas as lioras, todos os momentos.
Tive dois privilégios a mais do que meus irmãos: o fato de eu ser o primogênito e, assim, ter convivido um pouco mais do que eles com Neuza e Wanderley; ter tido o pai, nosso mestre devida, também como professor na faculdade — FAE. Suas aulas eram puro sentimento, os exemplos vinham dele próprio, na sua vivência cristã de um homem atento a tudo o que se passava.
Com ele todos aprendiam.
Também dava o peixe, mas, com certeza, ensinou a pescar durante toda a sua vida...
Na Caixa também era assim.
Aliás, na vida, no seu dia-a-dia ele era assim.
Um dos raros momentos em que deixou transparecer sua raiva, foi quando um imbecil daqueles que acha que cada qual tem o seu preço, saiu-se com uma proposta indecorosa para o velho. Á cortada veio imediata, definitiva, mas mesmo assim o idiota sentiu-se no direito de aumentar a "oferta". Naquele dia a antiga sede da CEF , um predinho de cinco ou seis andares onde acha-se erguido o atual Edifí-cio-Sede (Praça Carlos Gomes), tremeu.
Wanderley, forte de espírito e também fisicamente, levantou a "figura" jogando-a porta afora com divisória e tudo.
Foi um arraso!
A gente começa a falar da mãe e do pai e viaja na mente e no coração (é que somos filhos-coruja, modéstia a parte, com sobra de razão para isso!). Mas voltemos ao título. O pai viajava muito pela CEF e numa descida a Paranaguá, sabendo de que lá os apelidos proliferam, perguntou aos colegas qual era o dele. O gerente local mostrou-se em situação desconfortável, ao que o então diretor da carteira hipotecária da Caixa no Paraná reiterou: "Qual o apelido que os irmãos parnanguaras me deram?" A resposta veio tímida: "Sovaco Ilustrado, doutor.
Desculpe!" Foi uma gargalhada só. Era comum ver Wanderley Dias com uma pilha de jornais e revistas em baixo do braço,
daí o apelido certeiro.
Memórias da Caixa de outro-ra.
Lembranças da vida.
Saudades do "Sovaco Ilustrado" e de sua musa.
José Wanderley Dias Jr. é economista e administrador.
quarta-feira, 4 de maio de 2016
Histórias do Paraná - Lembrança amarga
Histórias do Paraná - Lembrança amarga
Lembrança amarga
Valério Hoerner Júnior
O caminho aponta puxar o fio da História para uma rodada em tomo de infeliz bajoujice ocorrida às margens do Rio íapó, em passado distante já 204 anos.
Reavivar o assunto, porém, jamais significará de minha parte libelo contra a cidade ou contra os briosos e pacíficos castrenses, que na verdade, nada tiveram a ver com o fato. Têm a ver, sim, áulicos reverentes desejosos de homenagear um dos mais nefastos ministros portugueses da época do Brasil-colônia.
Os fatos: quando ainda freguesia, em 1769, a atual cidade de Castro foi transferida do Capão Alto para as margens do Rio Iapó. Conta Ermelino de Leão que o poderoso Marquês de Pombal havia instruído seus prepostos no Brasil para criar novas povoações.
Coube ao ouvidor-geral de Paranaguá, Francisco Leandro de Toledo Rondon, por ordem de D. Luís de Sousa Mourão, o Morgado de Mateus, instalar a vila com a denominação CASTRO. O evento deu-se em 20 de janeiro de 1789 e a homenagem estava dirigida ao secretário dos Negócios Ultrama-rinhos do Reino de Portugal, Martinho de Melo e Castro.
Mas, o caráter e a personalidade do homenageado estavam remotos e ainda subordinados ao grande Marquês, assombro de genialidade e patriotismo.
Face a Portugal.
É conhecida a acentuada discórdia existente na época entre portugueses e brasileiros. O antagonismo chegava às raias do ódio.
Ciente disso e avaliando a questão com merecido cuidado, Pombal adotou engenhosa política harmonizadora, distinguindo os brasileiros e até nomeando-os para cargos públicos.
Entretanto, cai Pombal de repente do posto de pleno poder e nele é investido justamente o ministro homenageado, Martinho de Melo e Castro.
Deixa expandir, então, com a pressa de quem tem coisas engatadas na goela, a antipatia e a ojeriza guardadas pelos brasileiros, suprimindo a política de confraternização e inspirando dona Maria I — a Louca
— a ordenar aos mandatários da Colônia dAlém-mar que imprimissem toda sorte de opressões e afrontas ao pobre e desamparado povo.
Nessa época mandou-se fechar todas as fábricas e manufaturas no Brasil. A liberdade ficou reduzida a zero. E a conjuração mineira então que o diga! Com mesa de repasto do ministro português: a ele se deve o rigor das penas impostas aos inconfidentes e principalmente os requintes no espostejamento de Tiradentes. E coisas ainda do arco da velha, que este espaço me impede de contar.
E a cidade reverencia, certamente sem conhecer a verdade, a Martinho de Melo e Castro!
Admito que seja tarde para tomada de qualquer posição nesse sentido.
Nem é nem seria intenção deste modesto escriba sublevar o bom e progressista povo castrense depois de 204 anos de hábito continuo.
Entretanto, a meu ver, nenhum mal existe no fato de lembrar, como quem não quer nada, a posição marcante de Euclides Bandeira. "Pai do Jornalismo Paranaense", sobre o assunto, quando diz alto e bom som: "É preciso que do eterno poste, em cujo ápice Tiradentes teve a cabeça espetada, os olhos sonhadores do mártir não dividissem em nosso Estado uma cidade cujo nome é homenagem a Martinho de Melo e Castro.
Tiradentes tem direito a integral reparação histórica".
Valério Hoerner Júnior, da Academia Paranaense de letras.
* texto publicado em agosto de 1993.
Lembrança amarga
Valério Hoerner Júnior
O caminho aponta puxar o fio da História para uma rodada em tomo de infeliz bajoujice ocorrida às margens do Rio íapó, em passado distante já 204 anos.
Reavivar o assunto, porém, jamais significará de minha parte libelo contra a cidade ou contra os briosos e pacíficos castrenses, que na verdade, nada tiveram a ver com o fato. Têm a ver, sim, áulicos reverentes desejosos de homenagear um dos mais nefastos ministros portugueses da época do Brasil-colônia.
Os fatos: quando ainda freguesia, em 1769, a atual cidade de Castro foi transferida do Capão Alto para as margens do Rio Iapó. Conta Ermelino de Leão que o poderoso Marquês de Pombal havia instruído seus prepostos no Brasil para criar novas povoações.
Coube ao ouvidor-geral de Paranaguá, Francisco Leandro de Toledo Rondon, por ordem de D. Luís de Sousa Mourão, o Morgado de Mateus, instalar a vila com a denominação CASTRO. O evento deu-se em 20 de janeiro de 1789 e a homenagem estava dirigida ao secretário dos Negócios Ultrama-rinhos do Reino de Portugal, Martinho de Melo e Castro.
Mas, o caráter e a personalidade do homenageado estavam remotos e ainda subordinados ao grande Marquês, assombro de genialidade e patriotismo.
Face a Portugal.
É conhecida a acentuada discórdia existente na época entre portugueses e brasileiros. O antagonismo chegava às raias do ódio.
Ciente disso e avaliando a questão com merecido cuidado, Pombal adotou engenhosa política harmonizadora, distinguindo os brasileiros e até nomeando-os para cargos públicos.
Entretanto, cai Pombal de repente do posto de pleno poder e nele é investido justamente o ministro homenageado, Martinho de Melo e Castro.
Deixa expandir, então, com a pressa de quem tem coisas engatadas na goela, a antipatia e a ojeriza guardadas pelos brasileiros, suprimindo a política de confraternização e inspirando dona Maria I — a Louca
— a ordenar aos mandatários da Colônia dAlém-mar que imprimissem toda sorte de opressões e afrontas ao pobre e desamparado povo.
Nessa época mandou-se fechar todas as fábricas e manufaturas no Brasil. A liberdade ficou reduzida a zero. E a conjuração mineira então que o diga! Com mesa de repasto do ministro português: a ele se deve o rigor das penas impostas aos inconfidentes e principalmente os requintes no espostejamento de Tiradentes. E coisas ainda do arco da velha, que este espaço me impede de contar.
E a cidade reverencia, certamente sem conhecer a verdade, a Martinho de Melo e Castro!
Admito que seja tarde para tomada de qualquer posição nesse sentido.
Nem é nem seria intenção deste modesto escriba sublevar o bom e progressista povo castrense depois de 204 anos de hábito continuo.
Entretanto, a meu ver, nenhum mal existe no fato de lembrar, como quem não quer nada, a posição marcante de Euclides Bandeira. "Pai do Jornalismo Paranaense", sobre o assunto, quando diz alto e bom som: "É preciso que do eterno poste, em cujo ápice Tiradentes teve a cabeça espetada, os olhos sonhadores do mártir não dividissem em nosso Estado uma cidade cujo nome é homenagem a Martinho de Melo e Castro.
Tiradentes tem direito a integral reparação histórica".
Valério Hoerner Júnior, da Academia Paranaense de letras.
* texto publicado em agosto de 1993.
terça-feira, 3 de maio de 2016
Histórias do Paraná - Colonização à inglesa
Histórias do Paraná - Colonização à inglesa
Colonização à inglesa
Marcelo Oikawa
Foi com o mapa do Paraná sobre uma mesa de bilhar que Gastão de Mesquita Filho convenceu Lord Lovat a comprar as terras do norte do Estado. A cena, cinematográfica, aconteceu no salão de jogos da imponente sede da fazenda do Major Barbosa Ferraz, em Cambará. O inglês ficou deslumbrado quando o ilustre membro da família Mesquita, do jomal "O Estado de S. Paulo", mostrou que ele podia ter lucros de até mil por cento se comprasse as terras antes da passagem da estrada de ferro.
Tudo começou por volta de 1922. Pressionado por credores londrinos da nossa dívida externa, o governo de Arthur Bernardes concordou com a vinda da Missão Montagu para examinar a situação econômico-financeira do Brasil.
Lord Lovat vem como observador, mas particularmente interessado em encontrar terras propícias para a plantação de algodão.
Informada desse interesse, a Companhia Ferroviária São Paulo-Paraná publicou um anuncio de uma página no "Estadão" para chamar a atenção do inglês para as grandes possibilidades do Norte do Paraná. Lovat resolve conhecer a região e Mesquita Filho, engenheiro da companhia ferroviária, é incumbido de acompanhá-lo. A comitiva chegou a Cambará em janeiro 1924. A fazenda do Major Barbosa Ferraz é mostrada ao inglês: cinco mil alqueires formados por cafezais. Já na primeira noite na sede da fazenda, Mesquita interrompeu o jogo de bilhar após o jantar para estender sobre a mesa
o mapa com o traçado da ferrovia, que seria a espinha dorsal de um ambicioso plano de colonização. A idéia era convencer Lovat de que, ao invés de uma plantação de algodão, seria muito mais lucrativo colonizar a região, comprando-a preço de banana do Governo do Paraná e depois financiando a construção da ferrovia.
Naquele noite, Lovat descobriu que a área oferecida tinha o tamanho de metade do País de Gales e que a proposta era mais do que boa, pois na Inglaterra os bons negócios rendiam na base de cinco por cento ao ano.
Voltando a Inglaterra, Lord Lovat organizou imediatamente a Paraná Plantations Company e criou a subsidiária brasileira Companhia de Terras Norte do Paraná. E através dela comprou 1 milhão 316 mil e 480 hectares de mata fechada. O prazo de pagamento foi de 12 anos, sem correção, para que a dívida fosse paga com a venda dos lotes. O preço pago pelos ingleses foi de 8 mil réis o hectare o que correspondia à diária de um carpinteiro ou ao preço de cinco quilos de feijão.
Marcelo Oikawa, londrinese é jornalista.
Colonização à inglesa
Marcelo Oikawa
Foi com o mapa do Paraná sobre uma mesa de bilhar que Gastão de Mesquita Filho convenceu Lord Lovat a comprar as terras do norte do Estado. A cena, cinematográfica, aconteceu no salão de jogos da imponente sede da fazenda do Major Barbosa Ferraz, em Cambará. O inglês ficou deslumbrado quando o ilustre membro da família Mesquita, do jomal "O Estado de S. Paulo", mostrou que ele podia ter lucros de até mil por cento se comprasse as terras antes da passagem da estrada de ferro.
Tudo começou por volta de 1922. Pressionado por credores londrinos da nossa dívida externa, o governo de Arthur Bernardes concordou com a vinda da Missão Montagu para examinar a situação econômico-financeira do Brasil.
Lord Lovat vem como observador, mas particularmente interessado em encontrar terras propícias para a plantação de algodão.
Informada desse interesse, a Companhia Ferroviária São Paulo-Paraná publicou um anuncio de uma página no "Estadão" para chamar a atenção do inglês para as grandes possibilidades do Norte do Paraná. Lovat resolve conhecer a região e Mesquita Filho, engenheiro da companhia ferroviária, é incumbido de acompanhá-lo. A comitiva chegou a Cambará em janeiro 1924. A fazenda do Major Barbosa Ferraz é mostrada ao inglês: cinco mil alqueires formados por cafezais. Já na primeira noite na sede da fazenda, Mesquita interrompeu o jogo de bilhar após o jantar para estender sobre a mesa
o mapa com o traçado da ferrovia, que seria a espinha dorsal de um ambicioso plano de colonização. A idéia era convencer Lovat de que, ao invés de uma plantação de algodão, seria muito mais lucrativo colonizar a região, comprando-a preço de banana do Governo do Paraná e depois financiando a construção da ferrovia.
Naquele noite, Lovat descobriu que a área oferecida tinha o tamanho de metade do País de Gales e que a proposta era mais do que boa, pois na Inglaterra os bons negócios rendiam na base de cinco por cento ao ano.
Voltando a Inglaterra, Lord Lovat organizou imediatamente a Paraná Plantations Company e criou a subsidiária brasileira Companhia de Terras Norte do Paraná. E através dela comprou 1 milhão 316 mil e 480 hectares de mata fechada. O prazo de pagamento foi de 12 anos, sem correção, para que a dívida fosse paga com a venda dos lotes. O preço pago pelos ingleses foi de 8 mil réis o hectare o que correspondia à diária de um carpinteiro ou ao preço de cinco quilos de feijão.
Marcelo Oikawa, londrinese é jornalista.
segunda-feira, 2 de maio de 2016
Histórias do Paraná - O galanteador na fossa
Histórias do Paraná - O galanteador na fossa
O galanteador na fossa
Antônio Padilha
O vale do Ivaí teve sua fase áurea com o "rush" da cafeicultura entre os anos de 1956 e 1966. Gente de todos os pontos do País chegava ávida por trabalho e pelo enriquecimento rápido.
Pequenos povoados se transformaram em prósperas cidades como Faxinai, Borrazópolis, Jardim Alegre e Ivaiporã, entre outras.
Os moradores das áreas rurais dessas localidades eram visitados periodicamente por um mascate conhecido por Turquinho, que trazia de São Paulo as novidades para as donas-de-casa e moças casadouras.
Das malas abarrotadas saíam blusas, anáguas, calcinhas, sutians, perfumes, sabonetes, linhas, alfinetes, agulhas, novelos de renda, botões coloridos e diversas bugigangas.
Após cumprir seu roteiro, as malas ficavam leves; era o momento de promover a liquidação na zona do baixo meretrício mais próxima.
Os coronéis não pechinchavam e atendiam os pedidos das quengas com grande generosidade.
Com o passar dos anos, Turquinho adquiriu os hábitos e o linguajar típicos dos moradores, passando a usar expressões como "Oxente Brimo", "Sartei de Banda Tchê", "Arranquei Pena Brimo", tornou-se torcedor do Corinthians e apreciador de uma cachacinha, transformando-se no mais brasileiro dos turcos que apareceram na região.
Nos dias chuvosos, com as estradas intransitáveis, Turquinho matava o tempo em algum boteco contando casos pitorescos; principalmente de um picareta de terras conhecido por João do Rolo, um baiano metido a galã e conquistador que passou a assediar Adelaide, mulher do comerciante Tião Gaúcho.
Bastava o gauchaço sair com seu jeep 51 para fazer compras em Apucarana, quando ficava ausente por um ou dois dias, que, de imediato, João do Rolo se aproximava de Adelaide com seus galanteios.
Como boa comerciante, Adelaide levava na esportiva, mas, foi se cansando do assédio e decidiu deixar o marido a par da situação.
Juntos, tramaram um castigo para o picareta assanhado.
Ao ver Tião saindo para mais uma viagem, o garboso galã correu até a venda e começou a enaltecer os encantos de Adelaide.
Desta vez ficou surpreso e radiante de felicidade, quando a pretendida concordou em recebê-lo em casa, após o fechamento do estabelecimento às 21 horas.
No horário combinado, a porta estava entreaberta, a luz de vela dava um toque de sensualidade e um clima de pecado.
Adelaide, com uma garrafa de vinho e de dois copos, sorriu para João e começaram a conversar.
Passados menos de cinco minutos, ouve-se o jeep de Tião adentrando a garagem.
Desespero total; o galã não sabia o que fazer, pela frente não poderia sair, pelos fundos não havia saída.
Atende então a sugestão de Adelaide, pula a janela e corre para a privada do quintal, cujo assoalho havia sido retirado, e mergulha na fossa.
A trama dera certo.
Com todas as lâmpadas acesas, a polícia é chamada, João do Rolo gritando por socorro, curiosos se aglomeraram, os familiares de João chegaram envergonhados e ajudaram os policiais a tirá-lo do vexame.
Turquinho garante que o picareta foi de mala e cuia para o Mato Grosso, levando o cheiro insuportável da amarga aventura.
Mahamud Nagi Ibrahim, o Turquinho, em seu bar em Ivaiporã, conta casos memoráveis de uma época que deixou saudades.
Antônio Padilha, jornalista em Ivaiporã.
O galanteador na fossa
Antônio Padilha
O vale do Ivaí teve sua fase áurea com o "rush" da cafeicultura entre os anos de 1956 e 1966. Gente de todos os pontos do País chegava ávida por trabalho e pelo enriquecimento rápido.
Pequenos povoados se transformaram em prósperas cidades como Faxinai, Borrazópolis, Jardim Alegre e Ivaiporã, entre outras.
Os moradores das áreas rurais dessas localidades eram visitados periodicamente por um mascate conhecido por Turquinho, que trazia de São Paulo as novidades para as donas-de-casa e moças casadouras.
Das malas abarrotadas saíam blusas, anáguas, calcinhas, sutians, perfumes, sabonetes, linhas, alfinetes, agulhas, novelos de renda, botões coloridos e diversas bugigangas.
Após cumprir seu roteiro, as malas ficavam leves; era o momento de promover a liquidação na zona do baixo meretrício mais próxima.
Os coronéis não pechinchavam e atendiam os pedidos das quengas com grande generosidade.
Com o passar dos anos, Turquinho adquiriu os hábitos e o linguajar típicos dos moradores, passando a usar expressões como "Oxente Brimo", "Sartei de Banda Tchê", "Arranquei Pena Brimo", tornou-se torcedor do Corinthians e apreciador de uma cachacinha, transformando-se no mais brasileiro dos turcos que apareceram na região.
Nos dias chuvosos, com as estradas intransitáveis, Turquinho matava o tempo em algum boteco contando casos pitorescos; principalmente de um picareta de terras conhecido por João do Rolo, um baiano metido a galã e conquistador que passou a assediar Adelaide, mulher do comerciante Tião Gaúcho.
Bastava o gauchaço sair com seu jeep 51 para fazer compras em Apucarana, quando ficava ausente por um ou dois dias, que, de imediato, João do Rolo se aproximava de Adelaide com seus galanteios.
Como boa comerciante, Adelaide levava na esportiva, mas, foi se cansando do assédio e decidiu deixar o marido a par da situação.
Juntos, tramaram um castigo para o picareta assanhado.
Ao ver Tião saindo para mais uma viagem, o garboso galã correu até a venda e começou a enaltecer os encantos de Adelaide.
Desta vez ficou surpreso e radiante de felicidade, quando a pretendida concordou em recebê-lo em casa, após o fechamento do estabelecimento às 21 horas.
No horário combinado, a porta estava entreaberta, a luz de vela dava um toque de sensualidade e um clima de pecado.
Adelaide, com uma garrafa de vinho e de dois copos, sorriu para João e começaram a conversar.
Passados menos de cinco minutos, ouve-se o jeep de Tião adentrando a garagem.
Desespero total; o galã não sabia o que fazer, pela frente não poderia sair, pelos fundos não havia saída.
Atende então a sugestão de Adelaide, pula a janela e corre para a privada do quintal, cujo assoalho havia sido retirado, e mergulha na fossa.
A trama dera certo.
Com todas as lâmpadas acesas, a polícia é chamada, João do Rolo gritando por socorro, curiosos se aglomeraram, os familiares de João chegaram envergonhados e ajudaram os policiais a tirá-lo do vexame.
Turquinho garante que o picareta foi de mala e cuia para o Mato Grosso, levando o cheiro insuportável da amarga aventura.
Mahamud Nagi Ibrahim, o Turquinho, em seu bar em Ivaiporã, conta casos memoráveis de uma época que deixou saudades.
Antônio Padilha, jornalista em Ivaiporã.
Assinar:
Postagens (Atom)