Histórias do Paraná - Enfim, no mapa
Enfim, no mapa
Acir Rachid
Ter nascido e residido em Campo do Tenente teve vantagem e decepções.
Uma infância tranqüila, férias escolares divertidas, convivência com pessoas dignas e honestas sempre nos trouxeram agradáveis recordações.
Mas explicar aos colegas do ginásio, em Curitiba, onde se localizava a nossa terra natal e qual a sua importância, era freqüente motivo de chacota. Não conseguíamos sequer provar a sua natureza geográfica, porque era um distrito do município de Rio Negro, e não constava daqueles mapas que eram mostrados na Geografia.
De tanto ser espicaçados por este anonimato incômodo, fomos aprendendo a nos defender, até mesmo depois de adultos, procurando valorizar algumas facetas pouco conhecidas do lugar, mesmo dos tenentianos.
Feitos como estes:
De 1925 a 1940, lá esteve instalada a maior indústria de extração e beneficiamento de madeira do Paraná e talvez do Brasil.
Era a firma Henrique Stahlke e Filhos. E foi exatamente nesta indústria que se observou a primeira greve de operários, nos anos 30, após a demissão de dezenas de trabalhadores idosos. Não havia indenização obrigatória por lei e os patrões queriam somente escriturar as casas onde já moravam os operários. A solidariedade foi total, inclusive com o apoio moral da população e repercussão na imprensa.
Um aspecto notável é que, no ano de 1928, foi construído lá o primeiro avião brasileiro.
Tendo aportado na cidade um ex-combatente ou mecânico da guerra de 14-18, sensibilizou o patrão Stahlke, que importou da Alemanha um motor de avião e, com isto, o aventureiro foi fabricando sua aeronave, com grande curiosidade dos habitantes locais, principalmente as crianças que toda a tarde iam assistir o progresso da construção.
Parece-nos que o avião chegou mesmo a fazer umas tentativas de vôo rasante. A decolagem oficial estava marcada para a data em que o Presidente do Estado, Affonso Camargo, deveria comparecer às festividades do centenário de Rio Negro. O avião acompanharia, pelo céu, a composição ferroviária que passava pelo local.
Quatro dias antes do evento, porém, o esperto sumiu da cidade, deixando uma grande frustração.
Depois de adultos, descobrimos outras habilidades dos tenentianos.
Cada vez que os adversários diziam que o que lá prestava eram só as coxinhas do D'Amico, retribuíamos que a melhor relação entre Diplomatas/Professores Universitários era nossa.
Para espanto da maioria, mostrávamos que, entre os dez tenentianos possuidores de diploma universitário, nove eram professores de ensino superior, todos da área médica.
A lista inclui Hamilton Córdova, Oton Ferraz Filho, Lídio Jair Centa, Henrique Stahlke Neto e mais o autor destas linhas, todos professores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná; Ataliba Moreira e Narciso Grein Filho, professores da Faculdade de Odontologia da UFPR, Nélio Centa, professor da Faculdade de Medicina da PUC-PR; e Maria de Lourdes Centa, professora do curso de Enfermagem da UFPR.
Aos detratores só restava comentar o pequeno número de diplomados de Campo do Tenente... (A falta de registro histórico, aliás, não sabíamos quem teria sido esse Tenente).
Em todo o caso, chegou o dia em que Campo do Tenente foi desmembrado de Rio Negro, virou município, elegeu prefeito.
Foi em 1961. A partir daí, teríamos um motivo de chacota a menos.
Quem primeiro reparou foi nosso velho amigo de becaria na seleção universitária e na equipe de futebol de Rio Negro, o festejado advogado Reinaldo Dacheux Pereira.
Num encontro na Rua XV, ele nos contou, efusivamente, a notícia da emancipação do município e comentou: ‘Adr, Campo do Tenente agora está no mapa... "
Acir Rachid, médico e professor da Universidade Federal do Paraná
domingo, 31 de agosto de 2014
sábado, 30 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - Dia da raça
Histórias do Paraná - Dia da raça
Dia da raça
Luiz Spinato Ribeiro
Há meio século, a pequena Curitiba se encontrava nas esquinas.
Praticamente todos se conheciam e o tema, na época, obviamente era a
II Guerra que tinha "capturado" nossos pracinhas da FEB (Força Expedicionária Brasileira). Manoel Ribas - o Manéco Facão - governava o Estado com autoridade e austeridade. E neste país de tantos feriados, havia um, decifrável pelo regime vigente e ambíguo: enviara soldados para combater ao lado dos aliados, mas tinha cores internas ditatoriais.
Esse feriado era o "Dia da Raça", comemorado a 4 de setembro.
Nesse dia, desfiles cívicos tentaram confirmar a "brasilidade".
Em 4 de setembro de 1943 ou
1944, me falha a memória, quase dois mil alunos do Colégio Estadual do Paraná, quase todos de classe média remediada ou quase pobres, calças azuis e camisas brancas, fecharam o desfile do "Dia da Raça". Seguiam a brava rapaziada do Colégio Santa Maria, freqüentado pela então fina flor da sociedade curitibana, com seus uniformes semelhantes ao dos militares, quepes coloridos, polainas, botões dourados.
O desfile era notícia de primeira página nos jornais. E a "Gazeta" não perdoou.
Na linguagem dos repórteres, "deu um pau" no desfile do Colégio Estadual.
Ao chegar no colégio no dia seguinte, notei um revoltoso burburinho contra a "Gazeta do Povo". Resultado: decidiu-se pelo empastelamento do jornal, que funcionava na Rua XV, entre a Mosenhor Celso e a Marechal Floriano. O colégio inteiro reuniu-se na Praça Santos Andrade e, em marcha batida, rumou para a sede do jornal.
Na esquina da Monsenhor Celso com a Rua XV, a massa foi contida por um homem de cabelos brancos, voz forte e decidido, que berrou: - "Sigam-me!" Era o professor Francisco José Gomes Ribeiro que, liderou a massa de imberbes rumo ao Colégio Estadual, localizado na época na Rua Ébano Pereira — onde é hoje a Secretaria da Cultura.
Encerrou os alunos no auditório e passou um sonoro sabão nos "agitadores", lembrando que na democracia a liberdade de crítica, a liberdade de imprensa é fundamental.
Empastelar (fechar) um jornal é como rasgar a Constituição, apunhalar a cidadania. E estávamos sob a ditadura de Vargas.
O homem de cabelos brancos tinha sabedoria.
Durante mais de uma década dirigiu o Colégio Estadual.
Era meu pai.
Luiz Spinato Ribeiro, engenheiro
Dia da raça
Luiz Spinato Ribeiro
Há meio século, a pequena Curitiba se encontrava nas esquinas.
Praticamente todos se conheciam e o tema, na época, obviamente era a
II Guerra que tinha "capturado" nossos pracinhas da FEB (Força Expedicionária Brasileira). Manoel Ribas - o Manéco Facão - governava o Estado com autoridade e austeridade. E neste país de tantos feriados, havia um, decifrável pelo regime vigente e ambíguo: enviara soldados para combater ao lado dos aliados, mas tinha cores internas ditatoriais.
Esse feriado era o "Dia da Raça", comemorado a 4 de setembro.
Nesse dia, desfiles cívicos tentaram confirmar a "brasilidade".
Em 4 de setembro de 1943 ou
1944, me falha a memória, quase dois mil alunos do Colégio Estadual do Paraná, quase todos de classe média remediada ou quase pobres, calças azuis e camisas brancas, fecharam o desfile do "Dia da Raça". Seguiam a brava rapaziada do Colégio Santa Maria, freqüentado pela então fina flor da sociedade curitibana, com seus uniformes semelhantes ao dos militares, quepes coloridos, polainas, botões dourados.
O desfile era notícia de primeira página nos jornais. E a "Gazeta" não perdoou.
Na linguagem dos repórteres, "deu um pau" no desfile do Colégio Estadual.
Ao chegar no colégio no dia seguinte, notei um revoltoso burburinho contra a "Gazeta do Povo". Resultado: decidiu-se pelo empastelamento do jornal, que funcionava na Rua XV, entre a Mosenhor Celso e a Marechal Floriano. O colégio inteiro reuniu-se na Praça Santos Andrade e, em marcha batida, rumou para a sede do jornal.
Na esquina da Monsenhor Celso com a Rua XV, a massa foi contida por um homem de cabelos brancos, voz forte e decidido, que berrou: - "Sigam-me!" Era o professor Francisco José Gomes Ribeiro que, liderou a massa de imberbes rumo ao Colégio Estadual, localizado na época na Rua Ébano Pereira — onde é hoje a Secretaria da Cultura.
Encerrou os alunos no auditório e passou um sonoro sabão nos "agitadores", lembrando que na democracia a liberdade de crítica, a liberdade de imprensa é fundamental.
Empastelar (fechar) um jornal é como rasgar a Constituição, apunhalar a cidadania. E estávamos sob a ditadura de Vargas.
O homem de cabelos brancos tinha sabedoria.
Durante mais de uma década dirigiu o Colégio Estadual.
Era meu pai.
Luiz Spinato Ribeiro, engenheiro
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - Rio do Mello
Histórias do Paraná - Rio do Mello
Rio do Mello
Luiz Romaguera Neto
Quase um século nos separa dos dias fraticidas, no dizer do Marechal Bormann, em "Dias Fraticidas", vividos por nossos ascendentes no decorrer de Revolução Federalista.
Alguns historiadores escreveram sobre o assunto. Há livros, não muito lidos, que relatam os fatos vividos.
Entre as histórias que se contam, conto uma.
Como a resistência imposta à tropa federalista na Lapa, correu em União da Vitória a notícia que o Oficial da Marinha Pio Toreli ali vivia para levar os vapores para Rio Negro, preparando, assim, a fuga do General Piragibe para o sul.
Aquele oficial voltara a Rio Negro, mas seus companheiros, bandidos desqualificados, praticaram atos atrozes.
No vapor que os conduziu pelo rio Iguaçu, iam presos o polaco Bernardino Kokrane e os brasileiros Fernando Marques, o velho octogenário de nome Portes, Lícinio de Mello e Isidoro José Barbosa, legalistas.
Ao velho Portes, morador do sítio Roseira e tido como homem rico, foi proposto resgatar sua vida por dez contos de réis. O preso declarou não ter essa quantia.
Então lhe disseram que seria liquidado, ao que estoicamente respondeu: - "O homem nasceu para morrer." A faca sicária entrou em ação. O velho, espadanando-se, salpicou com seu sangue para sempre a consciência de seus assassinos.
Anacleto era o nome do carrasco; e, com este, já eram 48 as suas vítimas.
Os outros presos, vendo que suas vidas nada prestavam naquela situação, recorreram ao Sr. Joaquim Luiz Gomes dos Santos (Nhoca), que também fazia parte do grupo, e que, homem bom e generoso, não concordava com a barbaridade que acabara de presenciar.
No dia seguinte, o cidadão Abel Caim de Souza e Lima lavrou enérgico protesto contra o miserável crime.
Pagou com sua própria vida.
Nessas condições, lembrando-se do prometido aos outros presos pelo Nhoca, Lavrador, chefe revolucionário ali presente, pôs fim às barbaridades, deu um basta aos si-cários.
Essa gente não queria protesto; só aceitava silêncio ou francos aplausos.
Os protestos provocaram suspeitas; estas, as degolas.
Pouco depois daqueles crimes cometidos e com os presos já entregues, voltavam os assassinos a bordo do navio Potinga, quando foram interceptados pelo tenente Francisco Bacelar.
Este meteu a pique o vapor que os conduzia e varou o peito de Anacleto à bala.
Fez justiça.
Curioso o que ocorreu com Licínio Mello.
Vinha de Itapetininga para o Paraná e, ao ser perseguido pelos revoltosos, pensou tratar-se de outras pessoas com as quais já tinha rixa e que o procuravam.
Disse cha-mar-se Lícinio de Oliveira Dias.
Essa mudança ocorreu de combinação com seus irmãos.
Quando vinha de São Paulo, na travessia de um rio que tinha o nome de rio do Melo ou do Mello, trataram entre si que, se fossem interpelados, dariam esse sobrenome para não serem reconhecidos.
Por certo, apavorado com os acontecimentos, não hesitou em dar o nome trocado, que acabou usando para toda vida, passando também a seus descendentes.
Hoje, ao lembrarmos os anacletos daqueles tempos, ficamos a pensar em quanto é curta a nossa memória e quão pouco sabemos da nossa história, mesmo aquela ocorrida nos arredores de nossa cidade.
Luiz Romaguera Neto, membro do Instituto Histórico Geográfico e Etnográfico do Paraná
Rio do Mello
Luiz Romaguera Neto
Quase um século nos separa dos dias fraticidas, no dizer do Marechal Bormann, em "Dias Fraticidas", vividos por nossos ascendentes no decorrer de Revolução Federalista.
Alguns historiadores escreveram sobre o assunto. Há livros, não muito lidos, que relatam os fatos vividos.
Entre as histórias que se contam, conto uma.
Como a resistência imposta à tropa federalista na Lapa, correu em União da Vitória a notícia que o Oficial da Marinha Pio Toreli ali vivia para levar os vapores para Rio Negro, preparando, assim, a fuga do General Piragibe para o sul.
Aquele oficial voltara a Rio Negro, mas seus companheiros, bandidos desqualificados, praticaram atos atrozes.
No vapor que os conduziu pelo rio Iguaçu, iam presos o polaco Bernardino Kokrane e os brasileiros Fernando Marques, o velho octogenário de nome Portes, Lícinio de Mello e Isidoro José Barbosa, legalistas.
Ao velho Portes, morador do sítio Roseira e tido como homem rico, foi proposto resgatar sua vida por dez contos de réis. O preso declarou não ter essa quantia.
Então lhe disseram que seria liquidado, ao que estoicamente respondeu: - "O homem nasceu para morrer." A faca sicária entrou em ação. O velho, espadanando-se, salpicou com seu sangue para sempre a consciência de seus assassinos.
Anacleto era o nome do carrasco; e, com este, já eram 48 as suas vítimas.
Os outros presos, vendo que suas vidas nada prestavam naquela situação, recorreram ao Sr. Joaquim Luiz Gomes dos Santos (Nhoca), que também fazia parte do grupo, e que, homem bom e generoso, não concordava com a barbaridade que acabara de presenciar.
No dia seguinte, o cidadão Abel Caim de Souza e Lima lavrou enérgico protesto contra o miserável crime.
Pagou com sua própria vida.
Nessas condições, lembrando-se do prometido aos outros presos pelo Nhoca, Lavrador, chefe revolucionário ali presente, pôs fim às barbaridades, deu um basta aos si-cários.
Essa gente não queria protesto; só aceitava silêncio ou francos aplausos.
Os protestos provocaram suspeitas; estas, as degolas.
Pouco depois daqueles crimes cometidos e com os presos já entregues, voltavam os assassinos a bordo do navio Potinga, quando foram interceptados pelo tenente Francisco Bacelar.
Este meteu a pique o vapor que os conduzia e varou o peito de Anacleto à bala.
Fez justiça.
Curioso o que ocorreu com Licínio Mello.
Vinha de Itapetininga para o Paraná e, ao ser perseguido pelos revoltosos, pensou tratar-se de outras pessoas com as quais já tinha rixa e que o procuravam.
Disse cha-mar-se Lícinio de Oliveira Dias.
Essa mudança ocorreu de combinação com seus irmãos.
Quando vinha de São Paulo, na travessia de um rio que tinha o nome de rio do Melo ou do Mello, trataram entre si que, se fossem interpelados, dariam esse sobrenome para não serem reconhecidos.
Por certo, apavorado com os acontecimentos, não hesitou em dar o nome trocado, que acabou usando para toda vida, passando também a seus descendentes.
Hoje, ao lembrarmos os anacletos daqueles tempos, ficamos a pensar em quanto é curta a nossa memória e quão pouco sabemos da nossa história, mesmo aquela ocorrida nos arredores de nossa cidade.
Luiz Romaguera Neto, membro do Instituto Histórico Geográfico e Etnográfico do Paraná
quinta-feira, 28 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - Eneida e Itaipu
Histórias do Paraná - Eneida e Itaipu
Eneida e Itaipu
Hélio Teixeira
Durante mais de uma década
- entre 1972 e 1984 - as barrancas do rio Paraná foram quase um quintal para belas reportagens sobre o andamento de construção de Itaipu.
No período, exerci a chefia da sucursal curitibana de "Veja" (quem trabalhou na ‘Veja" acostumou-se — e não sei porque razão - ser "de" e não "dá" Veja) e tive a oportunidade e a felicidade jornalística de acompanhar quase como um peão todas as fases do grande projeto.
Inclusive as indecifráveis reuniões tripartites, onde espoucavam os conflitos de interesse do Brasil, Argentina e Paraguai em relação ao aproveitamento hidrelétrico do "Paranazão".
Na época, testemunhei os generais brasileiros que ocupavam o Palácio do Planalto invariavelmente irem se encontrar com um mesmo general paraguaio (Alfredo Stroessner) em solenidades na Ponte da Amizade.
Assim foi com Médici, Geisel e Figueiredo, todos paparicando a velha amizade brasi-leiro-paraguaia, como se não estivesse em jogo bilhões de dólares em energia que seria produzida por Itaipu.
Nesse jogo político-econômico, pelo jeito, os paraguaios se julgam prejudicados, porque até hoje querem rever o acordo bi-nacional, embora a dívida de Itaipu com empréstimos externos e internos seja um ônus verde-amarelo.
Mas essa é outra questão.
Pelo seu cenário gigantesco, Itaipu ofereceu uma diversificada e infindável relação de matérias jornalísticas. O numero de operários suplantavam a população de boa parte das cidades brasileiras, o reservatório de quase 200km de extensão se comparava à baia de Guanabara, o volume de concreto significava não sei quantos Maracanãs. E por ai corriam as águas do ‘Taranazão" antes de serem bloqueadas pela barreira de ferro, aço e cimento.
Na primeira vez que lá estive, em 1972, deparei com alguns solitários homens de capacetes realizando sondagens geológicas diante da pedra chamada pelos guaranis de Itaipu (pedra cantante). Enquanto generais, técnicos e políticos tentavam se entender, esses homens já começaram a avançar sobre o que seria a maior hidrelétrica do mundo. E Foz do Iguaçu? Foz tinha seus 25 mil habitante, poeirenta, modorenta, ensolarada, muito diferente da ma-luquice de hoje dos mochileiros ou de ontem com milhares de peões ou barrageiros.
Fui para descrever como seria o futuro da cidade e da região, como se tivesse bola de cristal. O que vi e ouvi foram narrativas em cima de vastos cronogramas, mapas contorcionistas e indecifráveis, mas tudo prevendo a exploração daquela região da fronteira. O que se revelou uma verdade verdadeira.
Quem não acreditou nas antevisões foi Eneida, uma jovem manceba que dominava com suas saias curtas e blusas decotadas os salões da buate "Neocid" (é, Neocid com o inseticida). Ela achou inacreditável a história ouvida dos primeiros funcionários da binacional que foram avisar às hospedes da "Neocid" da necessidade de se prepararem para deixar o local, porque ali nasceria um enorme supermercado da Cobal.
Sem a luz néon que disfarçava rugas e vari-zes, Eneida disparou:
- "Mas seu moço, aqui o pessoal vem comer outras coisas".
Helio Teixeira, jornalista
Eneida e Itaipu
Hélio Teixeira
Durante mais de uma década
- entre 1972 e 1984 - as barrancas do rio Paraná foram quase um quintal para belas reportagens sobre o andamento de construção de Itaipu.
No período, exerci a chefia da sucursal curitibana de "Veja" (quem trabalhou na ‘Veja" acostumou-se — e não sei porque razão - ser "de" e não "dá" Veja) e tive a oportunidade e a felicidade jornalística de acompanhar quase como um peão todas as fases do grande projeto.
Inclusive as indecifráveis reuniões tripartites, onde espoucavam os conflitos de interesse do Brasil, Argentina e Paraguai em relação ao aproveitamento hidrelétrico do "Paranazão".
Na época, testemunhei os generais brasileiros que ocupavam o Palácio do Planalto invariavelmente irem se encontrar com um mesmo general paraguaio (Alfredo Stroessner) em solenidades na Ponte da Amizade.
Assim foi com Médici, Geisel e Figueiredo, todos paparicando a velha amizade brasi-leiro-paraguaia, como se não estivesse em jogo bilhões de dólares em energia que seria produzida por Itaipu.
Nesse jogo político-econômico, pelo jeito, os paraguaios se julgam prejudicados, porque até hoje querem rever o acordo bi-nacional, embora a dívida de Itaipu com empréstimos externos e internos seja um ônus verde-amarelo.
Mas essa é outra questão.
Pelo seu cenário gigantesco, Itaipu ofereceu uma diversificada e infindável relação de matérias jornalísticas. O numero de operários suplantavam a população de boa parte das cidades brasileiras, o reservatório de quase 200km de extensão se comparava à baia de Guanabara, o volume de concreto significava não sei quantos Maracanãs. E por ai corriam as águas do ‘Taranazão" antes de serem bloqueadas pela barreira de ferro, aço e cimento.
Na primeira vez que lá estive, em 1972, deparei com alguns solitários homens de capacetes realizando sondagens geológicas diante da pedra chamada pelos guaranis de Itaipu (pedra cantante). Enquanto generais, técnicos e políticos tentavam se entender, esses homens já começaram a avançar sobre o que seria a maior hidrelétrica do mundo. E Foz do Iguaçu? Foz tinha seus 25 mil habitante, poeirenta, modorenta, ensolarada, muito diferente da ma-luquice de hoje dos mochileiros ou de ontem com milhares de peões ou barrageiros.
Fui para descrever como seria o futuro da cidade e da região, como se tivesse bola de cristal. O que vi e ouvi foram narrativas em cima de vastos cronogramas, mapas contorcionistas e indecifráveis, mas tudo prevendo a exploração daquela região da fronteira. O que se revelou uma verdade verdadeira.
Quem não acreditou nas antevisões foi Eneida, uma jovem manceba que dominava com suas saias curtas e blusas decotadas os salões da buate "Neocid" (é, Neocid com o inseticida). Ela achou inacreditável a história ouvida dos primeiros funcionários da binacional que foram avisar às hospedes da "Neocid" da necessidade de se prepararem para deixar o local, porque ali nasceria um enorme supermercado da Cobal.
Sem a luz néon que disfarçava rugas e vari-zes, Eneida disparou:
- "Mas seu moço, aqui o pessoal vem comer outras coisas".
Helio Teixeira, jornalista
quarta-feira, 27 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - D. Redro II na Lapa
Histórias do Paraná - D. Redro II na Lapa
D. Redro II na Lapa
Sérgio A. Leoni
O dia 31 de maio de 1880, uma segunda-feira, passaria a ser histórico para a Lapa, conforme descreveu José Saboya Cortes em artigo publicado em dezembro de 1925 na Gazeta do Povo.
Naquela data, às 18h30, depois de muita expectativa e providências por parte da comunidade, chegaram D. Pedro II, a imperatriz Dona Tereza Cristina e sua grande comitiva que, além de várias damas, de honor e camareiras, compunha-se ainda de muitas personalidades ilustres.
Hospedaram-se no solar de David dos Santos Pacheco (depois Barão dos Campos Gerais), que para solenizar o acontecimento alforriou todos os seus escravos, antecipando-se de 8 anos à própria Lei Áurea e tornando-se, portanto, pioneiro da Liberdade no Paraná.
A cidade estava em festa, sinos repicaram, foguetes estrugiram, as ruas estavam tapisadas de folhas de laranjeiras, ornamentadas de pinheiros e bandeiras imperiais.
As janelas engalanadas de finíssimas colchas, de onde pendiam as tradicionais lanternas triangulares coloridas.
Pela manhã, bem cedo, os Monarcas e a comitiva foram assistir a missa festiva na igreja matriz, engalanada pelo Pe. Ignácio de Almeida Faria, e repleta de povo.
Depois visitaram o Campo Santo; o Theatro São João; o correio; a escola do mestre Pedro Fortunato de Magalhães; a escola da mestra Rita Idalina de Carvalho e a casa de Câmara e Cadeia.
Na cadeia, o Imperador ouviu os presos e, atendendo o pedido da menina Eudóxia Westphalen, solicitou os documentos do criminoso Francisco Mafaldo, condenado a galés perpétua, para que fosse perdoado.
Esse seu gesto e bondade ficou célebre e o preso, que tinha bom comportamento, foi mais tarde realmente perdoado pela Princesa Izabel.
O de junho — encontrava-se o Imperador na porta da casa do Barão, cercado de sua brilhante comitiva e, conforme contavam os antigos, ocorreu o seguinte episódio:
Aproximou-se um velho alemão muito alto, espadaúdo.
Simpático que era e, imponente pela sua elevada estatura, chamou logo a atenção imperial.
Num ato de admirável simplicidade, o Imperador, esquecendo o protocolo, desceu a calçada e foi encontrar o velho, que se chamava Guilherme Scharneweber. E só então o Imperador ficou sabendo, com grande emoção e alegria, que Guilherme viera jovem na comitiva da sua Imperatriz Mãe, a austríaca Dna.
Maria Leopoldina, e pertencera à Guarda Imperial de D. Pedro I, tendo muitas vezes pajeado o Imperador Menino, nas suas folgas pelo Paço da Boa Vista. E sabendo disso,
D. Pedro abraçou e beijou o velho Guilherme, recolhendo-o na sala do Barão, onde conversaram durante longo tempo em língua alemã.
Dizem que, daí em diante, Scharneweber subiu no conceito geral, sendo admirando e até invejado por muitos...
Sergio A. Leoni, ex-prefeito da Lapa
D. Redro II na Lapa
Sérgio A. Leoni
O dia 31 de maio de 1880, uma segunda-feira, passaria a ser histórico para a Lapa, conforme descreveu José Saboya Cortes em artigo publicado em dezembro de 1925 na Gazeta do Povo.
Naquela data, às 18h30, depois de muita expectativa e providências por parte da comunidade, chegaram D. Pedro II, a imperatriz Dona Tereza Cristina e sua grande comitiva que, além de várias damas, de honor e camareiras, compunha-se ainda de muitas personalidades ilustres.
Hospedaram-se no solar de David dos Santos Pacheco (depois Barão dos Campos Gerais), que para solenizar o acontecimento alforriou todos os seus escravos, antecipando-se de 8 anos à própria Lei Áurea e tornando-se, portanto, pioneiro da Liberdade no Paraná.
A cidade estava em festa, sinos repicaram, foguetes estrugiram, as ruas estavam tapisadas de folhas de laranjeiras, ornamentadas de pinheiros e bandeiras imperiais.
As janelas engalanadas de finíssimas colchas, de onde pendiam as tradicionais lanternas triangulares coloridas.
Pela manhã, bem cedo, os Monarcas e a comitiva foram assistir a missa festiva na igreja matriz, engalanada pelo Pe. Ignácio de Almeida Faria, e repleta de povo.
Depois visitaram o Campo Santo; o Theatro São João; o correio; a escola do mestre Pedro Fortunato de Magalhães; a escola da mestra Rita Idalina de Carvalho e a casa de Câmara e Cadeia.
Na cadeia, o Imperador ouviu os presos e, atendendo o pedido da menina Eudóxia Westphalen, solicitou os documentos do criminoso Francisco Mafaldo, condenado a galés perpétua, para que fosse perdoado.
Esse seu gesto e bondade ficou célebre e o preso, que tinha bom comportamento, foi mais tarde realmente perdoado pela Princesa Izabel.
O de junho — encontrava-se o Imperador na porta da casa do Barão, cercado de sua brilhante comitiva e, conforme contavam os antigos, ocorreu o seguinte episódio:
Aproximou-se um velho alemão muito alto, espadaúdo.
Simpático que era e, imponente pela sua elevada estatura, chamou logo a atenção imperial.
Num ato de admirável simplicidade, o Imperador, esquecendo o protocolo, desceu a calçada e foi encontrar o velho, que se chamava Guilherme Scharneweber. E só então o Imperador ficou sabendo, com grande emoção e alegria, que Guilherme viera jovem na comitiva da sua Imperatriz Mãe, a austríaca Dna.
Maria Leopoldina, e pertencera à Guarda Imperial de D. Pedro I, tendo muitas vezes pajeado o Imperador Menino, nas suas folgas pelo Paço da Boa Vista. E sabendo disso,
D. Pedro abraçou e beijou o velho Guilherme, recolhendo-o na sala do Barão, onde conversaram durante longo tempo em língua alemã.
Dizem que, daí em diante, Scharneweber subiu no conceito geral, sendo admirando e até invejado por muitos...
Sergio A. Leoni, ex-prefeito da Lapa
terça-feira, 26 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - O sino da igrejinha
Histórias do Paraná - O sino da igrejinha
O sino da igrejinha
Flora Munhoz da Rocha
Lembro de quando, por uns tempos, o Souza freqüentou a roda de chimarrão lá de casa aos domingos, onde conversa de política fora uma constante.
Era ano de eleições e o Souza, picado pela mosca azul, decidira candidatar-se a deputado.
Bento foi claro — campanha de marinheiro de primeira viagem sem reduto eleitoral consistia em trabalho redobrado mas, de coração desejava-lhe boa sorte.
Souza comprou um jeep.
Planejou mapas, itinerários.
Planejou palavreado, promessas e saiu estradas a fora, atras de redutos inexplorados, cumprindo a árdua missão que se impusera de angariar votos.
Mãos firmes no guidão, Souza ia ruminando conjeturas.
Reconhecia sua temeridade na disputa.
Sem eleitorado, sem apadrinhamento, a competição era rixa renhida.
Ainda bem que dinheiro não era problema, tinha indústria florescente.
Pensamentos se desenrolando avistou um lugarejo.
Souza diminuiu a marcha. O vilarejo não lhe pareceu trabalhado por nenhum candidato. Não eram visíveis cartazes, nem placas.
Fez rápido cálculo baseando-se no número de telhados. O primeiro contato seria com o padre, que em povoados é a força maior.
Souza atravessou o terreiro estalando as folhas secas desprendidas pela última ventania.
Um cheiro morno de eucalipto se desprendia do seu pisar. O padre, acomodado na varanda respirava o verde da sua plantação.
Apresentou-se.
Sem coragem de abordar diretamente, perguntou se o Sr. vigário tinha preferência por algum candidato. O padre limitou-se a erguer os ombros, mas quando soube que estava diante de um deles, revigorou-se.
Sabia de como visita de candidato sempre rendeu alguma coisa para sua igreja.
Trocaram sorrisinhos e Souza, após valorizar-se devidamente, perguntou se a igreja não estava precisando de nada. O sacerdote apontando o olho esquerdo para o campanário ousou falar do sino.
Souza piscando o olho esquerdo disse "Deixe Comigo". Despediram-se com efusivas pancadinhas nas costas e Souza retomou o rumo de sua jornada.
Em menos de mês, retorna com sino em bom metal embalado em caixa de sólida madeira. O vigário eufórico tomou célebres providências e o sino foi lindamente instalado, emitindo seu primeiro badalar que alcançou distâncias imprevisíveis.
Moradores se aproximavam e agradeciam.
Constrangido de cobrar de imediato, não pediu votos.
Deixa por conta do padre.
Enquanto os dois bebericavam o vinno rosado da hospitalidade, Souza discorria com eloqüência sobre a importância da sua eleição pelo bem do Paraná. Como resposta recebia religiosos sorrisos promissores.
Souza retirou-se convicto de que os votos da vila seriam encaminhados para o nome do seu recente benfeitor.
Quando se despediu, o verde já havia enegrecido e as estrelas luziam em paz.
Por um mínimo não foi eleito.
Quem lhe falhou redondamente foi o Sr. Vigário que ganhou o sino.
Nem um único voto lhe foi computado na urna da vila.
No seu íntimo urgia uma vingança: Pegou o jeep, pegou dois operários da sua indústria florescente, pegou a caixa vazia do sino, escada, ferramentas e pela terceira vez fez o caminho da vila ingrata.
Parou diante da igreja.
Entardecia e o sino badalava a avemaria.
Sem contemplação foi erguida a escada, retirado o sino, recolocado na própria caixa forrada de palha fina.
Quando o padre apareceu no vão da porta, o holocausto já havia sido consumado.
Souza não pronunciou uma palavra, limitou-se a encará-lo por um mínimo e batendo a porta do jeep acelerou.
O pó que levantou da estrada apagou a visão de uma batina esvo-açando e de duas mãos erguidas acenando dramaticamente.
Flora Munhoz Rocha, ex primeira dama do Estado é cronista
O sino da igrejinha
Flora Munhoz da Rocha
Lembro de quando, por uns tempos, o Souza freqüentou a roda de chimarrão lá de casa aos domingos, onde conversa de política fora uma constante.
Era ano de eleições e o Souza, picado pela mosca azul, decidira candidatar-se a deputado.
Bento foi claro — campanha de marinheiro de primeira viagem sem reduto eleitoral consistia em trabalho redobrado mas, de coração desejava-lhe boa sorte.
Souza comprou um jeep.
Planejou mapas, itinerários.
Planejou palavreado, promessas e saiu estradas a fora, atras de redutos inexplorados, cumprindo a árdua missão que se impusera de angariar votos.
Mãos firmes no guidão, Souza ia ruminando conjeturas.
Reconhecia sua temeridade na disputa.
Sem eleitorado, sem apadrinhamento, a competição era rixa renhida.
Ainda bem que dinheiro não era problema, tinha indústria florescente.
Pensamentos se desenrolando avistou um lugarejo.
Souza diminuiu a marcha. O vilarejo não lhe pareceu trabalhado por nenhum candidato. Não eram visíveis cartazes, nem placas.
Fez rápido cálculo baseando-se no número de telhados. O primeiro contato seria com o padre, que em povoados é a força maior.
Souza atravessou o terreiro estalando as folhas secas desprendidas pela última ventania.
Um cheiro morno de eucalipto se desprendia do seu pisar. O padre, acomodado na varanda respirava o verde da sua plantação.
Apresentou-se.
Sem coragem de abordar diretamente, perguntou se o Sr. vigário tinha preferência por algum candidato. O padre limitou-se a erguer os ombros, mas quando soube que estava diante de um deles, revigorou-se.
Sabia de como visita de candidato sempre rendeu alguma coisa para sua igreja.
Trocaram sorrisinhos e Souza, após valorizar-se devidamente, perguntou se a igreja não estava precisando de nada. O sacerdote apontando o olho esquerdo para o campanário ousou falar do sino.
Souza piscando o olho esquerdo disse "Deixe Comigo". Despediram-se com efusivas pancadinhas nas costas e Souza retomou o rumo de sua jornada.
Em menos de mês, retorna com sino em bom metal embalado em caixa de sólida madeira. O vigário eufórico tomou célebres providências e o sino foi lindamente instalado, emitindo seu primeiro badalar que alcançou distâncias imprevisíveis.
Moradores se aproximavam e agradeciam.
Constrangido de cobrar de imediato, não pediu votos.
Deixa por conta do padre.
Enquanto os dois bebericavam o vinno rosado da hospitalidade, Souza discorria com eloqüência sobre a importância da sua eleição pelo bem do Paraná. Como resposta recebia religiosos sorrisos promissores.
Souza retirou-se convicto de que os votos da vila seriam encaminhados para o nome do seu recente benfeitor.
Quando se despediu, o verde já havia enegrecido e as estrelas luziam em paz.
Por um mínimo não foi eleito.
Quem lhe falhou redondamente foi o Sr. Vigário que ganhou o sino.
Nem um único voto lhe foi computado na urna da vila.
No seu íntimo urgia uma vingança: Pegou o jeep, pegou dois operários da sua indústria florescente, pegou a caixa vazia do sino, escada, ferramentas e pela terceira vez fez o caminho da vila ingrata.
Parou diante da igreja.
Entardecia e o sino badalava a avemaria.
Sem contemplação foi erguida a escada, retirado o sino, recolocado na própria caixa forrada de palha fina.
Quando o padre apareceu no vão da porta, o holocausto já havia sido consumado.
Souza não pronunciou uma palavra, limitou-se a encará-lo por um mínimo e batendo a porta do jeep acelerou.
O pó que levantou da estrada apagou a visão de uma batina esvo-açando e de duas mãos erguidas acenando dramaticamente.
Flora Munhoz Rocha, ex primeira dama do Estado é cronista
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - Um apito muito incômodo
Histórias do Paraná - Um apito muito incômodo
Um apito muito incômodo
Maria de Fátima S. Moraes
O fato que passo a relatar aconteceu com meu avô Francisco, na cidade de Paulo Frontin.
Imigrante italiano, em 1925 ele mudou-se de Curitiba para Pau
lo Frontin, onde casou com Dona Itália, viúva que já tinha seis filhos, tendo com ela mais três.
Homem culto, inteligente, de bons princípios, em pouco tempo conquistou admiração, respeito e confiança do povo da cidade e arredores.
Certo é que num dia bem cedinho, passando pela Serraria da família como de costume, foi interpelado pelo polaco Fidélis, encarregado da caldeira e também de apitar, informando as horas e a troca de turnos dos empregados, que lhe foi logo propondo:
- "Nhô Chico, o senhor bem que podia me arranjá um apito como o da Maria Fumaça que passa sempre na estação da cidade.
Então eu ia apitar igual, porque é muito mais bonito do que este que nóis tem aqui".
Seu Francisco ouviu, não prometeu nada.
No entanto, na primeira oportunidade em que veio a Curitiba solicitou a um seu parente que trabalhava de chefe de trem o tal apito, conseguindo-o sem maiores problemas.
Quando retornou, entregou-o ao velho Fidelis, que demonstrou uma alegria contagiante.
Parecia uma criança com um brinquedo que jamais esperava ganhar.
Como o passar dos dias, porém, começaram os problemas. Tão encantado estava com seu apito, que o velho Fideüs não parava de apitar o dia todo.
Apitava e apitava longamente, às vezes nos horários mais impróprios, deixando mesmo a cidade inteira em polvorosa.
Todo mundo queria excomungar o tal vi-vente, ninguém agüentava mais ouvir o maldito som.
Algumas pessoas mais incomodadas chegaram em comitiva até Seu Francisco e solicitaram providências. O seu Francisco foi então até a sala da caldeira.
Chegou de manso, muito calmo como era seu jeito, e tentando remediar a situação propôs ao foguista:
- "Pois bem Fidelis, você fez tanto uso desse apito que já deve estar cansado dele.
Vou lhe fazer então uma boa e justa proposta: pago cinco mil reis a mais em seu ordenado e você me devolve o apito."
Fidelis pensou, pensou, coçou a nuca e respondeu ao patrão:
- "Há! Nhô Chico, pois então o senhor me tira cinco mil reis do meu ordenado que eu continuo apitando".
Contam que não foi fácil convencê-lo, mesmo explicando-lhe as conseqüências que o apito trazia para os moradores da cidade. E só concordou, a contragosto e muito triste, depois de uma prolongada e sonora despedida de seu querido apito.
Maria de Fátima S. Moraes, Bacharel em Contabilidade, diretora de creche em Curitiba
Um apito muito incômodo
Maria de Fátima S. Moraes
O fato que passo a relatar aconteceu com meu avô Francisco, na cidade de Paulo Frontin.
Imigrante italiano, em 1925 ele mudou-se de Curitiba para Pau
lo Frontin, onde casou com Dona Itália, viúva que já tinha seis filhos, tendo com ela mais três.
Homem culto, inteligente, de bons princípios, em pouco tempo conquistou admiração, respeito e confiança do povo da cidade e arredores.
Certo é que num dia bem cedinho, passando pela Serraria da família como de costume, foi interpelado pelo polaco Fidélis, encarregado da caldeira e também de apitar, informando as horas e a troca de turnos dos empregados, que lhe foi logo propondo:
- "Nhô Chico, o senhor bem que podia me arranjá um apito como o da Maria Fumaça que passa sempre na estação da cidade.
Então eu ia apitar igual, porque é muito mais bonito do que este que nóis tem aqui".
Seu Francisco ouviu, não prometeu nada.
No entanto, na primeira oportunidade em que veio a Curitiba solicitou a um seu parente que trabalhava de chefe de trem o tal apito, conseguindo-o sem maiores problemas.
Quando retornou, entregou-o ao velho Fidelis, que demonstrou uma alegria contagiante.
Parecia uma criança com um brinquedo que jamais esperava ganhar.
Como o passar dos dias, porém, começaram os problemas. Tão encantado estava com seu apito, que o velho Fideüs não parava de apitar o dia todo.
Apitava e apitava longamente, às vezes nos horários mais impróprios, deixando mesmo a cidade inteira em polvorosa.
Todo mundo queria excomungar o tal vi-vente, ninguém agüentava mais ouvir o maldito som.
Algumas pessoas mais incomodadas chegaram em comitiva até Seu Francisco e solicitaram providências. O seu Francisco foi então até a sala da caldeira.
Chegou de manso, muito calmo como era seu jeito, e tentando remediar a situação propôs ao foguista:
- "Pois bem Fidelis, você fez tanto uso desse apito que já deve estar cansado dele.
Vou lhe fazer então uma boa e justa proposta: pago cinco mil reis a mais em seu ordenado e você me devolve o apito."
Fidelis pensou, pensou, coçou a nuca e respondeu ao patrão:
- "Há! Nhô Chico, pois então o senhor me tira cinco mil reis do meu ordenado que eu continuo apitando".
Contam que não foi fácil convencê-lo, mesmo explicando-lhe as conseqüências que o apito trazia para os moradores da cidade. E só concordou, a contragosto e muito triste, depois de uma prolongada e sonora despedida de seu querido apito.
Maria de Fátima S. Moraes, Bacharel em Contabilidade, diretora de creche em Curitiba
domingo, 24 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - As tragédias Coloradas
Histórias do Paraná - As tragédias Coloradas
As tragédias Coloradas
Ernani Buchmann
Durante os 18 anos em que existiu, o Colorado passou por quase todas as fases possíveis.
Ficou faltando a fase vitoriosa, plenamente vitoriosa, porque as mais ou menos vitoriosas foram muitas, incluindo um 4x0 no Flamengo, com Junior e tudo, durante um campeonato nacional.
Mas primeiro houve a fase dos vice-campeonatos — e foram muitos, até o fatídico jogo contra o Coritiba, em 1979. Nesse dia, o ponta-esquer-da Santos, do Coritiba, um pernambucano que passou por bons times, foi expulso aos 10 minutos do primeiro tempo. O que se viu a partir dali foi um massacre. Não do Colorado contra um adversário com 10 jogadores, mas do Coritiba, que venceu por 2x0 e levou o título.
No Colorado jogava um lateral-esquer-do, Sidney, que bateu 8 laterais.
Todos impugnados e revertidos pelo árbitro.
Foi um jogo estranho.
Mas não muito, já que a tragicomédia parecia ser a marca do Colorado.
Certa vez, ganhava do Atlético de 4x0 na Baixada até os 28 minutos do segundo tempo, quando um tal de Ziquita desandou a fazer gols. Só parou porque o jogo terminou e a partida já estava 4x4. Depois, na iminência de ganhar seu primeiro campeonato, foi vítima de grossa malandragem do time de Cascavel.
Acabou sendo obrigado a dividir o título.
Tomou-se assim, ao lado do próprio Cascavel, o primeiro meio-campeão do futebol paranaense.
Era goleiro do time do oeste um sujeito com nome de craque: Zico.
Uma tarde, durante partida no velho Ninho da Cobra, em Cascavel, Zico incorporou o espírito de seu xará artilheiro.
Chutou uma bola para a frente, com força.
Joel Mendes viu que ela vinha, vinha, até que veio.
Parou no fundo do gol.
Gol de goleiro, vergonha colorada.
Talvez por isso, o time contratou o goleiro-artilheiro Zico. E lá se foi o time jogar contra o Botafogo, pelo campeonato nacional, no estádio Mané Garrincha, em Marechal Hermes, no Rio.
Intervalo de jogo, Zico passou mal e foi ao banheiro. A dor de barriga parecia não diminuir e, lá de cima, o juiz já estava puí-puí-puí, chamando para o reinicio.
Mas deixar o banheiro como? Pois voltou o time, sem goleiro, e assim o jogo recomeçou, que o impaciente árbitro não estava interessado em dar moleza a ninguém...Alguns minuto depois, o estádio e milhões de telespectadores viram Zico invadir o campo, na velocidade de um Ben Johnson com anabolizantes, a correr na direção do gol colorado, enquanto amarrava os calções.
Talvez por isso, venderam o desarranjado Zico. E voltou ele para Cascavel.
Algum tempo depois, vai o Colorado disputar com o mesmo Cascavel uma classificação para as finais do campeonato paranaense.
Por alguma estranha razão foi o jogo marcado para Londrina.
Pelas tantas do segundo tempo, jogo empatado em 0x0, Zico caiu machucado.
Como o Cascavel já havia feito as duas substituições, a torcida colorada anteviu a vitória.
Sem goleiro ficaria fácil.
Mas Zico tinha alma de guerreiro.
Voltou a campo, de braço imobilizado. E pegou tudo.
Garantiu o empate e levou a decisão para os pênaltis.
Ora, ganhar nos pênaltis de um time cujo goleiro estava com o braço na tipóia não deveria ser problema. Não deveria, mas foi.
Na segunda série de cobranças, um colorado chutou e Zico pegou.
Impossível? Não, ainda não.
Se o Cascavel marcasse o pênalti seguinte, venceria.
Quem vai bater? Ele, só poderia ser ele.
Assim, com outro gol de Zico, o Colorado incorporou à sua história mais um campeonato perdido.
Teria sido trágico, não fosse cômico. E vice-versa.
Ernani Buchmann, publicitário
As tragédias Coloradas
Ernani Buchmann
Durante os 18 anos em que existiu, o Colorado passou por quase todas as fases possíveis.
Ficou faltando a fase vitoriosa, plenamente vitoriosa, porque as mais ou menos vitoriosas foram muitas, incluindo um 4x0 no Flamengo, com Junior e tudo, durante um campeonato nacional.
Mas primeiro houve a fase dos vice-campeonatos — e foram muitos, até o fatídico jogo contra o Coritiba, em 1979. Nesse dia, o ponta-esquer-da Santos, do Coritiba, um pernambucano que passou por bons times, foi expulso aos 10 minutos do primeiro tempo. O que se viu a partir dali foi um massacre. Não do Colorado contra um adversário com 10 jogadores, mas do Coritiba, que venceu por 2x0 e levou o título.
No Colorado jogava um lateral-esquer-do, Sidney, que bateu 8 laterais.
Todos impugnados e revertidos pelo árbitro.
Foi um jogo estranho.
Mas não muito, já que a tragicomédia parecia ser a marca do Colorado.
Certa vez, ganhava do Atlético de 4x0 na Baixada até os 28 minutos do segundo tempo, quando um tal de Ziquita desandou a fazer gols. Só parou porque o jogo terminou e a partida já estava 4x4. Depois, na iminência de ganhar seu primeiro campeonato, foi vítima de grossa malandragem do time de Cascavel.
Acabou sendo obrigado a dividir o título.
Tomou-se assim, ao lado do próprio Cascavel, o primeiro meio-campeão do futebol paranaense.
Era goleiro do time do oeste um sujeito com nome de craque: Zico.
Uma tarde, durante partida no velho Ninho da Cobra, em Cascavel, Zico incorporou o espírito de seu xará artilheiro.
Chutou uma bola para a frente, com força.
Joel Mendes viu que ela vinha, vinha, até que veio.
Parou no fundo do gol.
Gol de goleiro, vergonha colorada.
Talvez por isso, o time contratou o goleiro-artilheiro Zico. E lá se foi o time jogar contra o Botafogo, pelo campeonato nacional, no estádio Mané Garrincha, em Marechal Hermes, no Rio.
Intervalo de jogo, Zico passou mal e foi ao banheiro. A dor de barriga parecia não diminuir e, lá de cima, o juiz já estava puí-puí-puí, chamando para o reinicio.
Mas deixar o banheiro como? Pois voltou o time, sem goleiro, e assim o jogo recomeçou, que o impaciente árbitro não estava interessado em dar moleza a ninguém...Alguns minuto depois, o estádio e milhões de telespectadores viram Zico invadir o campo, na velocidade de um Ben Johnson com anabolizantes, a correr na direção do gol colorado, enquanto amarrava os calções.
Talvez por isso, venderam o desarranjado Zico. E voltou ele para Cascavel.
Algum tempo depois, vai o Colorado disputar com o mesmo Cascavel uma classificação para as finais do campeonato paranaense.
Por alguma estranha razão foi o jogo marcado para Londrina.
Pelas tantas do segundo tempo, jogo empatado em 0x0, Zico caiu machucado.
Como o Cascavel já havia feito as duas substituições, a torcida colorada anteviu a vitória.
Sem goleiro ficaria fácil.
Mas Zico tinha alma de guerreiro.
Voltou a campo, de braço imobilizado. E pegou tudo.
Garantiu o empate e levou a decisão para os pênaltis.
Ora, ganhar nos pênaltis de um time cujo goleiro estava com o braço na tipóia não deveria ser problema. Não deveria, mas foi.
Na segunda série de cobranças, um colorado chutou e Zico pegou.
Impossível? Não, ainda não.
Se o Cascavel marcasse o pênalti seguinte, venceria.
Quem vai bater? Ele, só poderia ser ele.
Assim, com outro gol de Zico, o Colorado incorporou à sua história mais um campeonato perdido.
Teria sido trágico, não fosse cômico. E vice-versa.
Ernani Buchmann, publicitário
sábado, 23 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - O Monge e o Natal de Maria
Histórias do Paraná - O Monge e o Natal de Maria
O Monge e o Natal de Maria
Valêncio Xavier
Quem leu a história do Monge João Maria, ainda tem mais.
O povo considerava o monge João Maria a reencarnação de Jesus Cristo.
Ele sempre negou isso.
Uma história conta que, certo dia, o monge instala sua tendinha na beira do rio Tibagi.
Ali recebe os romeiros, reza, dá conselhos, receita chás para curar doenças.
Os caboclos esperam seus milagres.
No dia seguinte prepara-se para partir. Não havia ainda a ponte sobre o rio Tibagi, perto da cidade.
Atravessar o rio só de balsa. O monge pede ao barqueiro para transportá-lo para a outra margem,
diz não ter dinheiro para pagar a travessia pois fizera voto de pobreza. O balseiro nega:
"Pois, meu velho, com toda sua santidade, se não tem dinheiro, não passa." E riu-se nas barbas do profeta.
Um dos fiéis ainda se ofereceu para pagar a passagem, mas o monge João Maria não aceitou.
Quando a balsa chegou na outra margem, qual não foi a surpresa do balseiro ao ver o Monge rezando na sua tendinha já instalada.
Espantado, o barqueiro pergunta: "Como o senhor chegou até aqui?" O monge responde: "Caminhando sobre o rio.
Não lestes nas Sagradas Escrituras que Cristo caminhava sobre as águas?" "Então sois Cristo?" pergunta o barqueiro.
Sereno, o monge responde: "Sou um pecador como vós.
Mas tenho fé em Cristo e ele me ampara sobre as águas. Vós também o podeis fazer se quiseres, e tiverdes fé."
O livrinho, além de mostrar a visão popular da vida, milagres e profecias do Monge João Maria, alerta contra os falsos profetas que viriam depois dele. E conta a história verídica de uma Maria paranaense que quis reproduzir nela mesma o milagre do Natal.
Aconteceu na região de Guarapuava nos anos vinte.
Uma mulher chamada Maria, alucinada, cismou que era a Virgem Maria e que seu filho era, nada mais nada menos, que o Menino Jesus.
Tal como os pastores do presépio, os crédulos caboclos da região correram a adorar a "Santa". De viola e rabeca, rezavam e entoavam cantos de glória à "Virgem Maria" e seu "Menino Jesus". O culto cresceu, os fiéis tiraram a "Santa" de casa e, em procissão, levaram-na num andor até uma capela próxima.
Impuseram à "Santa" um jejum forçado, e passaram o dia em banquetes, festas e...rezas.
Sem alimento, a "Santa" não tinha leite a dar a seu já mirrado filho.
Uma mulher caridosa levou a criança para casa.
Inconformado com o jejum sexual em que sua mulher o deixara, o marido da "Virgem" fugiu com uma das fiéis mais animadas.
A festança continuou até que um padre de Guarapuava expulsou todo mundo da capela, pondo um fim ao falso natal.
Um dos fiéis, solteirão, levou a "Virgem Maria" para casa e, em vez de preces, encheu-a de filhos e comida. O que, dizem, ela gostou muito.
Valêncio Xavier; escritor e historiador
O Monge e o Natal de Maria
Valêncio Xavier
Quem leu a história do Monge João Maria, ainda tem mais.
O povo considerava o monge João Maria a reencarnação de Jesus Cristo.
Ele sempre negou isso.
Uma história conta que, certo dia, o monge instala sua tendinha na beira do rio Tibagi.
Ali recebe os romeiros, reza, dá conselhos, receita chás para curar doenças.
Os caboclos esperam seus milagres.
No dia seguinte prepara-se para partir. Não havia ainda a ponte sobre o rio Tibagi, perto da cidade.
Atravessar o rio só de balsa. O monge pede ao barqueiro para transportá-lo para a outra margem,
diz não ter dinheiro para pagar a travessia pois fizera voto de pobreza. O balseiro nega:
"Pois, meu velho, com toda sua santidade, se não tem dinheiro, não passa." E riu-se nas barbas do profeta.
Um dos fiéis ainda se ofereceu para pagar a passagem, mas o monge João Maria não aceitou.
Quando a balsa chegou na outra margem, qual não foi a surpresa do balseiro ao ver o Monge rezando na sua tendinha já instalada.
Espantado, o barqueiro pergunta: "Como o senhor chegou até aqui?" O monge responde: "Caminhando sobre o rio.
Não lestes nas Sagradas Escrituras que Cristo caminhava sobre as águas?" "Então sois Cristo?" pergunta o barqueiro.
Sereno, o monge responde: "Sou um pecador como vós.
Mas tenho fé em Cristo e ele me ampara sobre as águas. Vós também o podeis fazer se quiseres, e tiverdes fé."
O livrinho, além de mostrar a visão popular da vida, milagres e profecias do Monge João Maria, alerta contra os falsos profetas que viriam depois dele. E conta a história verídica de uma Maria paranaense que quis reproduzir nela mesma o milagre do Natal.
Aconteceu na região de Guarapuava nos anos vinte.
Uma mulher chamada Maria, alucinada, cismou que era a Virgem Maria e que seu filho era, nada mais nada menos, que o Menino Jesus.
Tal como os pastores do presépio, os crédulos caboclos da região correram a adorar a "Santa". De viola e rabeca, rezavam e entoavam cantos de glória à "Virgem Maria" e seu "Menino Jesus". O culto cresceu, os fiéis tiraram a "Santa" de casa e, em procissão, levaram-na num andor até uma capela próxima.
Impuseram à "Santa" um jejum forçado, e passaram o dia em banquetes, festas e...rezas.
Sem alimento, a "Santa" não tinha leite a dar a seu já mirrado filho.
Uma mulher caridosa levou a criança para casa.
Inconformado com o jejum sexual em que sua mulher o deixara, o marido da "Virgem" fugiu com uma das fiéis mais animadas.
A festança continuou até que um padre de Guarapuava expulsou todo mundo da capela, pondo um fim ao falso natal.
Um dos fiéis, solteirão, levou a "Virgem Maria" para casa e, em vez de preces, encheu-a de filhos e comida. O que, dizem, ela gostou muito.
Valêncio Xavier; escritor e historiador
sexta-feira, 22 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - O Natal do Monge da Lapa
Histórias do Paraná - O Natal do Monge da Lapa
O Natal do Monge da Lapa
Valêncio Xavier
O que se sabe do primeiro monge - houve outros - é do livro de registros de estrangeiros da Câmara de Sorocaba, S. Paulo, em 1844, que dá seu nome como João Maria Agostini, 43 anos, natural de Piemonte, Itália.
Declarou ter vindo ao Brasil para exercer sua profissão de solitário eremita, e residir numa gruta perto da fábrica de ferro de Ipanema. O resto é lenda, e das boas.
Andarilho, sai em peregrinação pelos sertões do sul do Brasil.
Prega, reza e dá conselhos aos caboclos.
Faz curas, receitando chá duma planta que até hoje o povo chama de "vassourinha de São João Maria". Nada cobra, aceita apenas comida. Não entra em povoados, nem nas casas, abriga-se no mato, dorme debaixo de árvores, quase sempre ao lado de uma fonte.
Os caboclos consideraram sagrado seu lugar de descanço, e água da fonte um santo remédio para todos os males.
Ergue cruzes em seu caminho, onde o povo vai rezar e acender velas.
Do Paraná ao Rio Grande do Sul, alguns desses lugares sagrados existem até hoje como ponto de devoção.
Na praça central de Mafra, Santa Catarina, tem uma cruz erguida pelo Mongejoão Maria.
Conta a lenda que um certo prefeito transferiu-a para o cemitério, lá a cruz começou a queimar e o Rio Negro inundou a cidade. A inundação só baixou quando o povo trouxe a cruz de volta para a praça onde está até hoje.
Após suas prédicas embre-nha-se no mato e, a pé segue seu caminho solitário. Não permite seguidores,
ao contrário dos dois monges que viriam depois se fazendo passar por ele: um nos tempos conturbados da Revolução Federalista, outro durante as lutas da Guerra do Contestado.
O Livro da Matriz de Santo Antônio, na cidade da Lapa, Paraná, há o registro da autorização parajoão Maria pregar.
Instala-se na gruta que leva seu nome, lugar de muita romaria até hoje.
Dali sai em peregrinação pelos sertões, e para onde volta de tempos em tempos.
Um dia, não volta mais. Há o registro de sua morte na gruta de Ipanema, onde teria sido devorado por uma onça. O povo não acredita nisso e diz que João Maria se encantou e está na serra do Taió, em Santa Catarina.
Segundo as palavras do próprio João Maria: Quem lá quiser ir, visitar-me e me ver, encontrará feras pelo caminho e muitas tentações em frutas, e outras coisas. E preciso não fazer mal aos bichos e frutas e não sucumbir às tentações do caminho. Só assim pode-se ali
chegar.
Essas palavras do Mongejoão Maria estão em "VIDA DE JOÂO MARIA DE JESUS (O PROPHE-TA) - PRÉDICAS, MILAGRES E PROPHECIAS. Editado em 1929, é um dos poucos exemplos de folhetos de cordel do Paraná. Um dos poucos exemplos de literatura popular em nosso Estado.
Dele tirei a história O QUE É DO DIABO NÃO PODE PERTENCER A UM SANTO, que poderia ter acontecido num dia de Natal.
João Maria chegou perto de uma fazenda. A dona da casa quis a ele dar uma galinha assada de presente.
Correu pelo quintal atrás da mais gorda "carijó", mas não conseguia pegá-la.
Cansada gritou com raiva: "galinha danada, que o Diabo te carregue." Molhada de suor voltou para a cozinha.
Logo depois a galinha entra mansa, ela pega, mata, assa bem assada e vai levar ao monge.
Ele agradece e recusa: "Boa mulher, eu não posso aceitar o teu presente, porque essa galinha pertence ao diabo, a quem você ofereceu há pouco."
Valêncio Xavier, escritor e historiador
O Natal do Monge da Lapa
Valêncio Xavier
O que se sabe do primeiro monge - houve outros - é do livro de registros de estrangeiros da Câmara de Sorocaba, S. Paulo, em 1844, que dá seu nome como João Maria Agostini, 43 anos, natural de Piemonte, Itália.
Declarou ter vindo ao Brasil para exercer sua profissão de solitário eremita, e residir numa gruta perto da fábrica de ferro de Ipanema. O resto é lenda, e das boas.
Andarilho, sai em peregrinação pelos sertões do sul do Brasil.
Prega, reza e dá conselhos aos caboclos.
Faz curas, receitando chá duma planta que até hoje o povo chama de "vassourinha de São João Maria". Nada cobra, aceita apenas comida. Não entra em povoados, nem nas casas, abriga-se no mato, dorme debaixo de árvores, quase sempre ao lado de uma fonte.
Os caboclos consideraram sagrado seu lugar de descanço, e água da fonte um santo remédio para todos os males.
Ergue cruzes em seu caminho, onde o povo vai rezar e acender velas.
Do Paraná ao Rio Grande do Sul, alguns desses lugares sagrados existem até hoje como ponto de devoção.
Na praça central de Mafra, Santa Catarina, tem uma cruz erguida pelo Mongejoão Maria.
Conta a lenda que um certo prefeito transferiu-a para o cemitério, lá a cruz começou a queimar e o Rio Negro inundou a cidade. A inundação só baixou quando o povo trouxe a cruz de volta para a praça onde está até hoje.
Após suas prédicas embre-nha-se no mato e, a pé segue seu caminho solitário. Não permite seguidores,
ao contrário dos dois monges que viriam depois se fazendo passar por ele: um nos tempos conturbados da Revolução Federalista, outro durante as lutas da Guerra do Contestado.
O Livro da Matriz de Santo Antônio, na cidade da Lapa, Paraná, há o registro da autorização parajoão Maria pregar.
Instala-se na gruta que leva seu nome, lugar de muita romaria até hoje.
Dali sai em peregrinação pelos sertões, e para onde volta de tempos em tempos.
Um dia, não volta mais. Há o registro de sua morte na gruta de Ipanema, onde teria sido devorado por uma onça. O povo não acredita nisso e diz que João Maria se encantou e está na serra do Taió, em Santa Catarina.
Segundo as palavras do próprio João Maria: Quem lá quiser ir, visitar-me e me ver, encontrará feras pelo caminho e muitas tentações em frutas, e outras coisas. E preciso não fazer mal aos bichos e frutas e não sucumbir às tentações do caminho. Só assim pode-se ali
chegar.
Essas palavras do Mongejoão Maria estão em "VIDA DE JOÂO MARIA DE JESUS (O PROPHE-TA) - PRÉDICAS, MILAGRES E PROPHECIAS. Editado em 1929, é um dos poucos exemplos de folhetos de cordel do Paraná. Um dos poucos exemplos de literatura popular em nosso Estado.
Dele tirei a história O QUE É DO DIABO NÃO PODE PERTENCER A UM SANTO, que poderia ter acontecido num dia de Natal.
João Maria chegou perto de uma fazenda. A dona da casa quis a ele dar uma galinha assada de presente.
Correu pelo quintal atrás da mais gorda "carijó", mas não conseguia pegá-la.
Cansada gritou com raiva: "galinha danada, que o Diabo te carregue." Molhada de suor voltou para a cozinha.
Logo depois a galinha entra mansa, ela pega, mata, assa bem assada e vai levar ao monge.
Ele agradece e recusa: "Boa mulher, eu não posso aceitar o teu presente, porque essa galinha pertence ao diabo, a quem você ofereceu há pouco."
Valêncio Xavier, escritor e historiador
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - Aquele menino
Histórias do Paraná - Aquele menino
Aquele menino
Nivaldo Kruger
Numa noite destas saí por aí, pelas ruas da cidade a andar, vendo os enfeites pendentes dos edifícios em jorro de luzes; nas ruas e praças simbólicas árvores luminosas; em muitos lares, jardins e fachadas, decorações em cordéis faiscantes, multicores, dando à noite um visual festivo.
A cidade enfeitou-se e está faceira para o Natal do Menino Jesus.
A noite já ia avançada quando no calçadão, entre as portarias do Hotel e do Clube, que se defrontam, encontrei de pés no chão desmangolado e mão estendida, sozinho, a pedir, aquele menino.
Feéricas, as luzes faiscavam.
Olhei-o firme e vi nos seus olhos profundos aqueles brilhos refletidos parecendo tão distante... de outros mundos...
Olhou-me, seu sorriso infantil era cansado, e cansada a expressão envelhecida daquele menino.
Aos sons derramados do clube e da boate misturavam-se ternos acordes da "Noite Feliz", vindos de algures lembrando o nascimento de outro Menino...
Mas de onde teria vindo aquele menino frágil entre aquelas luzes dos majestosos prédios de portas fechadas?
Quem seria ele?
Parti.
Segui em frente, e ele ficou ali.
Continuei andando, mas aquela singela figura tão humilde e desprovida me acompanhou no pensamento.
Na magia do pensar transportei-me no tempo para outra cidade nos montes escarpados da Judéia: Belém, que também fora de repente iluminada por um candente facho celestial que apontava para uma gruta e uma manjedoura, onde acabara de nascer aquele Menino para quem as portas da cidade também se fecharam naquela noite em que o casal de viajantes, José e Maria, buscaram alojar-se...
Assim o estábulo rústico e os inocentes animais moldaram para sempre o cenário do inesquecível Natal.
Mas, e aquele menino?
Senti vontade de voltar, vê-lo de novo.
Estender-lhe a mão, abraçá-lo como a um irmão, um filho, ofe-recer-lhe mais do que o mísero trocado que pedira.
Voltei.
Procurei e não mais encontrei-o.
Havia-se ido e, em seu lugar ficou um vazio que as luzes não preenchiam.
O silêncio da noite caiu sobre mim pesado, nem os sons se ouvia, não reencontrá-lo, por esquisito que pareça, fez-me desamparado, insignificante, diante da misteriosa e imensa amplidão daquele firmamento repleto de estrelas a me olhar procurando aquele menino...
Nivaldo Kruger, ex-deputado e ex-prefeito de Guarapuava
Aquele menino
Nivaldo Kruger
Numa noite destas saí por aí, pelas ruas da cidade a andar, vendo os enfeites pendentes dos edifícios em jorro de luzes; nas ruas e praças simbólicas árvores luminosas; em muitos lares, jardins e fachadas, decorações em cordéis faiscantes, multicores, dando à noite um visual festivo.
A cidade enfeitou-se e está faceira para o Natal do Menino Jesus.
A noite já ia avançada quando no calçadão, entre as portarias do Hotel e do Clube, que se defrontam, encontrei de pés no chão desmangolado e mão estendida, sozinho, a pedir, aquele menino.
Feéricas, as luzes faiscavam.
Olhei-o firme e vi nos seus olhos profundos aqueles brilhos refletidos parecendo tão distante... de outros mundos...
Olhou-me, seu sorriso infantil era cansado, e cansada a expressão envelhecida daquele menino.
Aos sons derramados do clube e da boate misturavam-se ternos acordes da "Noite Feliz", vindos de algures lembrando o nascimento de outro Menino...
Mas de onde teria vindo aquele menino frágil entre aquelas luzes dos majestosos prédios de portas fechadas?
Quem seria ele?
Parti.
Segui em frente, e ele ficou ali.
Continuei andando, mas aquela singela figura tão humilde e desprovida me acompanhou no pensamento.
Na magia do pensar transportei-me no tempo para outra cidade nos montes escarpados da Judéia: Belém, que também fora de repente iluminada por um candente facho celestial que apontava para uma gruta e uma manjedoura, onde acabara de nascer aquele Menino para quem as portas da cidade também se fecharam naquela noite em que o casal de viajantes, José e Maria, buscaram alojar-se...
Assim o estábulo rústico e os inocentes animais moldaram para sempre o cenário do inesquecível Natal.
Mas, e aquele menino?
Senti vontade de voltar, vê-lo de novo.
Estender-lhe a mão, abraçá-lo como a um irmão, um filho, ofe-recer-lhe mais do que o mísero trocado que pedira.
Voltei.
Procurei e não mais encontrei-o.
Havia-se ido e, em seu lugar ficou um vazio que as luzes não preenchiam.
O silêncio da noite caiu sobre mim pesado, nem os sons se ouvia, não reencontrá-lo, por esquisito que pareça, fez-me desamparado, insignificante, diante da misteriosa e imensa amplidão daquele firmamento repleto de estrelas a me olhar procurando aquele menino...
Nivaldo Kruger, ex-deputado e ex-prefeito de Guarapuava
quarta-feira, 20 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - Bigode branco
Histórias do Paraná - Bigode branco
Bigode branco
Francisco Brito de Lacerda
Ventava.
Parecia que o mundo ia acabar.
Pedro tinha seis anos.
Ele, o pai e a mãe dirigiam-se a uma colina, à margem da estrada de ferro, onde ficava o pequeno cemitério.
Viçosas palmeiras, defronte do muro caiado, o vento agitava.
Em busca do portão de ferro, os três subiram os degraus de pedra, o menino de mão com a mãe, que o acomodou no patamar. "Fique bem quietinho, a mãe vai rezar."
Exposto ao redemoinho, ele só olhou para trás uma vez.
Viu a mãe ajoelhada a par da Cruz das Almas, tentando acender uma vela.
Um trem apitou e foi passando, a furiosa locomotiva a botar fa-gulhas por todos os narizes.
Das ja-nelinhas, os passageiros olhavam o menino no topo da escada, com a mão no bolso.
Uma freira de óculos, risonha, deu-lhe adeusinhos.
Enquanto o trem passava, Pedro ia virando a cabeça na sua direção.
Perdendo-se o último vagão na sinuosa vereda, ficou a ventania. O menino estava a ponto de chorar. "Não chore, bobinho, a mãe voltou." Ele abriu os braços, agarrando-se à mulher.
Para uma visita à chácara da avó, no outro dia, o pai guiava a carrocinha puxada por um cavalo baio.
Sob o céu azul, sorvendo o frio da manhã, Pedro viajava atrás. A mãe não lhe tirava os olhos. "Cuidado com a roda, menino", ela dizia.
Na chegada, descendo para ajudar a abrir a porteira de pau roliço, ele gostou de ver o bafejo que saía das ventas do cavalinho.
A avó morava numa casa rodeada de janelas; tinha como acompanhante a empregadinha Doraci, moça nova.
Na cozinha, em volta do fogão, Pedro via pinhões assando na chapa; de braços cruzados, a fim de melhor se aquecer, fixava-se nas mãos da avó, veias salientes. A velha senhora lhe alcançava pinhões macetados. "Mastigue bem, cuidado para não se afogar."
Depois Doraci tirou leite da vaca.
Mostrando os dentes (por causa do esforço que fazia), ela apertava as tetas.
Espumento, o leite esguichava no balde. "Agora você vai ficar de bigode branco", anunciou Doraci.
Segurando a caneca pela asa, o menino deu dois goles.
Fez ânsia.
Tinha nojo de leite morno, tirado na hora.
Então botou a caneca no banquinho, de volta.
No almoço, só não quis pepino.
Abusou da cocada amarela e queijo de purungo.
Alvo das atenções da avó, que o agradava, nem percebia o tempo passar.
Para ver a água caindo, foram à cascata.
De volta, o pai colheu araçás, oferecendo-os na palma da mão.
"Vamos embora, já é tarde", disse o pai.
Pedro sentiu-se despojado, com medo de enfrentar a hora da despedida.
Estava com pena da avó, que ia ficar quase sozinha naquele ermo.
Enquanto a carroça percorria uma descida, a velha senhora acenava; cada vez mais distante, descolo-rida pelo lusco-fusco que chegava, sua figura sumiu quando o cavalo transpunha o último pinheiro.
Fechada a porteira, Pedro deu um urinadinha detrás de um cedro.
Ao tempo em que molhava a terra com o pipi, limpou uma lágrima teimosa, antes que outras lhe descessem pela cara.
Francisco Brito de Lacerda, advogado
Bigode branco
Francisco Brito de Lacerda
Ventava.
Parecia que o mundo ia acabar.
Pedro tinha seis anos.
Ele, o pai e a mãe dirigiam-se a uma colina, à margem da estrada de ferro, onde ficava o pequeno cemitério.
Viçosas palmeiras, defronte do muro caiado, o vento agitava.
Em busca do portão de ferro, os três subiram os degraus de pedra, o menino de mão com a mãe, que o acomodou no patamar. "Fique bem quietinho, a mãe vai rezar."
Exposto ao redemoinho, ele só olhou para trás uma vez.
Viu a mãe ajoelhada a par da Cruz das Almas, tentando acender uma vela.
Um trem apitou e foi passando, a furiosa locomotiva a botar fa-gulhas por todos os narizes.
Das ja-nelinhas, os passageiros olhavam o menino no topo da escada, com a mão no bolso.
Uma freira de óculos, risonha, deu-lhe adeusinhos.
Enquanto o trem passava, Pedro ia virando a cabeça na sua direção.
Perdendo-se o último vagão na sinuosa vereda, ficou a ventania. O menino estava a ponto de chorar. "Não chore, bobinho, a mãe voltou." Ele abriu os braços, agarrando-se à mulher.
Para uma visita à chácara da avó, no outro dia, o pai guiava a carrocinha puxada por um cavalo baio.
Sob o céu azul, sorvendo o frio da manhã, Pedro viajava atrás. A mãe não lhe tirava os olhos. "Cuidado com a roda, menino", ela dizia.
Na chegada, descendo para ajudar a abrir a porteira de pau roliço, ele gostou de ver o bafejo que saía das ventas do cavalinho.
A avó morava numa casa rodeada de janelas; tinha como acompanhante a empregadinha Doraci, moça nova.
Na cozinha, em volta do fogão, Pedro via pinhões assando na chapa; de braços cruzados, a fim de melhor se aquecer, fixava-se nas mãos da avó, veias salientes. A velha senhora lhe alcançava pinhões macetados. "Mastigue bem, cuidado para não se afogar."
Depois Doraci tirou leite da vaca.
Mostrando os dentes (por causa do esforço que fazia), ela apertava as tetas.
Espumento, o leite esguichava no balde. "Agora você vai ficar de bigode branco", anunciou Doraci.
Segurando a caneca pela asa, o menino deu dois goles.
Fez ânsia.
Tinha nojo de leite morno, tirado na hora.
Então botou a caneca no banquinho, de volta.
No almoço, só não quis pepino.
Abusou da cocada amarela e queijo de purungo.
Alvo das atenções da avó, que o agradava, nem percebia o tempo passar.
Para ver a água caindo, foram à cascata.
De volta, o pai colheu araçás, oferecendo-os na palma da mão.
"Vamos embora, já é tarde", disse o pai.
Pedro sentiu-se despojado, com medo de enfrentar a hora da despedida.
Estava com pena da avó, que ia ficar quase sozinha naquele ermo.
Enquanto a carroça percorria uma descida, a velha senhora acenava; cada vez mais distante, descolo-rida pelo lusco-fusco que chegava, sua figura sumiu quando o cavalo transpunha o último pinheiro.
Fechada a porteira, Pedro deu um urinadinha detrás de um cedro.
Ao tempo em que molhava a terra com o pipi, limpou uma lágrima teimosa, antes que outras lhe descessem pela cara.
Francisco Brito de Lacerda, advogado
terça-feira, 19 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - Uma rainha paranaense
Histórias do Paraná - Uma rainha paranaense
Uma rainha paranaense
Odmir P. C. Valsecchi
Em janeiro de 1954, precisamente no dia 6, minha família mu-dou-se do sul do Estado para Londrina.
Eu era um jovem de 18 anos, cheio de curiosidade.
Naquela mesma noite fui apresentado a um jovem de mais ou menos 27 anos que era radiotelegrafista dos Correios e da Real Transportes Aéreos.
- Esse é o Abelardo "Cabeça Chata" - me disseram.
E era de fato cabeça chata, natural de Pernambuco, um jovem recém casado.
Logo fizemos uma grande amizade, a qual perdura até hoje, apesar de estarmos distanciados, pois ele e a família, anos mais tarde retornaram para Pernambuco.
Em Londrina, Abelardo Ferreira Lopes e dona Geminah Seixas, sua esposa, tiveram um casal de filhos.
Como eles eram membros da Igreja Batista, colocaram nomes bíblicos nos filhos. O primogênito chamou-se Assuero.
Abelardo dizia que esse era o nome de um dos reis mais poderosos da antiguidade, e que se daria por mais que satisfeito se o filho chegasse a alcançar dez por cento do poder do antigo monarca. A filha foi registrada como Assíria.
Ambos nasceram no finzinho da Rua Minas Gerais, hoje Senador Souza Naves, quase na esquina com a Rua Antônio Amado Noivo, em Londrina.
Essa família, pequena para os modelos nordestinos, voltou para suas origens em 1961. Por muito tempo mantivemos correspondência, até que a mesma foi se alongando e cessou.
Mesmo assim, sempre tive notícias deles através de amigos em comum.
Num determinado ano, como bons batistas, foram para um retiro espiritual numa praia isolada do litoral pernambucano, para fugir do "endemoniado" carnaval recifense.
Assuero e a mãe tomavam banho de sol sobre umas pedras, quando veio uma onda gigante e arrebatou a mãe para o mar.
Assuero, como se fora um relâmpago, pulou atrás na tentativa de salvar a mãe que não sabia nadar. A mãe conseguiu se salvar, mas Assuero acabou morrendo afogado.
Ficou, dessa maneira, a família reduzida a três pessoas.
Acredito que por ligações religiosas, Assíria acabou se casando com um americano e por isso mudou-se para os Estados Unidos.
Teve uma filha e permaneceu casada por dez anos até que, por razões do mundo moderno, acabou se divorciando.
Mas, por que é que estou contando esta historinha? Apesar de conter uma passagem trágica, não é nenhuma tragédia, a vidinha da família até que é normal.
Qual a razão, então?
E que Assíria tornou-se celebridade da noite para o dia.
É atualmente mulher do Rei Pelé.
O pai tinha tanta esperança no filho, que o destino ceifou ainda na adolescência, sem ter tido a oportunidade dos dez por cento do Rei Assuero.
Mas foi Assíria quem se tornou rainha, com muitos súditos neste país do futebol.
Odmir P. C. Valseccbi, dentista em Jandaia do Sul
Uma rainha paranaense
Odmir P. C. Valsecchi
Em janeiro de 1954, precisamente no dia 6, minha família mu-dou-se do sul do Estado para Londrina.
Eu era um jovem de 18 anos, cheio de curiosidade.
Naquela mesma noite fui apresentado a um jovem de mais ou menos 27 anos que era radiotelegrafista dos Correios e da Real Transportes Aéreos.
- Esse é o Abelardo "Cabeça Chata" - me disseram.
E era de fato cabeça chata, natural de Pernambuco, um jovem recém casado.
Logo fizemos uma grande amizade, a qual perdura até hoje, apesar de estarmos distanciados, pois ele e a família, anos mais tarde retornaram para Pernambuco.
Em Londrina, Abelardo Ferreira Lopes e dona Geminah Seixas, sua esposa, tiveram um casal de filhos.
Como eles eram membros da Igreja Batista, colocaram nomes bíblicos nos filhos. O primogênito chamou-se Assuero.
Abelardo dizia que esse era o nome de um dos reis mais poderosos da antiguidade, e que se daria por mais que satisfeito se o filho chegasse a alcançar dez por cento do poder do antigo monarca. A filha foi registrada como Assíria.
Ambos nasceram no finzinho da Rua Minas Gerais, hoje Senador Souza Naves, quase na esquina com a Rua Antônio Amado Noivo, em Londrina.
Essa família, pequena para os modelos nordestinos, voltou para suas origens em 1961. Por muito tempo mantivemos correspondência, até que a mesma foi se alongando e cessou.
Mesmo assim, sempre tive notícias deles através de amigos em comum.
Num determinado ano, como bons batistas, foram para um retiro espiritual numa praia isolada do litoral pernambucano, para fugir do "endemoniado" carnaval recifense.
Assuero e a mãe tomavam banho de sol sobre umas pedras, quando veio uma onda gigante e arrebatou a mãe para o mar.
Assuero, como se fora um relâmpago, pulou atrás na tentativa de salvar a mãe que não sabia nadar. A mãe conseguiu se salvar, mas Assuero acabou morrendo afogado.
Ficou, dessa maneira, a família reduzida a três pessoas.
Acredito que por ligações religiosas, Assíria acabou se casando com um americano e por isso mudou-se para os Estados Unidos.
Teve uma filha e permaneceu casada por dez anos até que, por razões do mundo moderno, acabou se divorciando.
Mas, por que é que estou contando esta historinha? Apesar de conter uma passagem trágica, não é nenhuma tragédia, a vidinha da família até que é normal.
Qual a razão, então?
E que Assíria tornou-se celebridade da noite para o dia.
É atualmente mulher do Rei Pelé.
O pai tinha tanta esperança no filho, que o destino ceifou ainda na adolescência, sem ter tido a oportunidade dos dez por cento do Rei Assuero.
Mas foi Assíria quem se tornou rainha, com muitos súditos neste país do futebol.
Odmir P. C. Valseccbi, dentista em Jandaia do Sul
segunda-feira, 18 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - O fantasminha
Histórias do Paraná - O fantasminha
O fantasminha*
Noeval de Quadros
Seu apelido é fantasminha.
Aterrorizou Curitiba nos primeiros meses daquele ano, com sucessivos roubos de veículos, à mão armada, e fugas espetaculares, dirigindo sempre em alta velocidade.
Ninguém sabia ao certo quem era. Só se sabia que era conhecido como Fantasminha e era líder de uma gang de menores.
Chegou a ser detido por policiais da Delegacia de Furtos de Veículos, mas ao dizer a sua idade e o seu nome verdadeiro, sem se identificar pelo apelido, foi liberado porque a Polícia não sabia que se tratava do Fantasminha.
Virou o inimigo n° 1 da Polícia, carta marcada para ser tirado de circulação.
Seu lance mais ousado ocorreu num domingo à noite quando, na companhia de outros três adolescentes, fortemente armados, invadiu um restaurante de Santa Felicidade, dominando o vigia, os empregados e os inúmeros clientes que ali jantavam, despojando a todos de suas jóias e dinheiro, fugindo em seguida num Opala roubado.
Mas Fantasminha nunca sevi-ciou as vítimas.
Nunca levou seus veículos para o desmanche ou para o Paraguai.
Sentia-se apenas todo-pode-roso com uma arma na mão.
Queria ver as pessoas aterrorizadas, queria dirigir carros possantes em fugas desabaladas, queria trocar os toca-fitas por cocaína, da qual mais e mais se via dependente.
Foi preso dormindo, na casa de uma tia. Não resistiu.
Foi manchete em todos os jornais, em todas as TVs.
Enfim Curitiba poderia dormir tranqüila.
Fantasminha estava atrás das grades.
Todos queriam conhecê-lo.
Os articulistas muito falaram sobre ele, sobre as gangs juvenis, sobre a impunidade.
Ele, magro e pequeno, com voz de guri, aparentando menos que os 15 anos de idade que tinha.
Dias antes talvez houvesse se deliciado com a fama de pessoa mais procurada pela Polícia, chefe de gang.
Agora parecia assustado, cansado de entrevistas, acuado.
Parecia dar graças de não ter mais de se esconder.
Resignado em saber que perderia a liberdade.
As vezes, dava a impressão de que ansiara por esse momento, que delinqüi-ra para que tal acontecesse.
Esperava que alguém lhe colocasse limites.
Seu pai, desdentado, também franzino, aparentava um homem calmo e inculto.
Trabalhava como vigia e contou a mim, Juiz da Infância e
Juventude, que quando o filho tinha seis ou sete anos um japonês lhe colocou esse apelido, porque ele era muito sapeca e parecia um fantasminha.
Como disse um articulista, no dia seguinte: um fantasminha mirim, analfabeto, pobre e marginalizado, está preso.
Ninguém duvida que isso era necessário para sua recuperação e segurança da comunidade.
Porém, muitos fantasmas adultos, cultos, ricos e poderosos, continuam soltos. Vários, com imunidades.
O mundo dos fantasmas continua de bom tamanho.
Noeval de Quadros, Juíza de Direito *os fatos são reais, o apelido é fictício
O fantasminha*
Noeval de Quadros
Seu apelido é fantasminha.
Aterrorizou Curitiba nos primeiros meses daquele ano, com sucessivos roubos de veículos, à mão armada, e fugas espetaculares, dirigindo sempre em alta velocidade.
Ninguém sabia ao certo quem era. Só se sabia que era conhecido como Fantasminha e era líder de uma gang de menores.
Chegou a ser detido por policiais da Delegacia de Furtos de Veículos, mas ao dizer a sua idade e o seu nome verdadeiro, sem se identificar pelo apelido, foi liberado porque a Polícia não sabia que se tratava do Fantasminha.
Virou o inimigo n° 1 da Polícia, carta marcada para ser tirado de circulação.
Seu lance mais ousado ocorreu num domingo à noite quando, na companhia de outros três adolescentes, fortemente armados, invadiu um restaurante de Santa Felicidade, dominando o vigia, os empregados e os inúmeros clientes que ali jantavam, despojando a todos de suas jóias e dinheiro, fugindo em seguida num Opala roubado.
Mas Fantasminha nunca sevi-ciou as vítimas.
Nunca levou seus veículos para o desmanche ou para o Paraguai.
Sentia-se apenas todo-pode-roso com uma arma na mão.
Queria ver as pessoas aterrorizadas, queria dirigir carros possantes em fugas desabaladas, queria trocar os toca-fitas por cocaína, da qual mais e mais se via dependente.
Foi preso dormindo, na casa de uma tia. Não resistiu.
Foi manchete em todos os jornais, em todas as TVs.
Enfim Curitiba poderia dormir tranqüila.
Fantasminha estava atrás das grades.
Todos queriam conhecê-lo.
Os articulistas muito falaram sobre ele, sobre as gangs juvenis, sobre a impunidade.
Ele, magro e pequeno, com voz de guri, aparentando menos que os 15 anos de idade que tinha.
Dias antes talvez houvesse se deliciado com a fama de pessoa mais procurada pela Polícia, chefe de gang.
Agora parecia assustado, cansado de entrevistas, acuado.
Parecia dar graças de não ter mais de se esconder.
Resignado em saber que perderia a liberdade.
As vezes, dava a impressão de que ansiara por esse momento, que delinqüi-ra para que tal acontecesse.
Esperava que alguém lhe colocasse limites.
Seu pai, desdentado, também franzino, aparentava um homem calmo e inculto.
Trabalhava como vigia e contou a mim, Juiz da Infância e
Juventude, que quando o filho tinha seis ou sete anos um japonês lhe colocou esse apelido, porque ele era muito sapeca e parecia um fantasminha.
Como disse um articulista, no dia seguinte: um fantasminha mirim, analfabeto, pobre e marginalizado, está preso.
Ninguém duvida que isso era necessário para sua recuperação e segurança da comunidade.
Porém, muitos fantasmas adultos, cultos, ricos e poderosos, continuam soltos. Vários, com imunidades.
O mundo dos fantasmas continua de bom tamanho.
Noeval de Quadros, Juíza de Direito *os fatos são reais, o apelido é fictício
domingo, 17 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - A revolta de Assaí
Histórias do Paraná - A revolta de Assaí
A revolta de Assaí
Luiz Garcia
Antes da popularização da TV, divertimento em cidade do interior tinha um nome só: Cinema.
Assaí, no norte do Paraná, em 1961, era uma cidade razoavelmente movimentada devido ao cultivo e beneficiamento do algodão.
Tinha oito agências bancárias, muitas lojas, mais bares ainda. E dois cinemas, o Cine Assaí e o Cine Ouro Branco.
O Cine Assaí ficava bem no centro, em frente ao Banco Comercial do Paraná, na Avenida Rio de Janeiro, a principal da cidade.
Foi ali que se deu o fato de grande repercussão na época.
O Cinema acabara de passar por uma reforma geral que o deixou, sem dúvida, muito bonito.
Os freqüentadores, porém, ainda lhe apontavam, com razão, dois sérios defeitos: não tinha nenhuma saída de emergência - o que poderia causar uma tragédia num sinistro qualquer
— e, pior, a qualidade das fitas era péssima.
Rompiam-se a todo instante, irritando a platéia, e os cortes feitos muitas vezes tiravam até o sentido dos filmes.
Num sábado, anunciado o filme "O Milagre", a casa encheu. Não havia lugar nem em pé. A quebradeira da fita, porém nesse dia estava demais.
As vaias começaram, a princípio isoladas, aqui e acolá, logo depois generalizadas, quase um uníssono.
Na retomada do filme, depois de mais um corte, não dava mais para entender o enredo.
As vaias, então foram substituídas por uma gritaria imensa. O administrador mandou acender as luzes, foi para a frente da tela e passou uma descompostura generalizada na platéia, chamando os que gritaram — quase todos os presentes — de moleques. O ambiente ficou pesado, mas se fez silêncio e o filme pode terminar.
No dia seguinte, domingo, desde manhã cedo grupos isolados de rapazes começaram a se reunir aqui e ali, comentando o acontecido na véspera. "Esse cinema bem que merecia um troco", alguém propôs.
Em pouco tempo, vários grupos pensando a mesma coisa, acabaram por se juntar e planejaram a vingança para aquele mesmo dia.
A noite, o filme foi reprisado.
Novamente casa cheia, mas do meio para frente todas as poltronas estavam ocupadas pelo grupo que se organizara durante o dia.
Um silêncio respeitoso no início do filme, apesar dos cortes.
Quando chegou, porém, a cena em que o gerente se exaltara na véspera, foi como se uma caldeira gigante estourasse.
Primeiro uma gritaria geral. A seguir, soltaram rojões e bombinhas, atiraram dúzias de ovos chocos em todas as direções — durante anos ainda se veriam as marcas na tela branca.
Poltronas foram quebradas, rasgaram cortinas.
Apareceram um urubu e um gambá que corriam para todo lado. E, é claro, o pau comeu solto.
A correria e a gritaria continuou pela escadaria, em direção à saída. A porta, única, ficou pequena para tantos, e vidros foram quebrados no peito. Lá fora, uma pequena aglomeração de pessoas, quando viu o quebra-quebra, tratou de entrar na "dança", batendo e também apanhando.
Mesmo com a chegada da polícia, foram horas até se chegar à normalidade.
Quando a arruaça finalmente parou, parecia que um tufão havia arrasado o cinema.
A polícia montou um inquérito, muitos foram acusados — inclusive eu —, várias vezes tivemos que ir ao Fórum.
Mas, como se tratou de reação de uma multidão, o processo deu em nada.
Depois disso, o Cine Assaí precisou ser novamente reformado, ganhando uma porta de emergência. E a qualidade das fitas melhorou sensivelmente, até no cine rival.
Hoje, por força de novos tempos, a cidade não possui nenhum cinema. A lição do badernaço de Assaí, contudo, permanece: quem não ouve o reclamo justo, pode ser obrigado a escutar o estrondo irracional da revolta.
Luiz Garcia, professor em Rolândia, passou sua juventude em Assaí
A revolta de Assaí
Luiz Garcia
Antes da popularização da TV, divertimento em cidade do interior tinha um nome só: Cinema.
Assaí, no norte do Paraná, em 1961, era uma cidade razoavelmente movimentada devido ao cultivo e beneficiamento do algodão.
Tinha oito agências bancárias, muitas lojas, mais bares ainda. E dois cinemas, o Cine Assaí e o Cine Ouro Branco.
O Cine Assaí ficava bem no centro, em frente ao Banco Comercial do Paraná, na Avenida Rio de Janeiro, a principal da cidade.
Foi ali que se deu o fato de grande repercussão na época.
O Cinema acabara de passar por uma reforma geral que o deixou, sem dúvida, muito bonito.
Os freqüentadores, porém, ainda lhe apontavam, com razão, dois sérios defeitos: não tinha nenhuma saída de emergência - o que poderia causar uma tragédia num sinistro qualquer
— e, pior, a qualidade das fitas era péssima.
Rompiam-se a todo instante, irritando a platéia, e os cortes feitos muitas vezes tiravam até o sentido dos filmes.
Num sábado, anunciado o filme "O Milagre", a casa encheu. Não havia lugar nem em pé. A quebradeira da fita, porém nesse dia estava demais.
As vaias começaram, a princípio isoladas, aqui e acolá, logo depois generalizadas, quase um uníssono.
Na retomada do filme, depois de mais um corte, não dava mais para entender o enredo.
As vaias, então foram substituídas por uma gritaria imensa. O administrador mandou acender as luzes, foi para a frente da tela e passou uma descompostura generalizada na platéia, chamando os que gritaram — quase todos os presentes — de moleques. O ambiente ficou pesado, mas se fez silêncio e o filme pode terminar.
No dia seguinte, domingo, desde manhã cedo grupos isolados de rapazes começaram a se reunir aqui e ali, comentando o acontecido na véspera. "Esse cinema bem que merecia um troco", alguém propôs.
Em pouco tempo, vários grupos pensando a mesma coisa, acabaram por se juntar e planejaram a vingança para aquele mesmo dia.
A noite, o filme foi reprisado.
Novamente casa cheia, mas do meio para frente todas as poltronas estavam ocupadas pelo grupo que se organizara durante o dia.
Um silêncio respeitoso no início do filme, apesar dos cortes.
Quando chegou, porém, a cena em que o gerente se exaltara na véspera, foi como se uma caldeira gigante estourasse.
Primeiro uma gritaria geral. A seguir, soltaram rojões e bombinhas, atiraram dúzias de ovos chocos em todas as direções — durante anos ainda se veriam as marcas na tela branca.
Poltronas foram quebradas, rasgaram cortinas.
Apareceram um urubu e um gambá que corriam para todo lado. E, é claro, o pau comeu solto.
A correria e a gritaria continuou pela escadaria, em direção à saída. A porta, única, ficou pequena para tantos, e vidros foram quebrados no peito. Lá fora, uma pequena aglomeração de pessoas, quando viu o quebra-quebra, tratou de entrar na "dança", batendo e também apanhando.
Mesmo com a chegada da polícia, foram horas até se chegar à normalidade.
Quando a arruaça finalmente parou, parecia que um tufão havia arrasado o cinema.
A polícia montou um inquérito, muitos foram acusados — inclusive eu —, várias vezes tivemos que ir ao Fórum.
Mas, como se tratou de reação de uma multidão, o processo deu em nada.
Depois disso, o Cine Assaí precisou ser novamente reformado, ganhando uma porta de emergência. E a qualidade das fitas melhorou sensivelmente, até no cine rival.
Hoje, por força de novos tempos, a cidade não possui nenhum cinema. A lição do badernaço de Assaí, contudo, permanece: quem não ouve o reclamo justo, pode ser obrigado a escutar o estrondo irracional da revolta.
Luiz Garcia, professor em Rolândia, passou sua juventude em Assaí
sábado, 16 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - Paraná Clube, paixão e alegria
Histórias do Paraná - Paraná Clube, paixão e alegria
Paraná Clube, paixão e alegria
Darci Piana
No dia 19 de dezembro de 1993, o Paraná Clube completou 4 anos, 1461 dias depois das assembléias que aprovaram a fusão, o Paraná Clube é muito mais que um clube ou um time de futebol. É uma força, respeitada em todo o Brasil.
Mas nenhum dos colorados e pinheirenses que um dia sonharam em unir suas torcidas, suas cores e seus patrimônios, poderia imaginar que o elemento químico gerado pela fusão fosse tão sólido. O processo que fundiu vermelho, azul e branco mostrou-se indestrutível,
irreversível, perene.
Ninguém jamais irá destruir esta mítica construída pela união.
Nem sempre foi assim.
No início, ali por meados de 1988, eram apenas alguns sonhadores reunidos em torno da mesa de reuniões de uma agência de propaganda. Não que a história da fusão tenha começado pelo marketing, mas porque o publicitário colorado Zeno Otto prestava serviços profissionais ao pinheirense Waldomiro Perini e teve a idéia de discutir o assunto. A Ernani Buchmann coube garantir a presença de alguns colorados na primeira reunião, enfim restritos a Dely Macedo e a mim.
Antonio Carlos Mello Pacheco, Erondy Silvério e Waldomiro Perini representaram o
Pinheiros.
Mas a idéia só avançou um ano e muitas reuniões depois.
Durante um almoço no Restaurante Veneza, em Santa Felicidade, Aramis Tissot, Dely Macedo, Jorge Celestino Buso, Ocimar Bolicenho e eu assinamos um protocolo informal, com as bases da fusão; nomes, cores, símbolo, sede do futebol e slogan.
Prosaico documento aquele, escrito num guardanapo de papel.
No dia 26 de maio de 1989, os presidente Adjalma Polydoro, do Colorado, e Mello Pacheco, do Pinheiros, assinaram a carta de intenções que deu ao processo de fusão o ar solene que o guardanapo não tinha.
Ali estavam grafados os alicerces do Paraná Clube, depois oficializados por sua primeira diretoria, à exceção da águia dourada como símbolo, em tempo substituída pela gralha azul.
Ali também foi nomeada a Comissão Especial de Fusão, composta por Aramis Tissot, Darci Piana, Delu Macedo, Dílson Rossi, Idelanir Ernesti, Jiomar Turin, Jorge Celestino Buso, Luiz Carlos Marioni, Ocimar Bolicenho, Otávio Langowski, Raul Trombini e Ronaldo Perretto.
A 19 de dezembro de 1989, reunidos na Vila Capanema e na sede da Avenida Kennedy, os conselhos deliberativos de Colorado e Pinheiros aprovam a fusão e o nascimento do Paraná Clube.
Nascia um Clube com nome sobrenome e estirPe. Filho de Colorado e Pinheiros, é descendente direto do Clube Atlético Ferroviário, Britânia Esporte Clube e Palestra Itália, por um lado; e de Savóia, Brasil e Esporte Clube Água Verde de outro.
Seu sucesso é o resultado de uma infindável soma de qualidades, ingrediente principal da fusão.
Ou melhor: seu sucesso é o resultado de um idéia.
Simples, como todas as grandes idéias.
Mas tão forte, que não seria demais pensar que o vermelho, azul e branco do Paraná Clube já estejam unidos no coração de sua imensa torcida desde sempre.
Trata-se de um Clube predestinado.
Está fadado a crescer ainda mais, a ganhar torcedores e campeonatos como nenhum outro.
Será, eternamente, paixão e alegria do seu povo.
O Paraná Clube será o maior até o final dos tempos.
Ou até mesmo depois.
Darci Piana, empresário do Paraná Clube
Paraná Clube, paixão e alegria
Darci Piana
No dia 19 de dezembro de 1993, o Paraná Clube completou 4 anos, 1461 dias depois das assembléias que aprovaram a fusão, o Paraná Clube é muito mais que um clube ou um time de futebol. É uma força, respeitada em todo o Brasil.
Mas nenhum dos colorados e pinheirenses que um dia sonharam em unir suas torcidas, suas cores e seus patrimônios, poderia imaginar que o elemento químico gerado pela fusão fosse tão sólido. O processo que fundiu vermelho, azul e branco mostrou-se indestrutível,
irreversível, perene.
Ninguém jamais irá destruir esta mítica construída pela união.
Nem sempre foi assim.
No início, ali por meados de 1988, eram apenas alguns sonhadores reunidos em torno da mesa de reuniões de uma agência de propaganda. Não que a história da fusão tenha começado pelo marketing, mas porque o publicitário colorado Zeno Otto prestava serviços profissionais ao pinheirense Waldomiro Perini e teve a idéia de discutir o assunto. A Ernani Buchmann coube garantir a presença de alguns colorados na primeira reunião, enfim restritos a Dely Macedo e a mim.
Antonio Carlos Mello Pacheco, Erondy Silvério e Waldomiro Perini representaram o
Pinheiros.
Mas a idéia só avançou um ano e muitas reuniões depois.
Durante um almoço no Restaurante Veneza, em Santa Felicidade, Aramis Tissot, Dely Macedo, Jorge Celestino Buso, Ocimar Bolicenho e eu assinamos um protocolo informal, com as bases da fusão; nomes, cores, símbolo, sede do futebol e slogan.
Prosaico documento aquele, escrito num guardanapo de papel.
No dia 26 de maio de 1989, os presidente Adjalma Polydoro, do Colorado, e Mello Pacheco, do Pinheiros, assinaram a carta de intenções que deu ao processo de fusão o ar solene que o guardanapo não tinha.
Ali estavam grafados os alicerces do Paraná Clube, depois oficializados por sua primeira diretoria, à exceção da águia dourada como símbolo, em tempo substituída pela gralha azul.
Ali também foi nomeada a Comissão Especial de Fusão, composta por Aramis Tissot, Darci Piana, Delu Macedo, Dílson Rossi, Idelanir Ernesti, Jiomar Turin, Jorge Celestino Buso, Luiz Carlos Marioni, Ocimar Bolicenho, Otávio Langowski, Raul Trombini e Ronaldo Perretto.
A 19 de dezembro de 1989, reunidos na Vila Capanema e na sede da Avenida Kennedy, os conselhos deliberativos de Colorado e Pinheiros aprovam a fusão e o nascimento do Paraná Clube.
Nascia um Clube com nome sobrenome e estirPe. Filho de Colorado e Pinheiros, é descendente direto do Clube Atlético Ferroviário, Britânia Esporte Clube e Palestra Itália, por um lado; e de Savóia, Brasil e Esporte Clube Água Verde de outro.
Seu sucesso é o resultado de uma infindável soma de qualidades, ingrediente principal da fusão.
Ou melhor: seu sucesso é o resultado de um idéia.
Simples, como todas as grandes idéias.
Mas tão forte, que não seria demais pensar que o vermelho, azul e branco do Paraná Clube já estejam unidos no coração de sua imensa torcida desde sempre.
Trata-se de um Clube predestinado.
Está fadado a crescer ainda mais, a ganhar torcedores e campeonatos como nenhum outro.
Será, eternamente, paixão e alegria do seu povo.
O Paraná Clube será o maior até o final dos tempos.
Ou até mesmo depois.
Darci Piana, empresário do Paraná Clube
sexta-feira, 15 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - Diplomacia do Machado
Histórias do Paraná - Diplomacia do Machado
Diplomacia do Machado
Túlio Vargas
Corria o ano de 1967. homem simples, bem sucedido na lavoura, tocador de obras, Honorário Fagan, prefeito de Floraí, PR, município vizinho ao de Nova Esperança, não se conformava com a precária rede elétrica que abastecia a florescente cidade.
Participei dessa preocupação, durante meses, como deputado estadual, representante da região na Assembléia Legislativa do Estado.
Controlada por empresa particular, a distribuição de energia elétrica, de péssima qualidade, emperrava o desenvolvimento do município. Não bastasse isso, o titular da concessionária ainda dissentia politicamente do prefeito.
Isso complicava as relações entre as partes e o impasse comprometia uma solução de bom senso para os ligitantes.
Honorário Fagan sonhava em levar para Floraí os serviços da COPEL, cujas linhas de transmissão, em franca expansão pelas cidade do norte e nordeste do Estado, representavam conforto e prosperidade para aquelas populações carentes de progresso.
O prefeito vinha seguidamente a Curitiba em busca de apoio ao seu projeto.
Madrugador impeniten-te, hábito do quotidiano rural, entendia normal acordar-me, pelo telefone, às 6:00 horas da manhã.
Quando lhe ponderei a inconveniência do horário, passou a telefonar-me às 6:30 horas.
Baldados seus esforços em cancelar, pelos meios legais, a primitiva concessão, pediu-me o aconselhamento de uma alternativa para o caso.
Indiquei-lhe duas opções. A primeira delas, a diplomacia de um acordo; a segunda, a derrubada da velha rede, com os riscos de um processo judicial e represálias pessoais.
Ele não se deteve em reflexões.
Preferiu a segunda opção.
Obstinado e corajoso, determinou que, em plena madrugada, operários da Prefeitura pusessem abaixo, a golpes de machado, a rede incômoda.
Quando, no dia seguinte, desembarcou em Floraí o engenheiro João Carlos Calvo, designado pela COPEL para mediar uma composição amigável, nada mais restava de pé.
Houve reações e ameaças dos prejudicados.
Quase deu pancadaria.
Mas, com o passar dos dias, os ânimos serenaram diante do fato consumado.
Prevaleceu a férrea vontade do prefeito.
Com o caminho livre, a COPEL instalou-se em Floraí para alegria de um povo disposto a tudo para alcançar os benefícios da modernidade.
Teimoso e intimorato, Honório Fagan soube usar a linguagem que melhor funcionava naque-a região pioneira.
A diplomacia do machado...
Túlio Vargas ex-deputado, membro da Academia Paranaense de Letras
Diplomacia do Machado
Túlio Vargas
Corria o ano de 1967. homem simples, bem sucedido na lavoura, tocador de obras, Honorário Fagan, prefeito de Floraí, PR, município vizinho ao de Nova Esperança, não se conformava com a precária rede elétrica que abastecia a florescente cidade.
Participei dessa preocupação, durante meses, como deputado estadual, representante da região na Assembléia Legislativa do Estado.
Controlada por empresa particular, a distribuição de energia elétrica, de péssima qualidade, emperrava o desenvolvimento do município. Não bastasse isso, o titular da concessionária ainda dissentia politicamente do prefeito.
Isso complicava as relações entre as partes e o impasse comprometia uma solução de bom senso para os ligitantes.
Honorário Fagan sonhava em levar para Floraí os serviços da COPEL, cujas linhas de transmissão, em franca expansão pelas cidade do norte e nordeste do Estado, representavam conforto e prosperidade para aquelas populações carentes de progresso.
O prefeito vinha seguidamente a Curitiba em busca de apoio ao seu projeto.
Madrugador impeniten-te, hábito do quotidiano rural, entendia normal acordar-me, pelo telefone, às 6:00 horas da manhã.
Quando lhe ponderei a inconveniência do horário, passou a telefonar-me às 6:30 horas.
Baldados seus esforços em cancelar, pelos meios legais, a primitiva concessão, pediu-me o aconselhamento de uma alternativa para o caso.
Indiquei-lhe duas opções. A primeira delas, a diplomacia de um acordo; a segunda, a derrubada da velha rede, com os riscos de um processo judicial e represálias pessoais.
Ele não se deteve em reflexões.
Preferiu a segunda opção.
Obstinado e corajoso, determinou que, em plena madrugada, operários da Prefeitura pusessem abaixo, a golpes de machado, a rede incômoda.
Quando, no dia seguinte, desembarcou em Floraí o engenheiro João Carlos Calvo, designado pela COPEL para mediar uma composição amigável, nada mais restava de pé.
Houve reações e ameaças dos prejudicados.
Quase deu pancadaria.
Mas, com o passar dos dias, os ânimos serenaram diante do fato consumado.
Prevaleceu a férrea vontade do prefeito.
Com o caminho livre, a COPEL instalou-se em Floraí para alegria de um povo disposto a tudo para alcançar os benefícios da modernidade.
Teimoso e intimorato, Honório Fagan soube usar a linguagem que melhor funcionava naque-a região pioneira.
A diplomacia do machado...
Túlio Vargas ex-deputado, membro da Academia Paranaense de Letras
quinta-feira, 14 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - Duas de penitenciária
Histórias do Paraná - Duas de penitenciária
Duas de penitenciária
Rodrigo Pereira Gomes
A Penitenciária Central do Estado, em Piraquara, eqüivale a uma pequena e efervescente cidade Ela comporta 14 galerias com 1.600 "hóspedes" compulsórios, além de um "motel" interno para encontros íntimos autorizados e uma área de segurança máxima.
Quem quiser conhecê-la bem vai ter que percorrer exatos sete quilômetros de corredores.
Ou então...
Domingo de sol, 10 horas da manhã. Um grupo de presidiários interrompe a animada partida de futebol para prestar atenção no ronco de um motor que se espalha no céu.
Longínquo, até segundos atrás, ele está cada vez mais próximo.
De repente, o pequeno avião ultraleve aparece na linha dos altos muros da prisão, tão baixo que quase roça nas guaritas de segurança.
Todo piloto de aviação que se preza conhece e respeita a lei que impede sobrevôos em baixa altitude em penitenciárias e outras áreas ou edificações consideradas de segurança. O intrépido ás do ultraleve parece desconhecer essa regra, bem como a possível sanção de quem a transgride: ele pode ser abatido em pleno vôo. E por desconhecer tanto uma quanto a outra, nosso piloto começa a dar rasantes em círculo
sobre a penitenciária.
Armado com um mosquetão de alto alcance e impacto, o policial militar que fazia a vigília na sétima guarita ainda questionou o colega da guarita vizinha: - "E daí, cumprimos a lei?" Não esperou pela resposta.
Mirou o motor da pequena aeronave e mandou chumbo grosso.
O ultraleve e seu piloto só não se espatifaram por completo, num morro próximo à Companhia de Guardas, porque a pequena aeronave plaina com certa facilidade, diminuindo o impacto da queda.
Os guardas recolheram o piloto com alguns ossos quebrados e uma incrível explicação.
Tratava-se de jovem promotor público, recém aprovado em concurso e nomeado para atender a Penitenciária Central do Estado.
Naquele domingo de sol, disse, estava apenas tentando conhecer de maneira rápida, fácil e prazeirosa o seu novo local de trabalho.
Se entrar numa penitenciária pelo céu não pode, muito menos é permitido sair dela por baixo.
Mas todo preso tem o direito intrínseco de tentar a fuga - e uma das maneiras mais usuais de se fugir de uma prisão é através de túneis.
Em 1979, um grupo de presidiários de Piraquara se notabilizou pela maior obra de "engenharia fugitiva" já construída ali.
Era um túnel com 78 metros de comprimento, escavado cinco metros solo abaixo.
Iniciava na terceira galeria, atravessava um campo de futebol e um pátio de sol, avançando em direção ao muro externo.
Tinha escoramento interno, luz elétrica, ventilação e carretilha para a retirada da terra escavada.
Para enganar os guardas, a boca do túnel era tapada com um tapume imitando uma parede, colado com massa de feijão.
Deveria dar fuga a cerca de 150 presos de três galerias.
Faltava escavar apenas mais dois metros para chegar ao muro externo, quando se deu o desastre. O "engenheiro" da obra cochilou nos cálculos e elevou o túnel. A camada de solo não agüentou o peso de um caminhão que passou por cima, afundando e revelando a passagem subterrânea.
A frustração deve ter sido grande.
Mas quem garante que um novo túnel não esteja sendo escavado nesse instante?
Rodrigo Pereira Gomes, funcionário público aposentado.
Escreveu baseado em fatos narrados pessoalmente pelo Capitão PM Marco Aurélio de Moraes Sarmento,
precocemente falecido em 04.12.93
Duas de penitenciária
Rodrigo Pereira Gomes
A Penitenciária Central do Estado, em Piraquara, eqüivale a uma pequena e efervescente cidade Ela comporta 14 galerias com 1.600 "hóspedes" compulsórios, além de um "motel" interno para encontros íntimos autorizados e uma área de segurança máxima.
Quem quiser conhecê-la bem vai ter que percorrer exatos sete quilômetros de corredores.
Ou então...
Domingo de sol, 10 horas da manhã. Um grupo de presidiários interrompe a animada partida de futebol para prestar atenção no ronco de um motor que se espalha no céu.
Longínquo, até segundos atrás, ele está cada vez mais próximo.
De repente, o pequeno avião ultraleve aparece na linha dos altos muros da prisão, tão baixo que quase roça nas guaritas de segurança.
Todo piloto de aviação que se preza conhece e respeita a lei que impede sobrevôos em baixa altitude em penitenciárias e outras áreas ou edificações consideradas de segurança. O intrépido ás do ultraleve parece desconhecer essa regra, bem como a possível sanção de quem a transgride: ele pode ser abatido em pleno vôo. E por desconhecer tanto uma quanto a outra, nosso piloto começa a dar rasantes em círculo
sobre a penitenciária.
Armado com um mosquetão de alto alcance e impacto, o policial militar que fazia a vigília na sétima guarita ainda questionou o colega da guarita vizinha: - "E daí, cumprimos a lei?" Não esperou pela resposta.
Mirou o motor da pequena aeronave e mandou chumbo grosso.
O ultraleve e seu piloto só não se espatifaram por completo, num morro próximo à Companhia de Guardas, porque a pequena aeronave plaina com certa facilidade, diminuindo o impacto da queda.
Os guardas recolheram o piloto com alguns ossos quebrados e uma incrível explicação.
Tratava-se de jovem promotor público, recém aprovado em concurso e nomeado para atender a Penitenciária Central do Estado.
Naquele domingo de sol, disse, estava apenas tentando conhecer de maneira rápida, fácil e prazeirosa o seu novo local de trabalho.
Se entrar numa penitenciária pelo céu não pode, muito menos é permitido sair dela por baixo.
Mas todo preso tem o direito intrínseco de tentar a fuga - e uma das maneiras mais usuais de se fugir de uma prisão é através de túneis.
Em 1979, um grupo de presidiários de Piraquara se notabilizou pela maior obra de "engenharia fugitiva" já construída ali.
Era um túnel com 78 metros de comprimento, escavado cinco metros solo abaixo.
Iniciava na terceira galeria, atravessava um campo de futebol e um pátio de sol, avançando em direção ao muro externo.
Tinha escoramento interno, luz elétrica, ventilação e carretilha para a retirada da terra escavada.
Para enganar os guardas, a boca do túnel era tapada com um tapume imitando uma parede, colado com massa de feijão.
Deveria dar fuga a cerca de 150 presos de três galerias.
Faltava escavar apenas mais dois metros para chegar ao muro externo, quando se deu o desastre. O "engenheiro" da obra cochilou nos cálculos e elevou o túnel. A camada de solo não agüentou o peso de um caminhão que passou por cima, afundando e revelando a passagem subterrânea.
A frustração deve ter sido grande.
Mas quem garante que um novo túnel não esteja sendo escavado nesse instante?
Rodrigo Pereira Gomes, funcionário público aposentado.
Escreveu baseado em fatos narrados pessoalmente pelo Capitão PM Marco Aurélio de Moraes Sarmento,
precocemente falecido em 04.12.93
quarta-feira, 13 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - Nhô Cipra
Histórias do Paraná - Nhô Cipra
Nhô Cipra
Valdevino Lopes
O Distrito de Uvaia, a cerca de trinta quilômetros da sede do município de Ponta Grossa, já teve seus tempos de glória.
Foi por volta da década de 20, época em que Uvaia ainda se chamava Conchas e tinha uma economia firme calcada
no plantio de laranjas, fabricação de fumo em cordas (o melhor "amarelinho" de toda a região) e a criação de gado.
A sede de Conchas não diferia muito das demais espalhadas pelo nosso Paraná: trezentos alqueires de terra produtiva; uma igrejinha no centro com inúmeras casas em redor, construídas de barro e pau-a-pique, cobertas de telhas goivas.
Dentre as moradias, uma se destacava: era a mansão de Cypriano Gomes da Silveira, cidadão nascido no distrito e que teve toda uma vida voltada para a população ali residente.
Amigo de todos os sitiantes, chegou a ser padrinho de mais da metade das crianças ali nascidas.
O prestígio de Cypriano aumentou ainda mais entre os conterrâneos quando, graças a importantes amizades com políticos da capital e ao progresso local, conseguiu a elevação político-administra-tiva de Conchas de simples Distrito para Distrito Autônomo.
Eqüivalia a uma espécie de município em nossos dias, com prefeito e tudo.
Cypriano elegeu-se fácil como primeiro prefeito de Conchas.
De quebra, ganhou também o tratamento reverencioso de "Coronel", Coronel Cypriano Gomes da Silveira.
Sua administração foi de dois mandatos, num total de oito anos.
Nesse tempo, criou diversas escolas, abriu estradas pelo interior, incrementou o comércio.
Fez o que sonhava como amante da terra que o viu nascer.
Ponta Grossa, por sua vez, cidade com maiores recursos, crescia num ritmo bem mais rápido e atraía, com isto, a participação dos habitantes da região para suas indústrias e comércio, etc., fazendo sentir os efeitos de seu progresso em Conchas.
Foi tal sua influência que Conchas acabou perdendo sua autonomia, voltando a simples distrito.
Os próprios moradores que lá permaneciam é que pleitearam a volta de Conchas à dependência políti-co-administrativa de Ponta Grossa.
Com o povo indo embora cada vez mais, a produção de laranjas e fumo de corda diminuindo muito, comércio quase às moscas, não havia outra solução.
Mas não foi só Conchas que perdeu.
Com o fim do Distrito Independente, a maior liderança local, o Coronel Cypriano Gomes da
Silveira, perdeu também seu título honorífico.
Agora passou a ser tratado apenas por "seu" Cypriano Gomes da Silveira.
O declínio do lugar continuou. A pouca importância econômica e eleitoral de Conchas, a administração de Ponta Grossa respondia com o descaso pelas escolas e estradas.
Com pouco dinheiro circulando, o comércio vivia às moscas, ninguém ousava fazer uma benfeitoria.
Conchas já era quase um vilarejo fantasma quando "seu" Cypriano Gomes da Silveira sofreu novo baque em seu amor próprio.
Os moradores que restavam passaram a chamá-lo de "nhô" Cipra, reservando-lhe o mesmo tratamento que usavam entre si. E foi como "nhô" Cipra que morreu, anos atrás, em Ponta Grossa, o antigo Coronel Cypriano, dos tempos de prefeito de Conchas, também conhecido como "seu" Cypriano quando começou a decadência.
Lições de vida...
Valdevino Lopes, professor aposentado em Ponta Grossa
Nhô Cipra
Valdevino Lopes
O Distrito de Uvaia, a cerca de trinta quilômetros da sede do município de Ponta Grossa, já teve seus tempos de glória.
Foi por volta da década de 20, época em que Uvaia ainda se chamava Conchas e tinha uma economia firme calcada
no plantio de laranjas, fabricação de fumo em cordas (o melhor "amarelinho" de toda a região) e a criação de gado.
A sede de Conchas não diferia muito das demais espalhadas pelo nosso Paraná: trezentos alqueires de terra produtiva; uma igrejinha no centro com inúmeras casas em redor, construídas de barro e pau-a-pique, cobertas de telhas goivas.
Dentre as moradias, uma se destacava: era a mansão de Cypriano Gomes da Silveira, cidadão nascido no distrito e que teve toda uma vida voltada para a população ali residente.
Amigo de todos os sitiantes, chegou a ser padrinho de mais da metade das crianças ali nascidas.
O prestígio de Cypriano aumentou ainda mais entre os conterrâneos quando, graças a importantes amizades com políticos da capital e ao progresso local, conseguiu a elevação político-administra-tiva de Conchas de simples Distrito para Distrito Autônomo.
Eqüivalia a uma espécie de município em nossos dias, com prefeito e tudo.
Cypriano elegeu-se fácil como primeiro prefeito de Conchas.
De quebra, ganhou também o tratamento reverencioso de "Coronel", Coronel Cypriano Gomes da Silveira.
Sua administração foi de dois mandatos, num total de oito anos.
Nesse tempo, criou diversas escolas, abriu estradas pelo interior, incrementou o comércio.
Fez o que sonhava como amante da terra que o viu nascer.
Ponta Grossa, por sua vez, cidade com maiores recursos, crescia num ritmo bem mais rápido e atraía, com isto, a participação dos habitantes da região para suas indústrias e comércio, etc., fazendo sentir os efeitos de seu progresso em Conchas.
Foi tal sua influência que Conchas acabou perdendo sua autonomia, voltando a simples distrito.
Os próprios moradores que lá permaneciam é que pleitearam a volta de Conchas à dependência políti-co-administrativa de Ponta Grossa.
Com o povo indo embora cada vez mais, a produção de laranjas e fumo de corda diminuindo muito, comércio quase às moscas, não havia outra solução.
Mas não foi só Conchas que perdeu.
Com o fim do Distrito Independente, a maior liderança local, o Coronel Cypriano Gomes da
Silveira, perdeu também seu título honorífico.
Agora passou a ser tratado apenas por "seu" Cypriano Gomes da Silveira.
O declínio do lugar continuou. A pouca importância econômica e eleitoral de Conchas, a administração de Ponta Grossa respondia com o descaso pelas escolas e estradas.
Com pouco dinheiro circulando, o comércio vivia às moscas, ninguém ousava fazer uma benfeitoria.
Conchas já era quase um vilarejo fantasma quando "seu" Cypriano Gomes da Silveira sofreu novo baque em seu amor próprio.
Os moradores que restavam passaram a chamá-lo de "nhô" Cipra, reservando-lhe o mesmo tratamento que usavam entre si. E foi como "nhô" Cipra que morreu, anos atrás, em Ponta Grossa, o antigo Coronel Cypriano, dos tempos de prefeito de Conchas, também conhecido como "seu" Cypriano quando começou a decadência.
Lições de vida...
Valdevino Lopes, professor aposentado em Ponta Grossa
terça-feira, 12 de agosto de 2014
300 e tantas Historias do Paraná, Brasil.
300 e tantas Historias do Paraná, Brasil.
Em 1993, aos trezentos dias que antecediam o aniversário da Cidade de Curitiba, o Jornal Gazeta do Povo
iniciou a publicação de uma série de contos históricos chamados 300 histórias de Curitiba.
Trata-se de obras de autores independentes que formam reunidas e preservadas neste material.
São pequenos escritos que contam um pouco da história e da cultura da cidade de Curitiba Paraná Brasil.
Com o sucesso dessa publicação deu-se a publicação das 300 e tantas histórias do Paraná seguindo o mesmo molde.
Neste site reunimos as obras desses diversos autores paranaenses que contam um pouco da história do Paraná, Brasil.
Em 1993, aos trezentos dias que antecediam o aniversário da Cidade de Curitiba, o Jornal Gazeta do Povo
iniciou a publicação de uma série de contos históricos chamados 300 histórias de Curitiba.
São pequenos escritos que contam um pouco da história e da cultura da cidade de Curitiba Paraná Brasil.
Com o sucesso dessa publicação deu-se a publicação das 300 e tantas histórias do Paraná seguindo o mesmo molde.
Neste site reunimos as obras desses diversos autores paranaenses que contam um pouco da história do Paraná, Brasil.
segunda-feira, 11 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - Missa para George Smith
Histórias do Paraná - Missa para George Smith
Missa para George Smith
Olympio Luiz Westphalen
Iniciada a colonização de Londrina, com a chegada da primeira caravana colonizadora, aberta a clareira na mata, levantados os primeiros ranchos de palmito e construído o Hotel Campestre, George Craig Smith, brasileiro filho de inglês, ficou como chefe de escritório e orientador dos agenciadores de terras, enquanto o Eng.
Carlos Rottman, que já era funcionário da Companhia de Terras Norte do Paraná, foi nomeado gerente das operações locais.
Em 1930 foi construída a estrada de rodagem entre Jatai e Patrimônio Londrina.
Devido à situação política do país e à Revolução de 1930, as vendas de terras eram fraquíssimas, tanto que Arthur Thomas, Diretor-Ge-rente e Administrador Geral da Companhia de Terras, residente em São Paulo, ordenou a mais rigorosa economia e reduziu as atividades ao mínimo. O primeiro grupo de compradores de terras chegou em dezembro de 1929, era composto de oito japoneses, que chegaram acompanhados pelo notável pioneiro e agenciador de terras da Companhia, Hikoma Udihara.
Em 1932 foi inaugurada a estação ferroviária de Jatai e instalada a primeira linha telefônica, o que foi um grande benefício, trazendo a ci-viüzação mais perto dos bravos pioneiros de Londrina.
Neste mesmo ano, em maio, chegou a Londrina o Dr. Willie da Fonseca Brabazon Davids, como Diretor Técnico da Cia de Terras.
Quando estourou a Revolução Paulista de 1932, Londrina já possuía cerca de 150 casas e, conforme relatou o pioneiro Oswald Nixdorf, no livro publicado pelo decano dos jornalistas londrinenses, Humberto Puigari Coutinho, os habitantes do Patrimônio ficaram totalmente isolados da civilização, pois a estrada de ferro, cujo ponto final ficava em Jatai, parou no primeiro dia da revolução.
Então começou a faltar tudo, sal, farinha, açúcar, arroz, feijão, fumo, cigarros e até fósforos. O Dr. Willie Davids, com sua experiência de engenheiro, administrador e fazendeiro, sentiu uma responsabilidade pessoal pelo povo e logo tomou várias providências para aliviar a situação.
Mandou comprar rapadura e arroz em casca na localidade de Sertanópolis, fabricou uma primitiva máquina de descascar arroz e construiu um monjolo.
As mulheres do povoado foram admiráveis e não ficaram atrás nos seus esforços e fizeram milagres na preparação da comida, usando o palmito como base - cozido, fervido, assado, cru, etc... O fogo não podia apagar, pois não havia fósforo para reacendê-lo.
Em julho de 1932, o jovem paulista George Craig Smith alistou-se como voluntário nas Forças Constitucionalistas de São Paulo, como soldado, tendo lutado na frente de Buri, sem um dia sequer de descanso, até ser preso e enviado à Ilha das Flores, no Rio de Janeiro.
Voltando a Londrina em outubro de 1932, após o término da Revolução, foi recebido com grande alegria pelo Dr. Willie Davids, e sua esposa, Da.
Carlota Mello Peixoto Davids, principalmente porque pensaram que Smith havia morrido em combate, tanto que chegaram mesmo a mandar rezar missa pela sua alma.
Olympio Luiz Westphalen, professor universitário em Londrina
Missa para George Smith
Olympio Luiz Westphalen
Iniciada a colonização de Londrina, com a chegada da primeira caravana colonizadora, aberta a clareira na mata, levantados os primeiros ranchos de palmito e construído o Hotel Campestre, George Craig Smith, brasileiro filho de inglês, ficou como chefe de escritório e orientador dos agenciadores de terras, enquanto o Eng.
Carlos Rottman, que já era funcionário da Companhia de Terras Norte do Paraná, foi nomeado gerente das operações locais.
Em 1930 foi construída a estrada de rodagem entre Jatai e Patrimônio Londrina.
Devido à situação política do país e à Revolução de 1930, as vendas de terras eram fraquíssimas, tanto que Arthur Thomas, Diretor-Ge-rente e Administrador Geral da Companhia de Terras, residente em São Paulo, ordenou a mais rigorosa economia e reduziu as atividades ao mínimo. O primeiro grupo de compradores de terras chegou em dezembro de 1929, era composto de oito japoneses, que chegaram acompanhados pelo notável pioneiro e agenciador de terras da Companhia, Hikoma Udihara.
Em 1932 foi inaugurada a estação ferroviária de Jatai e instalada a primeira linha telefônica, o que foi um grande benefício, trazendo a ci-viüzação mais perto dos bravos pioneiros de Londrina.
Neste mesmo ano, em maio, chegou a Londrina o Dr. Willie da Fonseca Brabazon Davids, como Diretor Técnico da Cia de Terras.
Quando estourou a Revolução Paulista de 1932, Londrina já possuía cerca de 150 casas e, conforme relatou o pioneiro Oswald Nixdorf, no livro publicado pelo decano dos jornalistas londrinenses, Humberto Puigari Coutinho, os habitantes do Patrimônio ficaram totalmente isolados da civilização, pois a estrada de ferro, cujo ponto final ficava em Jatai, parou no primeiro dia da revolução.
Então começou a faltar tudo, sal, farinha, açúcar, arroz, feijão, fumo, cigarros e até fósforos. O Dr. Willie Davids, com sua experiência de engenheiro, administrador e fazendeiro, sentiu uma responsabilidade pessoal pelo povo e logo tomou várias providências para aliviar a situação.
Mandou comprar rapadura e arroz em casca na localidade de Sertanópolis, fabricou uma primitiva máquina de descascar arroz e construiu um monjolo.
As mulheres do povoado foram admiráveis e não ficaram atrás nos seus esforços e fizeram milagres na preparação da comida, usando o palmito como base - cozido, fervido, assado, cru, etc... O fogo não podia apagar, pois não havia fósforo para reacendê-lo.
Em julho de 1932, o jovem paulista George Craig Smith alistou-se como voluntário nas Forças Constitucionalistas de São Paulo, como soldado, tendo lutado na frente de Buri, sem um dia sequer de descanso, até ser preso e enviado à Ilha das Flores, no Rio de Janeiro.
Voltando a Londrina em outubro de 1932, após o término da Revolução, foi recebido com grande alegria pelo Dr. Willie Davids, e sua esposa, Da.
Carlota Mello Peixoto Davids, principalmente porque pensaram que Smith havia morrido em combate, tanto que chegaram mesmo a mandar rezar missa pela sua alma.
Olympio Luiz Westphalen, professor universitário em Londrina
domingo, 10 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - A Revolução no Água Verde
Histórias do Paraná - A Revolução no Água Verde
A Revolução no Água Verde
Pablo Gomes y Monzon
Em breve, vai fazer um século que a revolução federalista viveu a parte mais importante e dramática de seu desfecho em terras do Paraná. A heróica resistência da Lapa, e o cruel assassinato do Barão do Cerro Azul são quase que as únicas referências que hoje se fazem a respeito desse episódio.
Mas tem muito mais história para contar, e até sobrou alguma coisa acontecida aqui no Água Verde, em Curitiba.
Contava o avô de minha mulher, o velho Romédio Dorigo, dos sustos e apuros por que passou naquele tempo, quando, recém chegado de sua Itália natal, veio morar no bairro, mal sabendo falar o português, e não tendo a menor idéia do por quê guerreavam maragatos e pica-paus.
Enquanto a Lapa resistia bravamente ao cerco imposto pelos maragatos de Gumercindo Saraiva, Curitiba, que fora covardemente abandonada pelos defensores pica-paus, já estava em poder dos rebeldes.
Para cobrir os custos da ocupação, os invasores procediam coleta compulsória de comerciantes, fabricantes ou de quem pudessem arrancar algum dinheiro.
Em sua maioria, bandoleiros do Rio Grande do Sul, percorriam a cidade aterrorizando a população com seus métodos.
Coitado daquele que reagisse ou se negasse a contribuir, era de imediato acusado de pica-pau, e em muitos casos degolado ali mesmo, no meio da rua.
O Água Verde aquele tempo era quase que povoado só por imigrantes italianos, que viviam em chácaras onde não haviam nem ruas.
Como eram pobres, os bandidos não os incomodavam.
Mas o ferreiro Romédio, que tinha seu negócio na rua principal, ali onde hoje é o Cicles Água Verde na República Argentina, era uma constante vítima dos achaques.
Ou contribuía, ou era passado o facão, ameaçavam os gaúchos.
O domínio dos maragatos não durou muito.
Graças à ferrenha resistência do General Carneiro e seus soldados na Lapa, os rumores da guerra mudaram, e eles tiveram que fugir para o sul.
Mas foi ainda pior, segundo o velho Dorigo, pois os vingativos pica-paus (tropas do governo sob o comando do General Everton de Quadros), ao retornarem à cidade, iam de casa em casa, e acusavam de cúmplices os que tivessem contribuído com os revolucionários.
Quando comprovada a acusação, a critério deles, é claro, a pena era o fuzilamento.
Foi o que aconteceu com o Barão do Serro Azul, Mato Guedes, e muitos outros paranaenses ilustres.
Numa das vezes em que esses milicos foram importuná-lo em sua ferraria, contava o velho Romédio, então um jovem e corpulento ferreiro, já com os nervos à flor da pele pela constante tensão, teve uma estranha e inesperada reação.
Parecia, disse, que o espírito revolucionário de Garibaldi se lhe tinha encarnado, e fez ferver o seu sangue de italiano, já quente por natureza.
Pois passou a mão numa marreta, e saiu em direção aos apavorados soldados, dando marretadas a esmo e gritando com aquele sotaque que alguns mais velhos ainda tem no Água Verde: "Io non xo maragato ne pica-pau, oxtia, io xo picafero... io xo picafero... io xo picafero..." Os pica-paus deitaram a correr e nunca mais voltaram, e o Romédio Dorigo, por precaução, também passou um bom tempo escondido.
Pablo Gomes y Monzon, micro-empresário
A Revolução no Água Verde
Pablo Gomes y Monzon
Em breve, vai fazer um século que a revolução federalista viveu a parte mais importante e dramática de seu desfecho em terras do Paraná. A heróica resistência da Lapa, e o cruel assassinato do Barão do Cerro Azul são quase que as únicas referências que hoje se fazem a respeito desse episódio.
Mas tem muito mais história para contar, e até sobrou alguma coisa acontecida aqui no Água Verde, em Curitiba.
Contava o avô de minha mulher, o velho Romédio Dorigo, dos sustos e apuros por que passou naquele tempo, quando, recém chegado de sua Itália natal, veio morar no bairro, mal sabendo falar o português, e não tendo a menor idéia do por quê guerreavam maragatos e pica-paus.
Enquanto a Lapa resistia bravamente ao cerco imposto pelos maragatos de Gumercindo Saraiva, Curitiba, que fora covardemente abandonada pelos defensores pica-paus, já estava em poder dos rebeldes.
Para cobrir os custos da ocupação, os invasores procediam coleta compulsória de comerciantes, fabricantes ou de quem pudessem arrancar algum dinheiro.
Em sua maioria, bandoleiros do Rio Grande do Sul, percorriam a cidade aterrorizando a população com seus métodos.
Coitado daquele que reagisse ou se negasse a contribuir, era de imediato acusado de pica-pau, e em muitos casos degolado ali mesmo, no meio da rua.
O Água Verde aquele tempo era quase que povoado só por imigrantes italianos, que viviam em chácaras onde não haviam nem ruas.
Como eram pobres, os bandidos não os incomodavam.
Mas o ferreiro Romédio, que tinha seu negócio na rua principal, ali onde hoje é o Cicles Água Verde na República Argentina, era uma constante vítima dos achaques.
Ou contribuía, ou era passado o facão, ameaçavam os gaúchos.
O domínio dos maragatos não durou muito.
Graças à ferrenha resistência do General Carneiro e seus soldados na Lapa, os rumores da guerra mudaram, e eles tiveram que fugir para o sul.
Mas foi ainda pior, segundo o velho Dorigo, pois os vingativos pica-paus (tropas do governo sob o comando do General Everton de Quadros), ao retornarem à cidade, iam de casa em casa, e acusavam de cúmplices os que tivessem contribuído com os revolucionários.
Quando comprovada a acusação, a critério deles, é claro, a pena era o fuzilamento.
Foi o que aconteceu com o Barão do Serro Azul, Mato Guedes, e muitos outros paranaenses ilustres.
Numa das vezes em que esses milicos foram importuná-lo em sua ferraria, contava o velho Romédio, então um jovem e corpulento ferreiro, já com os nervos à flor da pele pela constante tensão, teve uma estranha e inesperada reação.
Parecia, disse, que o espírito revolucionário de Garibaldi se lhe tinha encarnado, e fez ferver o seu sangue de italiano, já quente por natureza.
Pois passou a mão numa marreta, e saiu em direção aos apavorados soldados, dando marretadas a esmo e gritando com aquele sotaque que alguns mais velhos ainda tem no Água Verde: "Io non xo maragato ne pica-pau, oxtia, io xo picafero... io xo picafero... io xo picafero..." Os pica-paus deitaram a correr e nunca mais voltaram, e o Romédio Dorigo, por precaução, também passou um bom tempo escondido.
Pablo Gomes y Monzon, micro-empresário
sábado, 9 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - Como o Mar Vermelho
Histórias do Paraná - Como o Mar Vermelho
Como o Mar Vermelho
Álvaro Dirceu de Camargo Vianna
Havia um alvoroço entre a rapaziada de Paranaguá naquela semana, nos anos 40!
A grande vedete nacional Araci Cortes estreava no Cine Variedades, hoje Santa Helena, uma peça burlesca. O "corpo de baile" da companhia vestia maiôs que deixaram as pernas de fora e a parte superior do busto mais descoberto que usual à época.
Mas havia um porém: o preço do espetáculo estava fora da capacidade econômica dos estudantes.
Até o "galinheiro" (como apelidavam a "Geral") não estava ao alcance de nenhum de nós.
Muito menos a platéia.
Os camarotes nem falar.
Surgiu entre alguns corajosos a idéia de — se não podiam entrar no teatro - ir de "penetra" no porão, "frestar" as coristas.
Talvez até tivessem uma visão mais privilegiada do que aqueles que compraram ingressos.
O espetáculo começa às 20:30 horas e lá pelas 18:30 um grupo composto de Coelho, Zezo Tramujas, Nelson Buffara, Milton Vernalha, Willian Buffara, Manoel Lúcio e mais uns dois ou três que me fogem à memória (nas décadas seguintes quase todos ilustres de Paranaguá e do Paraná, incluindo um deputado, médicos, professor universitário e procurador de Justiça), romperam a cerca e saltaram o muro, ficando escondidos no porão.
Ocorre que, mesmo antes de chegar perto da hora do espetáculo teatral, quando as coristas começavam a trocar de roupa, os "frestadores", entusiasmados com o espetáculo, não contiveram suas emoções. O barulho foi tanto que Araci Cortes chamou o Frota - o gerente do teatro — e denunciou o fato de que havia alguém debaixo da "coxia".
Não deu outra.
Chamada, a patrulha da polícia deu uma "batida". Flagrou todo mundo.
Ao receber voz de prisão e na impossibilidade de se evadirem, imediatamente Zezo Tramujas - futuro procurador - aconselhou enfatizando:
- "Não corram! Respeitem a lei!!! Respeitem a lei!!!"
Foram todos presos e, no caminho, ao ser avistado por Linda, sua irmã, Nelson Buffara, "berrando" pediu a ela para que avisasse Tuffi para soltá-lo.
Tuffi era o saudoso Miguel Buffara, irmão de Nelson, na ocasião advogado e que foi também deputado federal.
Foram todos soltos, pouco tempo após.
O interessante desta história é que o único que não foi preso foi o Milton Vernalha.
Pesquisador e professor emérito da Universidade Federal do Paraná, o Milton, que é até hoje um "peso pesado", à época já pesava seus 100 quilos distribuídos em 1,60 de altura.
Ninguém sabia como ele conseguiu escapar da polícia, até que Neli Rovedo, figura folclórica em Paranaguá, esclareceu o mistério.
Disse ele que, quando deram o alerta de que a polícia estava chegando, Milton passou correndo em disparada, dirigindo-se a um buraco de apenas 20 centímetros de largura por 60 de altura que havia no muro que dava para os fundos do teatro.
Foi aí que, segundo Neli, o buraco do muro sorriu quando viu Milton disparar em sua direção e pensou: - "Aquele gordo ou se esborracha ou eu me espatifo..." Mas Milton continuou avançando "a galope" em direção ao buraco.
Este, por sua vez, quando viu que Milton não parava, não teve dúvidas.
Abriu-se que nem o Mar Vermelho e Milton passou intacto, e intacto ficou o muro que após abrir-se voltou ao normal.
Embora fantástica a explicação, até hoje só resta esta versão.
Nunca contestada.
Nem pelo Milton.
Alvaro Dirceu de Camargo Vianna, advogado
Como o Mar Vermelho
Álvaro Dirceu de Camargo Vianna
Havia um alvoroço entre a rapaziada de Paranaguá naquela semana, nos anos 40!
A grande vedete nacional Araci Cortes estreava no Cine Variedades, hoje Santa Helena, uma peça burlesca. O "corpo de baile" da companhia vestia maiôs que deixaram as pernas de fora e a parte superior do busto mais descoberto que usual à época.
Mas havia um porém: o preço do espetáculo estava fora da capacidade econômica dos estudantes.
Até o "galinheiro" (como apelidavam a "Geral") não estava ao alcance de nenhum de nós.
Muito menos a platéia.
Os camarotes nem falar.
Surgiu entre alguns corajosos a idéia de — se não podiam entrar no teatro - ir de "penetra" no porão, "frestar" as coristas.
Talvez até tivessem uma visão mais privilegiada do que aqueles que compraram ingressos.
O espetáculo começa às 20:30 horas e lá pelas 18:30 um grupo composto de Coelho, Zezo Tramujas, Nelson Buffara, Milton Vernalha, Willian Buffara, Manoel Lúcio e mais uns dois ou três que me fogem à memória (nas décadas seguintes quase todos ilustres de Paranaguá e do Paraná, incluindo um deputado, médicos, professor universitário e procurador de Justiça), romperam a cerca e saltaram o muro, ficando escondidos no porão.
Ocorre que, mesmo antes de chegar perto da hora do espetáculo teatral, quando as coristas começavam a trocar de roupa, os "frestadores", entusiasmados com o espetáculo, não contiveram suas emoções. O barulho foi tanto que Araci Cortes chamou o Frota - o gerente do teatro — e denunciou o fato de que havia alguém debaixo da "coxia".
Não deu outra.
Chamada, a patrulha da polícia deu uma "batida". Flagrou todo mundo.
Ao receber voz de prisão e na impossibilidade de se evadirem, imediatamente Zezo Tramujas - futuro procurador - aconselhou enfatizando:
- "Não corram! Respeitem a lei!!! Respeitem a lei!!!"
Foram todos presos e, no caminho, ao ser avistado por Linda, sua irmã, Nelson Buffara, "berrando" pediu a ela para que avisasse Tuffi para soltá-lo.
Tuffi era o saudoso Miguel Buffara, irmão de Nelson, na ocasião advogado e que foi também deputado federal.
Foram todos soltos, pouco tempo após.
O interessante desta história é que o único que não foi preso foi o Milton Vernalha.
Pesquisador e professor emérito da Universidade Federal do Paraná, o Milton, que é até hoje um "peso pesado", à época já pesava seus 100 quilos distribuídos em 1,60 de altura.
Ninguém sabia como ele conseguiu escapar da polícia, até que Neli Rovedo, figura folclórica em Paranaguá, esclareceu o mistério.
Disse ele que, quando deram o alerta de que a polícia estava chegando, Milton passou correndo em disparada, dirigindo-se a um buraco de apenas 20 centímetros de largura por 60 de altura que havia no muro que dava para os fundos do teatro.
Foi aí que, segundo Neli, o buraco do muro sorriu quando viu Milton disparar em sua direção e pensou: - "Aquele gordo ou se esborracha ou eu me espatifo..." Mas Milton continuou avançando "a galope" em direção ao buraco.
Este, por sua vez, quando viu que Milton não parava, não teve dúvidas.
Abriu-se que nem o Mar Vermelho e Milton passou intacto, e intacto ficou o muro que após abrir-se voltou ao normal.
Embora fantástica a explicação, até hoje só resta esta versão.
Nunca contestada.
Nem pelo Milton.
Alvaro Dirceu de Camargo Vianna, advogado
sexta-feira, 8 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - Carruagens de Fogo
Histórias do Paraná - Carruagens de Fogo
"Carruagens de Fogo"
Luiz Cláudio Mehl
Toda cidade tem uma vocação, é o que afirmam os urbanistas.
Os traços físicos, a localização geográfica e a formação cultural são alguns determinantes desta vocação.
Diz-se, por exemplo, que São Paulo representa a face capitalista do Brasil; dinheiro, competição e sucesso parecem mover a maioria dos seus habitantes.
O Rio de Janeiro, violência à parte, cultiva o misticismo, a musicalidade e o romantismo.
Curitiba, ao revés, não define claramente uma vocação predominante como cidade.
Ela tem alterado a prática da ciência urbana com manifestações de fenômenos sociológicos.
Há no entretanto um traço comum entre os seus moradores: Uma desmedida vaidade pela cidade!
E este não é um fenômeno recente.
No principio dos anos vinte, início da era do automóvel, Curitiba já possuía um sistema integrado de transporte. A "Maria Fumaça" trazia os viajantes até a Estação Ferroviária, localizada na praça que hoje chamamos de "Eufrásio Correa", próximo do prédio atual da Câmara de Vereadores. E, bem em frente ao prédio da Rede, aünhavam-se as caleças, meias caleças, Landau e outros modelos.
Eram pequenas carroças que transportavam passageiros para os diferentes pontos da cidade Os bancos eram estofados, o molejo macio e as lamparinas iluminavam as noites, geralmente cobertas pela neblina.
Elas eram puxadas por garbosos cavalos e dirigidas pelo cocheiro, acompanhados dos lacaios (ajudantes).
Contam os que viveram aqueles tempos, que os cocheiros disputavam os viajantes cansados da longa viagem de trem.
Eles embarcavam na caleça, exaustos, e ordenavam ao cocheiro: "Leve-me ao hotel mais próximo". E a caleça saía em disparada pela rua Rio Branco acima.
Enquanto isso, o lacaio descrevia para o viajante as belezas do lugar, conforme passavam em frente; os palacetes do Batei, a catedral, o pelourinho, o passeio público e até a chácara dos Leão da Rua João Gualberto. O Tour muitas vezes ultrapassava as primeiras horas da noite, e pela luz das lamparinas, o viajante enfim chegava ao "próximo" hotel; dolorido e cansado pelas viagens.
Quando acordava no dia seguinte, abria as janelas do quarto, de onde descortinava o familiar prédio da Estação Ferroviária.
Ao esticar um pouco mais o pescoço ele via alinhadas as mesmas caleças de ontem; do Tatersal, Forbec, Colere, Rutz, e é claro dos Mehl.
Testemunha da verdade destes tempos, lá permanece o Hotel Marcassa; reformado e ampliado, mas com as janelas ainda voltadas para a Estação.
Luiz Cláudio Mehl, engenheiro civil
"Carruagens de Fogo"
Luiz Cláudio Mehl
Toda cidade tem uma vocação, é o que afirmam os urbanistas.
Os traços físicos, a localização geográfica e a formação cultural são alguns determinantes desta vocação.
Diz-se, por exemplo, que São Paulo representa a face capitalista do Brasil; dinheiro, competição e sucesso parecem mover a maioria dos seus habitantes.
O Rio de Janeiro, violência à parte, cultiva o misticismo, a musicalidade e o romantismo.
Curitiba, ao revés, não define claramente uma vocação predominante como cidade.
Ela tem alterado a prática da ciência urbana com manifestações de fenômenos sociológicos.
Há no entretanto um traço comum entre os seus moradores: Uma desmedida vaidade pela cidade!
E este não é um fenômeno recente.
No principio dos anos vinte, início da era do automóvel, Curitiba já possuía um sistema integrado de transporte. A "Maria Fumaça" trazia os viajantes até a Estação Ferroviária, localizada na praça que hoje chamamos de "Eufrásio Correa", próximo do prédio atual da Câmara de Vereadores. E, bem em frente ao prédio da Rede, aünhavam-se as caleças, meias caleças, Landau e outros modelos.
Eram pequenas carroças que transportavam passageiros para os diferentes pontos da cidade Os bancos eram estofados, o molejo macio e as lamparinas iluminavam as noites, geralmente cobertas pela neblina.
Elas eram puxadas por garbosos cavalos e dirigidas pelo cocheiro, acompanhados dos lacaios (ajudantes).
Contam os que viveram aqueles tempos, que os cocheiros disputavam os viajantes cansados da longa viagem de trem.
Eles embarcavam na caleça, exaustos, e ordenavam ao cocheiro: "Leve-me ao hotel mais próximo". E a caleça saía em disparada pela rua Rio Branco acima.
Enquanto isso, o lacaio descrevia para o viajante as belezas do lugar, conforme passavam em frente; os palacetes do Batei, a catedral, o pelourinho, o passeio público e até a chácara dos Leão da Rua João Gualberto. O Tour muitas vezes ultrapassava as primeiras horas da noite, e pela luz das lamparinas, o viajante enfim chegava ao "próximo" hotel; dolorido e cansado pelas viagens.
Quando acordava no dia seguinte, abria as janelas do quarto, de onde descortinava o familiar prédio da Estação Ferroviária.
Ao esticar um pouco mais o pescoço ele via alinhadas as mesmas caleças de ontem; do Tatersal, Forbec, Colere, Rutz, e é claro dos Mehl.
Testemunha da verdade destes tempos, lá permanece o Hotel Marcassa; reformado e ampliado, mas com as janelas ainda voltadas para a Estação.
Luiz Cláudio Mehl, engenheiro civil
quinta-feira, 7 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - Macucos e socialistas
Histórias do Paraná - Macucos e socialistas
Macucos e socialistas
Abílio Alves da Silva
Quando Maringá foi construída, no final da década de 40, a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná abriu em seu entorno, uma grande malha de estradas vicinais, da qual resultou em rápido e grande progresso para toda aquela região, conhecida como Norte Novíssimo.
Veio gente de todo o Brasil, uns com muito dinheiro, outros com boa vontade e a esperança em Deus. O movimento na cidade era um verdadeiro "farwest", tinha de tudo -carro de boi, carroça, cavaleiros e até automóvel de luxo.
A Cia. Melhoramentos partiu, então, rumo ao noroeste, com o objetivo de abrir e colonizar uma área de 100 mil alqueires na margem esquerda do Rio Ivaí. No inicio, a transposição do rio era feita por uma passagem um tanto improvisada, mas logo foi construída uma balsa, conhecida como a balsa do Kamamoto, que operou até os idos de 1957/58, quando foi construída a ponte.
Desse local saía estrada pioneira que conduzia até o primeiro acampamento mandado construir pela Companhia.
O acampamento ocupava uma área de 15 alqueires, aberta na mata virgem, onde foi erguida a serraria que forneceu a madeira para as primeiras casas da localidade.
Esta ficou inicialmente conhecida como "15 alqueires", mas tarde rebatizada como Cianorte.
Está localizada no planalto do Rio Ligeiro, afluente do Rio Ivaí, numa região de flora e fama de indiscutível beleza. E, também, de alguns mistérios e muitas curiosidades, como aquelas envolvendo o macuco, uma ave de hábitos peculiares, que vive exclusivamente em mata virgem e é considerada o frango selvagem.
Onde pia o macuco, dizia-se, a terra é fértil, boa para o café. É um pio característico, mas facilmente imitável justamente por seu maior inimigo, a onça pintada. Lá pelo fim da tarde, a onça subia no alto de uma árvore, escondendo-se na galhada, e imitava o pio do macuco. A ave, acreditando tratar-se de um companheiro, voava para o mesmo galho, para passar a noite junto. Aí virava fácil jantar da onça que, diziam, não se deliciava tanto com a carne do bicho, mas com suas penas, que são salgadas.
Histórias à parte, a verdade é que havia muitos macucos na região, e as terras eram de fato muito férteis.
Com isso, mais o esforço dos primeiros habitantes, Cianorte prosperou rápido.
Tanto que chamou a atenção de uma comissão de estudos da FAO, o órgão da ONU para alimentação e agricultura, que viera observar o desenvolvimento daquela região que produzia tantos alimentos.
Os especialistas buscavam subsídios para em outras regiões do mundo, principalmente na África.
Em Cianorte, tiveram uma reunião com administradores da Companhia Melhoramentos e colonos.
Elogiaram tudo o que viram e indagaram qual o segredo ou milagre do progresso.
Em resposta, ouviram que o "milagre" estava na grande disposição para o trabalho e na observância de alguns direitos elementares: o direito à propriedade, à livre iniciativa, o direito do estímulo sobre o lucro. Não havendo lucro, não há progressos.
Isto é básico.
Acontece que os visitantes, quase todos franceses e socialistas passionais, esperavam ouvir qualquer outra coisa menos isso.
Contra-ar-gumentavam com as vantagens de sistemas coletivos de produção, etc e tal. O resultado foi um rebu danado.
Se os franceses socialistas aprenderam a lição e a transplantaram para a África, não se sabe.
Mas por aqui, a lição deixada pelos pioneiros que transpuseram o Rio Ivaí continuou propiciando muito progresso.
Com a boa semente plantada em solo fértil.
Abílio Alves da Silva, ex-militar e pioneiro no norte do Paraná
Macucos e socialistas
Abílio Alves da Silva
Quando Maringá foi construída, no final da década de 40, a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná abriu em seu entorno, uma grande malha de estradas vicinais, da qual resultou em rápido e grande progresso para toda aquela região, conhecida como Norte Novíssimo.
Veio gente de todo o Brasil, uns com muito dinheiro, outros com boa vontade e a esperança em Deus. O movimento na cidade era um verdadeiro "farwest", tinha de tudo -carro de boi, carroça, cavaleiros e até automóvel de luxo.
A Cia. Melhoramentos partiu, então, rumo ao noroeste, com o objetivo de abrir e colonizar uma área de 100 mil alqueires na margem esquerda do Rio Ivaí. No inicio, a transposição do rio era feita por uma passagem um tanto improvisada, mas logo foi construída uma balsa, conhecida como a balsa do Kamamoto, que operou até os idos de 1957/58, quando foi construída a ponte.
Desse local saía estrada pioneira que conduzia até o primeiro acampamento mandado construir pela Companhia.
O acampamento ocupava uma área de 15 alqueires, aberta na mata virgem, onde foi erguida a serraria que forneceu a madeira para as primeiras casas da localidade.
Esta ficou inicialmente conhecida como "15 alqueires", mas tarde rebatizada como Cianorte.
Está localizada no planalto do Rio Ligeiro, afluente do Rio Ivaí, numa região de flora e fama de indiscutível beleza. E, também, de alguns mistérios e muitas curiosidades, como aquelas envolvendo o macuco, uma ave de hábitos peculiares, que vive exclusivamente em mata virgem e é considerada o frango selvagem.
Onde pia o macuco, dizia-se, a terra é fértil, boa para o café. É um pio característico, mas facilmente imitável justamente por seu maior inimigo, a onça pintada. Lá pelo fim da tarde, a onça subia no alto de uma árvore, escondendo-se na galhada, e imitava o pio do macuco. A ave, acreditando tratar-se de um companheiro, voava para o mesmo galho, para passar a noite junto. Aí virava fácil jantar da onça que, diziam, não se deliciava tanto com a carne do bicho, mas com suas penas, que são salgadas.
Histórias à parte, a verdade é que havia muitos macucos na região, e as terras eram de fato muito férteis.
Com isso, mais o esforço dos primeiros habitantes, Cianorte prosperou rápido.
Tanto que chamou a atenção de uma comissão de estudos da FAO, o órgão da ONU para alimentação e agricultura, que viera observar o desenvolvimento daquela região que produzia tantos alimentos.
Os especialistas buscavam subsídios para em outras regiões do mundo, principalmente na África.
Em Cianorte, tiveram uma reunião com administradores da Companhia Melhoramentos e colonos.
Elogiaram tudo o que viram e indagaram qual o segredo ou milagre do progresso.
Em resposta, ouviram que o "milagre" estava na grande disposição para o trabalho e na observância de alguns direitos elementares: o direito à propriedade, à livre iniciativa, o direito do estímulo sobre o lucro. Não havendo lucro, não há progressos.
Isto é básico.
Acontece que os visitantes, quase todos franceses e socialistas passionais, esperavam ouvir qualquer outra coisa menos isso.
Contra-ar-gumentavam com as vantagens de sistemas coletivos de produção, etc e tal. O resultado foi um rebu danado.
Se os franceses socialistas aprenderam a lição e a transplantaram para a África, não se sabe.
Mas por aqui, a lição deixada pelos pioneiros que transpuseram o Rio Ivaí continuou propiciando muito progresso.
Com a boa semente plantada em solo fértil.
Abílio Alves da Silva, ex-militar e pioneiro no norte do Paraná
quarta-feira, 6 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - Lagoa das lágrimas
Histórias do Paraná - Lagoa das lágrimas
Lagoa das lágrimas
Nivaldo Krueger
Em 1966, como prefeito de Guarapuava, eu me preparava para inaugurar uma bela praça no centro da cidade, substituindo um velho banhado.
Com um lago no centro, rodeado de árvores, era - e o tempo mostrou que eu estava certo — o lugar ideal para o lazer, nas tardes tranqüilas dos guarapuavanos.
Nas famosas reuniões com os assessores, surgiu a dúvida: como chamar a praça? E logo começaram as sugestões.
Uns queriam homenagear uma figura nacional da nossa história.
Outros preferiam um nome estadual, agradar essa ou aquela família de paranaense.
E os mais bairristas já apontavam as figuras famosas da história da nossa cidade para dar nome à praça.
Pensei bem e, apesar de parecer um assunto tão pequeno para um prefeito envolvido com déficits orçamentários, saúde, estradas, casas populares, etc, decidi me concentrar melhor.
Pensei numa bela história para chegar mais perto do coração do povo guarapuavano, algo que chegasse mais perto de cada um, como um presente especial, inédito.
Pensei no nosso passado, de lutas, de grande amores, de saudade e, principalmente, de coragem.
Surgiu então a história de uma índia, jovem e linda, que se apaixona perdidamen-te e, depois de algum tempo, se separa do guerreiro, que vai para outras pradarias.
Inconformada, ela se senta numa pedra à espera do amado. E o tempo passa.
Muitos anos vão correndo e a índia, fiel ao seu amor, continua chorando a ausência. E tanto chora que o local onde ela ficou sentada se transforma numa grande lagoa, que nem mesmo o sol forte dos campos gerais fora incapaz de secar.
A historinha foi tema de concurso escolar, passou para a boca do povo e, espontaneamente, virou nome da praça "lagoa das lágrimas".
Nenhum dos meus conterrâneos contestou o nome, todos se acostumaram com a história e hoje as crianças ainda perguntavam porque "lagoa das lágrimas". A juventude circula nos bares ao lado da praça.
Os mais velhos aproveitam a sombra de suas árvores e os mais românticos de coração, como eu, acabam se emocionando com a história da índia apaixonada.
Pode ser que eu tenha deixado de homenagear um ilustre guarapuavano e tenha até povoado a imaginação de jovens e velhos.
Mas penso que, hoje quando todos os olhos se voltam para roubos, falcatruas e corrupção envolvendo políticos e administradores, o fato de ter inventado a história da índia para dar nome à praça, não há de ter sido um pecado tão grande.
Afinal, governar também pode ser, às vezes, um ato de provocar a imaginação e a fantasia.
Que ajuda a enfrentar o cotidiano com certo lirismo. E alguma esperança.
Nivaldo Krueger foi prefeito de Guarapuava.
Lagoa das lágrimas
Nivaldo Krueger
Em 1966, como prefeito de Guarapuava, eu me preparava para inaugurar uma bela praça no centro da cidade, substituindo um velho banhado.
Com um lago no centro, rodeado de árvores, era - e o tempo mostrou que eu estava certo — o lugar ideal para o lazer, nas tardes tranqüilas dos guarapuavanos.
Nas famosas reuniões com os assessores, surgiu a dúvida: como chamar a praça? E logo começaram as sugestões.
Uns queriam homenagear uma figura nacional da nossa história.
Outros preferiam um nome estadual, agradar essa ou aquela família de paranaense.
E os mais bairristas já apontavam as figuras famosas da história da nossa cidade para dar nome à praça.
Pensei bem e, apesar de parecer um assunto tão pequeno para um prefeito envolvido com déficits orçamentários, saúde, estradas, casas populares, etc, decidi me concentrar melhor.
Pensei numa bela história para chegar mais perto do coração do povo guarapuavano, algo que chegasse mais perto de cada um, como um presente especial, inédito.
Pensei no nosso passado, de lutas, de grande amores, de saudade e, principalmente, de coragem.
Surgiu então a história de uma índia, jovem e linda, que se apaixona perdidamen-te e, depois de algum tempo, se separa do guerreiro, que vai para outras pradarias.
Inconformada, ela se senta numa pedra à espera do amado. E o tempo passa.
Muitos anos vão correndo e a índia, fiel ao seu amor, continua chorando a ausência. E tanto chora que o local onde ela ficou sentada se transforma numa grande lagoa, que nem mesmo o sol forte dos campos gerais fora incapaz de secar.
A historinha foi tema de concurso escolar, passou para a boca do povo e, espontaneamente, virou nome da praça "lagoa das lágrimas".
Nenhum dos meus conterrâneos contestou o nome, todos se acostumaram com a história e hoje as crianças ainda perguntavam porque "lagoa das lágrimas". A juventude circula nos bares ao lado da praça.
Os mais velhos aproveitam a sombra de suas árvores e os mais românticos de coração, como eu, acabam se emocionando com a história da índia apaixonada.
Pode ser que eu tenha deixado de homenagear um ilustre guarapuavano e tenha até povoado a imaginação de jovens e velhos.
Mas penso que, hoje quando todos os olhos se voltam para roubos, falcatruas e corrupção envolvendo políticos e administradores, o fato de ter inventado a história da índia para dar nome à praça, não há de ter sido um pecado tão grande.
Afinal, governar também pode ser, às vezes, um ato de provocar a imaginação e a fantasia.
Que ajuda a enfrentar o cotidiano com certo lirismo. E alguma esperança.
Nivaldo Krueger foi prefeito de Guarapuava.
terça-feira, 5 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - O protesto dos esculópios
Histórias do Paraná - O protesto dos esculópios
O protesto dos esculópios
Ayrton Ricardo dos Santos
O aumento considerável da população, a especialização crescente, a presença sistemática de secretárias nos consultórios e o custo sempre mais elevado dos insumos na área da saúde, tem contribuído para o distanciamento entre médicos e pacientes. E, também, para a menor difusão dos execrados atestados graciosos.
Na inexistência de justificativas razoáveis e pertinentes para as faltas ao trabalho ou prestação de compromissos escolares, apelava-se para os atestados frios, que proliferaram em nossa sociedade como um mal necessário.
Para eliminá-los de vez, só mesmo buscando outros mecanismos capazes de suprir seus compromissos, qualquer que seja o motivo.
Se declinou nos últimos tempos, o uso e abuso de atestados graciosos é pratica antiga.
Na biografia que traçou do Dr. Espínola, o nosso saudoso Heitor Borges de Macedo narra episódio acontecido cerca de setenta anos atrás.
O General Nepomuceno da Costa, na ocasião comandante da 5* Região Militar, determinou que, para justificar as faltas dos soldados, só fossem aceitos atestados firmados por médicos militares, pois seriam graciosos e suspeitos os fornecidos pelos profissionais civis. A lei determinava que só as faltas por motivos de saúde seriam justificadas...
Como era de esperar, a classe médica sentiu-se ferida em seus brios pela suspeição do general.
Convocada por seu presidente, professor Dr. João Cândido Ferreira, a Associação Médica reuniu-se no Clube Curitibano.
Por proposta do Dr. Luis Medeiros, em inflamado discurso, foi redigido um manifesto de "protesto e desagravo..."
Quando chegou sua vez de assinar o documento, o Dr. Espínola levantou-se e, calmamente, declarou:
- "Estou de pleno acordo com os colegas.
Acho nobre a sua indignação, mas não posso assinar o manifesto porque tenho fornecido atestados graciosos, atendendo contingências humanas..."
Conta o Dr. Heitor que, imediatamente depois, o Dr. Simão Kossobudski se acusou de ter feito o mesmo... e, também os outros que se seguiram...
Assim, melancolicamente, gorou o protesto dos esculápios...
Ayrton Ricardo dos Santos, médico
O protesto dos esculópios
Ayrton Ricardo dos Santos
O aumento considerável da população, a especialização crescente, a presença sistemática de secretárias nos consultórios e o custo sempre mais elevado dos insumos na área da saúde, tem contribuído para o distanciamento entre médicos e pacientes. E, também, para a menor difusão dos execrados atestados graciosos.
Na inexistência de justificativas razoáveis e pertinentes para as faltas ao trabalho ou prestação de compromissos escolares, apelava-se para os atestados frios, que proliferaram em nossa sociedade como um mal necessário.
Para eliminá-los de vez, só mesmo buscando outros mecanismos capazes de suprir seus compromissos, qualquer que seja o motivo.
Se declinou nos últimos tempos, o uso e abuso de atestados graciosos é pratica antiga.
Na biografia que traçou do Dr. Espínola, o nosso saudoso Heitor Borges de Macedo narra episódio acontecido cerca de setenta anos atrás.
O General Nepomuceno da Costa, na ocasião comandante da 5* Região Militar, determinou que, para justificar as faltas dos soldados, só fossem aceitos atestados firmados por médicos militares, pois seriam graciosos e suspeitos os fornecidos pelos profissionais civis. A lei determinava que só as faltas por motivos de saúde seriam justificadas...
Como era de esperar, a classe médica sentiu-se ferida em seus brios pela suspeição do general.
Convocada por seu presidente, professor Dr. João Cândido Ferreira, a Associação Médica reuniu-se no Clube Curitibano.
Por proposta do Dr. Luis Medeiros, em inflamado discurso, foi redigido um manifesto de "protesto e desagravo..."
Quando chegou sua vez de assinar o documento, o Dr. Espínola levantou-se e, calmamente, declarou:
- "Estou de pleno acordo com os colegas.
Acho nobre a sua indignação, mas não posso assinar o manifesto porque tenho fornecido atestados graciosos, atendendo contingências humanas..."
Conta o Dr. Heitor que, imediatamente depois, o Dr. Simão Kossobudski se acusou de ter feito o mesmo... e, também os outros que se seguiram...
Assim, melancolicamente, gorou o protesto dos esculápios...
Ayrton Ricardo dos Santos, médico
Histórias do Paraná - Caçando sonegadores
Histórias do Paraná - Caçando sonegadores
Caçando sonegadores
Durval Weber
Quando Getúlio Vargas, na década de 30, foi buscar em Santa Maria, Rio Grande do Sul, o paranaense Manoel Ribas,
nascido em Ponta Grossa, ninguém podia imaginar que este fosse um estrategista econômico, que acabou recuperando as finanças do Paraná que se encontravam em situação caótica.
A confirmação deste fato nos veio da querida vizinha de apartamento Conjunto Capri, em Guaratuba, D. Geni, esposa do Des.
Eduardo Xavier da Veiga.
Ela nos contou que, naqueles idos, o Estado não pagava seus funcionários e contas há 18 meses, e que para o sustento
de sua casa se viu obrigada a confeccionar vestidos de noiva e outros trajes em Piraí do Sul, onde seu marido era juiz.
Os impostos naqueles tempos eram poucos, hoje temos mais de 60 tipos que penalizam todos os brasileiros honestos,
e enriquecem os corruptos (aqueles que Deus "ajuda" ganhar na loteria 56 vezes em um ano).
No final do ano vinha o fiscal lançar o imposto de Industrias e Profissões, e quem vendia a nossa famosa e milagreira pinga pagava o imposto de Líquidos Espirituosos.
Se os impostos eram poucos, os funcionários públicos eram muitos, gravitando em torno de repartições públicas apelidadas de "puleiros".
Nesse quadro, assume o Manoel Ribas.
Primeira coisa que fez foi acabar com os "puleiros", dando incertas nas repartições e até mandando gente para a cadeia,
daí seu apelido de Manéco Facão.
Em seguida, cuidou de formar uma boa assessoria e tratou de aumentar a arrecadação.
Para seu "Senado", Ribas nomeou três homens respeitáveis: Epaminondas Santos, o primeiro fabricante de louças de Campo Largo; Roberto Glaeser, fazendeiro nos Campos Gerais; e o industrial pontagrossense Albari Guimarães.
O imposto mais em voga naqueles tempos era o Imposto de Consumo, que consistia em selar até palito de fósforo, bebidas, etc.
Se por acaso se desprendia um selo, lá vinha o fiscal e multava, sem piedade, não levando em conta o selo que desgrudara. O "Senado", seguindo a rotina, criou o selo de Reajustamen-to Econômico.
Porém, o Sr. Epaminondas ponderou: - E o estoque, seu Maneco? Foi então criado e selo o Estoque.
A Impressora Paranaense trabalhava 24 horas por dia para poder atender os requerimentos que se avolumavam na Secretaria da Fazenda.
Seu Manéco percebeu que estava sendo tapeado pelos sonegadores, reuniu o "Senado" e lá veio novo Decreto,
cobrando todos os selos que foram entregues como para o estoque.
Foi um rebuliço no Paraná inteiro, aqueles que receberam selos para estoque não existente (futuros) pagaram de cabeça baixa.
Era isso ou ir para a cadeia como sonegadores.
Agindo dessa forma Manoel Ribas regularizou as finanças do Estado, ensaibrou a estrada Curitiba-Ponta Grossa, fez a estrada do Cerne, etc.
Era homem de pouco diálogo, mas... diante de um menino de rua sua fisionomia se transformava, com expressão de carinho e ternura.
Estão aí suas obras assistências — Casa do Pequeno Jornaleiro, Escola dos Pescadores de Guaratuba, Escolas Agrícolas de Palmeira, Ponta Grossa e Castro, e tantas outras.
Estou convicto de que, se tivéssemos homens dessa tempera, os ladrões não teriam fugido,
ou arranjado mil mentiras para se eximirem da cadeia.
Durval Weber, industrial aposentado em Campo Largo
Caçando sonegadores
Durval Weber
Quando Getúlio Vargas, na década de 30, foi buscar em Santa Maria, Rio Grande do Sul, o paranaense Manoel Ribas,
nascido em Ponta Grossa, ninguém podia imaginar que este fosse um estrategista econômico, que acabou recuperando as finanças do Paraná que se encontravam em situação caótica.
A confirmação deste fato nos veio da querida vizinha de apartamento Conjunto Capri, em Guaratuba, D. Geni, esposa do Des.
Eduardo Xavier da Veiga.
Ela nos contou que, naqueles idos, o Estado não pagava seus funcionários e contas há 18 meses, e que para o sustento
de sua casa se viu obrigada a confeccionar vestidos de noiva e outros trajes em Piraí do Sul, onde seu marido era juiz.
Os impostos naqueles tempos eram poucos, hoje temos mais de 60 tipos que penalizam todos os brasileiros honestos,
e enriquecem os corruptos (aqueles que Deus "ajuda" ganhar na loteria 56 vezes em um ano).
No final do ano vinha o fiscal lançar o imposto de Industrias e Profissões, e quem vendia a nossa famosa e milagreira pinga pagava o imposto de Líquidos Espirituosos.
Se os impostos eram poucos, os funcionários públicos eram muitos, gravitando em torno de repartições públicas apelidadas de "puleiros".
Nesse quadro, assume o Manoel Ribas.
Primeira coisa que fez foi acabar com os "puleiros", dando incertas nas repartições e até mandando gente para a cadeia,
daí seu apelido de Manéco Facão.
Em seguida, cuidou de formar uma boa assessoria e tratou de aumentar a arrecadação.
Para seu "Senado", Ribas nomeou três homens respeitáveis: Epaminondas Santos, o primeiro fabricante de louças de Campo Largo; Roberto Glaeser, fazendeiro nos Campos Gerais; e o industrial pontagrossense Albari Guimarães.
O imposto mais em voga naqueles tempos era o Imposto de Consumo, que consistia em selar até palito de fósforo, bebidas, etc.
Se por acaso se desprendia um selo, lá vinha o fiscal e multava, sem piedade, não levando em conta o selo que desgrudara. O "Senado", seguindo a rotina, criou o selo de Reajustamen-to Econômico.
Porém, o Sr. Epaminondas ponderou: - E o estoque, seu Maneco? Foi então criado e selo o Estoque.
A Impressora Paranaense trabalhava 24 horas por dia para poder atender os requerimentos que se avolumavam na Secretaria da Fazenda.
Seu Manéco percebeu que estava sendo tapeado pelos sonegadores, reuniu o "Senado" e lá veio novo Decreto,
cobrando todos os selos que foram entregues como para o estoque.
Foi um rebuliço no Paraná inteiro, aqueles que receberam selos para estoque não existente (futuros) pagaram de cabeça baixa.
Era isso ou ir para a cadeia como sonegadores.
Agindo dessa forma Manoel Ribas regularizou as finanças do Estado, ensaibrou a estrada Curitiba-Ponta Grossa, fez a estrada do Cerne, etc.
Era homem de pouco diálogo, mas... diante de um menino de rua sua fisionomia se transformava, com expressão de carinho e ternura.
Estão aí suas obras assistências — Casa do Pequeno Jornaleiro, Escola dos Pescadores de Guaratuba, Escolas Agrícolas de Palmeira, Ponta Grossa e Castro, e tantas outras.
Estou convicto de que, se tivéssemos homens dessa tempera, os ladrões não teriam fugido,
ou arranjado mil mentiras para se eximirem da cadeia.
Durval Weber, industrial aposentado em Campo Largo
segunda-feira, 4 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - Dom Pedro e os Rutenos
Histórias do Paraná - Dom Pedro e os Rutenos
Dom Pedro e os Rutenos
Daniel Jacobus Fabri
Rutenos? Para quem não sabe, eu explico mais à frente o que são.
Enquanto isso, vamos à nossa história, que começa quando D. Pedro II veio visitar o Paraná, em maio de 1880.
Conforme nos relata Pedro Calmon (in "Historia de Dom Pedro II, vol 3, pág. 1211/19), o roteiro desta visita teve inicio em Paranaguá. Após desembarcar do Navio Rio Grande e cumprir os compromissos na cidade, o Imperador segue para Antonina e daí a Curitiba.
Para escalar a Serra do Mar, via Estrada da Graciosa, o Imperador gaba "os cocheiros, belos rapazes de família alemã", que o conduziram ladeira acima ao Rio do Meio, onde se fazia o pernoite em "casa de madeira de pinho da terra". (Era casa da viúva Campos). "Depois, em Curitiba, a entrada foi pelo Alto da Glória, -(bairro onde hoje se localiza o campo do Coritiba Futebol Clube, o Couto Pereira, palco de grandes eventos esportivos, cívicos e religiosos) - às 14:30 horas de 21 de maio de 1880, e três piquetes e um esquadrão de alemães escoltaram-lhe a carruagem até o sobrado de Antônio Martins Franco, onde se hospedou.
Meninas de 21 colônias vizinhas
— italianas, bávaras, polacas, rutenas, apresentam-se em trajes típicos.
Assim era o Paraná."
Convém lembrar que, no dia 22, D. Pedro II inaugurou a Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, "de arrebites góticos como convinha à terra que se ia povoando de habitantes nórdicos".
No dia 24, a comitiva imperial partiu para Campo Largo, Serrinha, São Luiz, Pugas e Palmeira, hospedando-se no sobrado da Baronesa de Tibagi, Dona Querubina, mãe de Jesuíno Marcondes.
Seguiram para Ponta Grossa, Castro e, no retorno, o Imperador, maravilhado, "arrepela-se em Vila Velha, numa arquitetura rendilha de castelo esboroado que as águas esculpiram". (Hoje, sabe-se que a formação de Vila Velha foi obra da erosão eólica). Passaram pela Colônia Mariental, Lapa, Curitiba, Porto de Paranaguá, onde D. Pedro II foi direto para os lançamentos da pedra fundamental da Estação da estrada de ferro.
E mais ou menos assim foi a visita do Monarca ao Paraná.
Ah, antes que me esqueça, o que mais marcou ao Imperador foi a recepção no Alto da Glória.
Uma verdadeira festança, verdade seja dita. O velho Imperador teve o privilégio de assistir as danças dos grupos de moças de 21 colônias de imigrantes, com uma vantagem: as meninas estavam vestidas, não com trajes típicos, mas sim com os originais, principalmente as Rutenas, sem dúvida as mais excêntricas.
Imaginemos a confusão que foi a festa, verdadeira torre de babel. Só os rutenos formavam, à época, um bloco eslavo constituído por uma salada de povos europeus vindos da Galácia, Hungria e Lituânia.
Ninguém se entendia.
No entanto... "dá-lhes festa!!!"
Daniel Jacobus Fabri, engenheiro químico
Dom Pedro e os Rutenos
Daniel Jacobus Fabri
Rutenos? Para quem não sabe, eu explico mais à frente o que são.
Enquanto isso, vamos à nossa história, que começa quando D. Pedro II veio visitar o Paraná, em maio de 1880.
Conforme nos relata Pedro Calmon (in "Historia de Dom Pedro II, vol 3, pág. 1211/19), o roteiro desta visita teve inicio em Paranaguá. Após desembarcar do Navio Rio Grande e cumprir os compromissos na cidade, o Imperador segue para Antonina e daí a Curitiba.
Para escalar a Serra do Mar, via Estrada da Graciosa, o Imperador gaba "os cocheiros, belos rapazes de família alemã", que o conduziram ladeira acima ao Rio do Meio, onde se fazia o pernoite em "casa de madeira de pinho da terra". (Era casa da viúva Campos). "Depois, em Curitiba, a entrada foi pelo Alto da Glória, -(bairro onde hoje se localiza o campo do Coritiba Futebol Clube, o Couto Pereira, palco de grandes eventos esportivos, cívicos e religiosos) - às 14:30 horas de 21 de maio de 1880, e três piquetes e um esquadrão de alemães escoltaram-lhe a carruagem até o sobrado de Antônio Martins Franco, onde se hospedou.
Meninas de 21 colônias vizinhas
— italianas, bávaras, polacas, rutenas, apresentam-se em trajes típicos.
Assim era o Paraná."
Convém lembrar que, no dia 22, D. Pedro II inaugurou a Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, "de arrebites góticos como convinha à terra que se ia povoando de habitantes nórdicos".
No dia 24, a comitiva imperial partiu para Campo Largo, Serrinha, São Luiz, Pugas e Palmeira, hospedando-se no sobrado da Baronesa de Tibagi, Dona Querubina, mãe de Jesuíno Marcondes.
Seguiram para Ponta Grossa, Castro e, no retorno, o Imperador, maravilhado, "arrepela-se em Vila Velha, numa arquitetura rendilha de castelo esboroado que as águas esculpiram". (Hoje, sabe-se que a formação de Vila Velha foi obra da erosão eólica). Passaram pela Colônia Mariental, Lapa, Curitiba, Porto de Paranaguá, onde D. Pedro II foi direto para os lançamentos da pedra fundamental da Estação da estrada de ferro.
E mais ou menos assim foi a visita do Monarca ao Paraná.
Ah, antes que me esqueça, o que mais marcou ao Imperador foi a recepção no Alto da Glória.
Uma verdadeira festança, verdade seja dita. O velho Imperador teve o privilégio de assistir as danças dos grupos de moças de 21 colônias de imigrantes, com uma vantagem: as meninas estavam vestidas, não com trajes típicos, mas sim com os originais, principalmente as Rutenas, sem dúvida as mais excêntricas.
Imaginemos a confusão que foi a festa, verdadeira torre de babel. Só os rutenos formavam, à época, um bloco eslavo constituído por uma salada de povos europeus vindos da Galácia, Hungria e Lituânia.
Ninguém se entendia.
No entanto... "dá-lhes festa!!!"
Daniel Jacobus Fabri, engenheiro químico
Histórias do Paraná - A boa gente cigana
Histórias do Paraná - A boa gente cigana
A boa gente cigana
Lauro Grein Filho
Aclamado como "terra de todas as gentes", o Paraná abriga em seio de etnias com as quais harmoniosamente nos entendemos, nos habituamos e nos acostumamos.
Nos meus tempos de clínica, em Castro, além do relacionamento breve das consultas e dos ambulatórios, tinha, ao curso dos internamentos hospitalares, a oportunidade de um convívio maior e mais amplo com os representantes de diferentes raças que por lá me procuravam.
Eram os japoneses de Assaí, os holandeses de Carambeí, os alemães de Terra Nova, os poloneses do Rio Abaixo, os sírios do Norte Velho, gente diversa em seus conceitos, medos e maneiras a merecerem atenção, diálogos e tratamentos também diversos.
Dentre esses, os mais fáceis eram os japoneses, os mais desconfiados os sírios, os mais cordatos os poloneses.
Certa vez, o Zecki Fadei chegou afobado ao meu consultório: -"Queria que o Sr. me visse a pressão."
- "Normal, 13 e 8."
- "E uma barbaridade! Não dá mesmo para acreditar em ninguém.
Estive há pouco no Dr. Lineu e ele me disse, 13 e 7; fui ao Dr. Libanio,
14 e 8; passei no Dr. Bude, 14 e 7. Como é que pode?!"
Declarei-lhe então que toda aquela celeuma era o merecido castigo à sua desconfiança.
Alertei sobre a inconveniência de estar consultando toda a classe médica da cidade, quando deveria confiar plenamente em um só, acrescentando que mais indicada para "tirar pressão" era a respeitável senhora sua mãe, idosa e doentia, e não ele, jovem e saudável.
Não imaginava, entretanto, naquela altura, que espécie humana cruzaria em breve meus caminhos... Notei logo ao chegarem, ocupando e povoando o Largo Indalécio de Macedo, em frente ao hospital, com suas barracas, seus tachos e suas tralhas. E da janela do meu consultório passei a observar a movimentação daquela gente estranha, errante e mística, povoada de lendas, mistérios e fantasias. À tarde me chamaram.
No fundo de uma tenda, entre colchões, cobertores e almofadas, sofria uma ciganinha encardida e miúda. Não teria mais que oito anos e revelava nos sintomas e nos exames, os indícios da doença insidio-sa: - meningite.
Removida para o "Bom Jesus", a pequena mereceu desde logo os maiores cuidados, esforços e desvelos.
Caso grave e fastidioso nas precárias condições de isolamento, no exaltado inconfor-mismo dos parentes, na falta dos melhores recursos terapêuticos.
O Hospital tumultuado e invadido pela ciganada suportou seus piores momentos.
Os assédios eram constantes, as dúvidas e perguntas, persistentes e intoleráveis.
Feliz e finalmente, num claro sábado de maio, a menininha teve alta.
Os ciganos então transbordaram de alegria, júbilo e reconhecimento, intitulando-se meus amigos e até meus irmãos.
Concordaram, amistosos com as contas do médico e do hospital, que pagariam no dia seguinte, domingo, quando me ofereceriam um churrasco, dedicado também às Irmãs do Hospital.
Seria ao meio dia, de carneiro gordo, já cevado para o abate.
O convite era extensivo à mulher e filhas, com acenos de presentes em prata trabalhada, cinzeiros, pulseiras, adomos, etc... e para o senhor, além do pagamento, uma grande surpresa.
O pessoal era de fato excelente, o melhor que já conhecera, e aquelas provas da mais pura amizade e gratidão muito me sensibilizaram e enterneceram.
Bem por isso, domingo pela manhã, antecipando-me na hora, resolvi dar uma chegada ao acampamento dos meus novos queridos irmãos.
Daí tive a prometida surpresa. O Largo Indalécio Macedo lá estava, deserto, calmo, sereno e ermo como sempre.
Nem carneiro, nem presentes, nem pagamento. E de ciganos, nem o rastro.
Lauro Grein Filho, médico e presidente do Centro de Letras do Paraná
A boa gente cigana
Lauro Grein Filho
Aclamado como "terra de todas as gentes", o Paraná abriga em seio de etnias com as quais harmoniosamente nos entendemos, nos habituamos e nos acostumamos.
Nos meus tempos de clínica, em Castro, além do relacionamento breve das consultas e dos ambulatórios, tinha, ao curso dos internamentos hospitalares, a oportunidade de um convívio maior e mais amplo com os representantes de diferentes raças que por lá me procuravam.
Eram os japoneses de Assaí, os holandeses de Carambeí, os alemães de Terra Nova, os poloneses do Rio Abaixo, os sírios do Norte Velho, gente diversa em seus conceitos, medos e maneiras a merecerem atenção, diálogos e tratamentos também diversos.
Dentre esses, os mais fáceis eram os japoneses, os mais desconfiados os sírios, os mais cordatos os poloneses.
Certa vez, o Zecki Fadei chegou afobado ao meu consultório: -"Queria que o Sr. me visse a pressão."
- "Normal, 13 e 8."
- "E uma barbaridade! Não dá mesmo para acreditar em ninguém.
Estive há pouco no Dr. Lineu e ele me disse, 13 e 7; fui ao Dr. Libanio,
14 e 8; passei no Dr. Bude, 14 e 7. Como é que pode?!"
Declarei-lhe então que toda aquela celeuma era o merecido castigo à sua desconfiança.
Alertei sobre a inconveniência de estar consultando toda a classe médica da cidade, quando deveria confiar plenamente em um só, acrescentando que mais indicada para "tirar pressão" era a respeitável senhora sua mãe, idosa e doentia, e não ele, jovem e saudável.
Não imaginava, entretanto, naquela altura, que espécie humana cruzaria em breve meus caminhos... Notei logo ao chegarem, ocupando e povoando o Largo Indalécio de Macedo, em frente ao hospital, com suas barracas, seus tachos e suas tralhas. E da janela do meu consultório passei a observar a movimentação daquela gente estranha, errante e mística, povoada de lendas, mistérios e fantasias. À tarde me chamaram.
No fundo de uma tenda, entre colchões, cobertores e almofadas, sofria uma ciganinha encardida e miúda. Não teria mais que oito anos e revelava nos sintomas e nos exames, os indícios da doença insidio-sa: - meningite.
Removida para o "Bom Jesus", a pequena mereceu desde logo os maiores cuidados, esforços e desvelos.
Caso grave e fastidioso nas precárias condições de isolamento, no exaltado inconfor-mismo dos parentes, na falta dos melhores recursos terapêuticos.
O Hospital tumultuado e invadido pela ciganada suportou seus piores momentos.
Os assédios eram constantes, as dúvidas e perguntas, persistentes e intoleráveis.
Feliz e finalmente, num claro sábado de maio, a menininha teve alta.
Os ciganos então transbordaram de alegria, júbilo e reconhecimento, intitulando-se meus amigos e até meus irmãos.
Concordaram, amistosos com as contas do médico e do hospital, que pagariam no dia seguinte, domingo, quando me ofereceriam um churrasco, dedicado também às Irmãs do Hospital.
Seria ao meio dia, de carneiro gordo, já cevado para o abate.
O convite era extensivo à mulher e filhas, com acenos de presentes em prata trabalhada, cinzeiros, pulseiras, adomos, etc... e para o senhor, além do pagamento, uma grande surpresa.
O pessoal era de fato excelente, o melhor que já conhecera, e aquelas provas da mais pura amizade e gratidão muito me sensibilizaram e enterneceram.
Bem por isso, domingo pela manhã, antecipando-me na hora, resolvi dar uma chegada ao acampamento dos meus novos queridos irmãos.
Daí tive a prometida surpresa. O Largo Indalécio Macedo lá estava, deserto, calmo, sereno e ermo como sempre.
Nem carneiro, nem presentes, nem pagamento. E de ciganos, nem o rastro.
Lauro Grein Filho, médico e presidente do Centro de Letras do Paraná
domingo, 3 de agosto de 2014
Histórias do Paraná - A guerra e o pioneiro
Histórias do Paraná - A guerra e o pioneiro
A guerra e o pioneiro
Darcy Nigro Samways
Depois do afundamento de dezoito navios mercantes brasileiros em nossas costas marítimas, em 22 de agosto de 1942, às 13:00 horas, o Governo Brasileiro (Getúlio Vargas) se dobra às pressões populares e declara o Estado de Guerra aos países do denominado "Eixo Tri-Partite" - Alemanha, Itália e Japão.
No mês seguinte, mais precisamente em 16 de setembro, é decretada a "Mobilização Geral do País" após o afundamento de mais dois navios mercantes em águas territoriais brasileiras. (Foram, no total, 33 navios afundados em nossas costas durante a II Guerra Mundial, sem que o país na guerra ainda estivesse...) Nossa Capital, como não podia deixar de sê-lo, e atendendo o decreto governamental, mobiliza-se para o conflito.
A Quinta Região Militar inicia o processo de convocação no Paraná e Santa Catarina.
Os jovens são chamados a compor ou comple-lar os efetivos das unidades militares sediadas em Curitiba.
As moças, tnaiores de 16 anos, também são convocadas para, em caso de necessidade, servirem como enfermeiras ou auxiliares de enfermagem.
Sucedem-se os exercícios de escuridão total (black-outs), só os liolofotes da base aérea varrendo os céus da cidade.
As sessões de cinema, quase que exclusiva diversão do curitibano na época, eram suspensas, as entradas devolvidas...
Pelo colapso nos meios de transporte, vários produtos começaram a faltar, impondo-se o seu racionamento: o açúcar que vinha do nordeste, o trigo importado.
As filas nas padarias se formavam já de madrugada...
Nos combustíveis (óleo e gasolina) se impõe um severíssimo racionamento. E quando surgem os famosos "gasogênios", transformando os automóveis em autênticos fogões à lenha ambulantes, obrigando os proprietários dos veículos a manter um compartimento à parte no seu carro com as reservas de combustível (a lenha picada).Faltava gasolina e óleo para tudo e todos, menos para uma "Jardineira" que fazia o transporte de passageiros entre São Mateus do Sul e Palmeira.
Mantida por G. Kantor, a jardineira usava e abusava da gasolina.
Mas como?! A explicação dada mais parecia ficção, história da carochinha... Diziam que a gasolina era extraída de umas pedras abundantes em São Mateus do Sul e usadas até como cascalho... Dava pra acreditar nisso?!...
Pois hoje, o pioneiro da extração de gasolina do xisto, Roberto
Angewitz, mais conhecido como "o perna de pau", tem até estátua em São Mateus do Sul, mandada erguer pela Petroxis, a subsidiária da Petrobrás que opera a usina de xisto.
Ao pé da estátua, a identificação do homenageado: "Roberto Angewitz.
Na época da II Guerra Mundial, em instalações rudimentares, mediante o processo de batelada, que seu gênio inventivo concebeu e a sua tenacidade fez funcionar, produziu 300 litros por dia de combustíveis automotivos".
E o contingente de jovens convocados? Depois de algum treinamento, foram deslocados para as cidades de Caçapava e Pindamonhangaba, interior de São Paulo, e, depois de "engrossados" com os contingentes oriundos dos demais estados da Federação, partem para a Europa.
Essa, porém, é uma outra história...
Darcy Nigro Samways, advogado do Estado aposentado
A guerra e o pioneiro
Darcy Nigro Samways
Depois do afundamento de dezoito navios mercantes brasileiros em nossas costas marítimas, em 22 de agosto de 1942, às 13:00 horas, o Governo Brasileiro (Getúlio Vargas) se dobra às pressões populares e declara o Estado de Guerra aos países do denominado "Eixo Tri-Partite" - Alemanha, Itália e Japão.
No mês seguinte, mais precisamente em 16 de setembro, é decretada a "Mobilização Geral do País" após o afundamento de mais dois navios mercantes em águas territoriais brasileiras. (Foram, no total, 33 navios afundados em nossas costas durante a II Guerra Mundial, sem que o país na guerra ainda estivesse...) Nossa Capital, como não podia deixar de sê-lo, e atendendo o decreto governamental, mobiliza-se para o conflito.
A Quinta Região Militar inicia o processo de convocação no Paraná e Santa Catarina.
Os jovens são chamados a compor ou comple-lar os efetivos das unidades militares sediadas em Curitiba.
As moças, tnaiores de 16 anos, também são convocadas para, em caso de necessidade, servirem como enfermeiras ou auxiliares de enfermagem.
Sucedem-se os exercícios de escuridão total (black-outs), só os liolofotes da base aérea varrendo os céus da cidade.
As sessões de cinema, quase que exclusiva diversão do curitibano na época, eram suspensas, as entradas devolvidas...
Pelo colapso nos meios de transporte, vários produtos começaram a faltar, impondo-se o seu racionamento: o açúcar que vinha do nordeste, o trigo importado.
As filas nas padarias se formavam já de madrugada...
Nos combustíveis (óleo e gasolina) se impõe um severíssimo racionamento. E quando surgem os famosos "gasogênios", transformando os automóveis em autênticos fogões à lenha ambulantes, obrigando os proprietários dos veículos a manter um compartimento à parte no seu carro com as reservas de combustível (a lenha picada).Faltava gasolina e óleo para tudo e todos, menos para uma "Jardineira" que fazia o transporte de passageiros entre São Mateus do Sul e Palmeira.
Mantida por G. Kantor, a jardineira usava e abusava da gasolina.
Mas como?! A explicação dada mais parecia ficção, história da carochinha... Diziam que a gasolina era extraída de umas pedras abundantes em São Mateus do Sul e usadas até como cascalho... Dava pra acreditar nisso?!...
Pois hoje, o pioneiro da extração de gasolina do xisto, Roberto
Angewitz, mais conhecido como "o perna de pau", tem até estátua em São Mateus do Sul, mandada erguer pela Petroxis, a subsidiária da Petrobrás que opera a usina de xisto.
Ao pé da estátua, a identificação do homenageado: "Roberto Angewitz.
Na época da II Guerra Mundial, em instalações rudimentares, mediante o processo de batelada, que seu gênio inventivo concebeu e a sua tenacidade fez funcionar, produziu 300 litros por dia de combustíveis automotivos".
E o contingente de jovens convocados? Depois de algum treinamento, foram deslocados para as cidades de Caçapava e Pindamonhangaba, interior de São Paulo, e, depois de "engrossados" com os contingentes oriundos dos demais estados da Federação, partem para a Europa.
Essa, porém, é uma outra história...
Darcy Nigro Samways, advogado do Estado aposentado
Histórias do Paraná - Rumo a Barbalha
Histórias do Paraná - Rumo a Barbalha
Rumo a Barbalha
Fátima Mirian Bortot
O jornalista Luiz Edgar de Andrade, em artigo no jornal "O Pasquim" (primeira e melhor fase), fala dos cearenses.
Como ele, seres itinerantes, para concluir que, constatada a existência de vida inteligente na Lua (era o tempo do projeto Apoio), fatalmente entre os habitantes haveria pelo menos um cearense.
Exagero à parte, justificável no caso para ilustrar a marcante presença do bravo povo do Ceará em todos os cantos do mundo, a brincadeira serve para ilustrar um episódio não tão distante, ocorrido em Pato Branco.
Região de origem nitidamente gaúcha e catarinense, a participação e presença de nordestino são quase zero.
Ao contrário de outros ciclos migratórios, lá no Sudoeste, como ensina o professor Ruy Wachowicz, em seu livro "Paraná, Sudoeste - Ocupação e Colonização", "excluindo-se as populações dos três estados meridionais -Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul -, a presença de elementos procedentes de outros estados da Federação é praticamente insignificante". Ao analisar dados do período de 1900 a 1975, Wachoviz mostra que, do total de 97.786 cônjuges, "registrou-se em todo o período a presença de 30.651 paranaenses, correspondendo a 31,4%; 24.283 catarinenses, correspondendo a 24,8%, 41.901 gaúchos, correspondendo a 42,9% do total".
Vai daí o compreensível espanto que cercou a visita de um ilustre desconhecido à cidade.
Extrovertido, falando alto, lembrando uma estonteante araponga, o estranho visitante não ficou muito tempo em Pato Branco, partindo com a família — ao que consta estava perdido ao retornar de Foz do Iguaçu a inventar um roteiro turístico alternativo para aproveitar os últimos dias de férias.
No trevo da Taísa, junto à estrada, nosso bom cearense brecou o carrão e, aproveitando a presença de um guarda da Polícia Rodoviária Estadual, quis saber, em tom incisivo:
- Bixim, pode me informar a saída pra Barbalha?
A milhares de quilômetros do Ceará, sem contar o percurso de Fortaleza até aquela pequena cidade do interior, o pobre guarda foi realmente colocado em xeque.
A "saída para Barbalha" ficou famosa, passado o espanto.
Difícil saber até debruçado sobre um atualíssimo guia Quatro Rodas.
Fátima Mirian Bortot, jornalista
Rumo a Barbalha
Fátima Mirian Bortot
O jornalista Luiz Edgar de Andrade, em artigo no jornal "O Pasquim" (primeira e melhor fase), fala dos cearenses.
Como ele, seres itinerantes, para concluir que, constatada a existência de vida inteligente na Lua (era o tempo do projeto Apoio), fatalmente entre os habitantes haveria pelo menos um cearense.
Exagero à parte, justificável no caso para ilustrar a marcante presença do bravo povo do Ceará em todos os cantos do mundo, a brincadeira serve para ilustrar um episódio não tão distante, ocorrido em Pato Branco.
Região de origem nitidamente gaúcha e catarinense, a participação e presença de nordestino são quase zero.
Ao contrário de outros ciclos migratórios, lá no Sudoeste, como ensina o professor Ruy Wachowicz, em seu livro "Paraná, Sudoeste - Ocupação e Colonização", "excluindo-se as populações dos três estados meridionais -Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul -, a presença de elementos procedentes de outros estados da Federação é praticamente insignificante". Ao analisar dados do período de 1900 a 1975, Wachoviz mostra que, do total de 97.786 cônjuges, "registrou-se em todo o período a presença de 30.651 paranaenses, correspondendo a 31,4%; 24.283 catarinenses, correspondendo a 24,8%, 41.901 gaúchos, correspondendo a 42,9% do total".
Vai daí o compreensível espanto que cercou a visita de um ilustre desconhecido à cidade.
Extrovertido, falando alto, lembrando uma estonteante araponga, o estranho visitante não ficou muito tempo em Pato Branco, partindo com a família — ao que consta estava perdido ao retornar de Foz do Iguaçu a inventar um roteiro turístico alternativo para aproveitar os últimos dias de férias.
No trevo da Taísa, junto à estrada, nosso bom cearense brecou o carrão e, aproveitando a presença de um guarda da Polícia Rodoviária Estadual, quis saber, em tom incisivo:
- Bixim, pode me informar a saída pra Barbalha?
A milhares de quilômetros do Ceará, sem contar o percurso de Fortaleza até aquela pequena cidade do interior, o pobre guarda foi realmente colocado em xeque.
A "saída para Barbalha" ficou famosa, passado o espanto.
Difícil saber até debruçado sobre um atualíssimo guia Quatro Rodas.
Fátima Mirian Bortot, jornalista
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