quarta-feira, 20 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Carne seca e diabo loiro

Histórias do Paraná - Carne seca e diabo loiro

Carne seca e diabo loiro
Ruth Bolognese

Há 30 anos, quem mais aterrorizava a população do Norte do Paraná, depois das geadas, eram dois homens.
Juntos, eles fizeram a própria história, através de crimes ousados e sangrentos.
Ou, pelo menos assim eram na imaginação das mulheres e crianças daquelas pequenas cidades que surgiam junto com os primeiros pés de café.
Um, por ser magro e alto, recebeu o apelido de "Carne Seca" e o outro, certamente pela cor dos cabelos, era chamado de "Diabo Loiro". Numa madrugada, os dois invadiram o quarto da moça que lia fotonovela, descuidada, com a janela aberta. A violência a que a moça foi submetida deve ter sido tão grande que a minha pouca idade não recomendou descrições, ou maiores detalhes. Não tão escabrosos, porém, quanto aqueles criados pela minha própria fantasia.
Outra vez, colocaram troncos de madeira numa estrada e conseguiram pegar um motorista de caminhão.
Isso me contaram: o motorista foi achado morto, com uma estaca cravada no coração Do caminhão, nem sinal.
"Carne Seca" e "Diabo Loiro" não perdoavam ninguém.
Crianças, velhinhas, senhoras, quem denunciasse alguma pista para a polícia entrava para a lista negra. E, mais dia, menos dia, teria que se explicar para a dupla.
Ardilosos, eles empilhavam caixas de sapatos, embrulhadas em papel de presente, no meio da estrada.
Os motoristas pa-ravam, curiosos, e lá estavam os bandidos.
Noites e noites minha mãe vigiava portas e janelas, olhando pelas frestas, ora esperando meu pai, que sempre chegava tarde, ora espreitando as ruas escuras de Mandaguaçú, morrendo de medo de enxergar o "Carne Seca".
E, por duas vezes, estivemos bem perto de encarar os dois.
Era tarde da noite e bateram na porta.
Minha avó, uma italiana com a coragem de quem tinha criado sete filhos sozinha, pegou um pedaço de lenha, foi para perto da porta e perguntou: "Quem é? É o Carne Seca?" Uma voz de homem respondeu:
- "Não". Minha mãe, apavorada, encolhida num canto da cozinha, não teve dúvidas — "Minha Nossa Senhora, então é o Diabo Loiro". Era apenas o vizinho querendo emprestar fósforos.
Outra vez, eles estiveram bem perto, de verdade.
Perseguidos pelapolícia, pularam a cerca da casa da Tia Vitória, 76 anos, sem ninguém saber, Na correria, derrubaram um cacho de bananas na varanda, agarraram algumas frutas e desapareceram.
Tia Vitória, meio surda, nada sofreu e nem prestou muita atenção na barulheira. Só reclamou das bananas amassadas que sujaram o ladrilho vermelho.
No desespero de proteger os netos, minha avó achou um jeito, meio discutível, é verdade, para enfrentar perigo tão grande.
Pendurou baldes e panelas nas portas e janelas e, se algum bandido ousasse entrar, pronto, a gente ouvia o barulho. A família passou a dormir tranqüila e segura.
Assim, com atitudes tão prosaicas, a população daquelas veredas do Norte do Paraná se defendeu durante meses dos ataques do "Carne Seca" e do "Diabo Loiro".
Com o tempo, a dupla de bandidos sanguinários desapareceu da região.
Muito mais tarde, eu soube que "Carne Seca" cumpria pena na Penitenciária Central do Estado, em Piraquara. E do "Diabo Loiro", nem notícia.

Ruth Bolognese é jornalista.


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