Histórias do Paraná - Afinação de viola
Afinação de viola
Sérgio A. Leoni
O "Cerco da Lapa", que passou para a história do Brasil como "o mais importante episódio, dentro de uma das mais sangrentas revoluções latino-americanas", trouxe como conseqüência uma série de acontecimentos registrados por diversos autores, através da vastíssima bibliografia sobre o tema.
Na descrição da vida honrada do erudito e humanitário médico lapeano Dr. Manoel Pedro dos Santos Lima (1843-1898), há uma referência ao mesmo tempo pitoresca e grandiloqüente de sua personalidade.
Em 1894, durante os 26 dias que a cidade esteve sitiada pelos maragatos, ele permaneceu preso na Casa de Câmara e Cadeia, por ter grande prestígio e por fazer oposição à política estadual.
O Cel.
João Pacheco dos Santos Lima, heróico comandante do 13o Regimento de Cavalaria da Guarda Nacional, seu primo, diariamente estacionava diante das grades, em atitude acintosa, amolando uma faca, que presumidamente se destinava a degolar o preso parente, e que afinal não entrou em ação...
Passam os tempos.
João Pacheco adoece.
Estado grave.
Desesperador.
Familiares do doente pensam em chamar o Dr. Manoel
Pedro.
- Chamar o Dr. Manoel Pedro depois do que aconteceu? Não! Ele não virá!
- Se não vier, paciência, mas não custa tentar.
Quando o Dr. Manoel Pedro pôs o chapeu na cabeça e disse onde ia, sua esposa arregalou os olhos, exclamando:
- Você vai ver o João Pacheco depois do que aconteceu?
Manoel Pedro sorrindo ajun-
tou:
- Vou, sim.
Quem vai lá é o médico!
Foi e salvou o pretenso amolador de faca!...
Com a derrota dos maragatos e o restabelecimento do governo legal, foi nomeado para comandar a praça o coronel João Pacheco dos Santos Lima, que tivera papel destacado e heróico durante o cerco.
Do Gen. Everton Quadros, recebe então uma lista de pessoas que deveriam ser presas e que seriam provavelmente fuziladas, como o foram Felício Rato, Vila Nova e o major Amora, a quem pesavam graves acusações por delitos cometidos contra os pica-paus.
João Pacheco, diante dessas execuções sumárias, passa a avisar todos os homens da lista do que iria lhes acontecer, praticamente obrigando-os a fugir.
Seu procedimento chegou ao conhecimento do Gen. Quadros, comandante do 5o distrito, que por telegrama exigia a entrega dos presos, com a severa observação: "Não admito que esteja desta maneira impedindo a boa marcha dos serviços".
João Pacheco negou-se a cumprir aquela ordem e por isso foi dispensado do comando da praça da Lapa, sem o menor agradecimento pelos serviços que prestara gratuitamente.
Fora dispensado porque "impedia a boa marcha dos serviços" e com isso tantas vidas salvara, de cidadãos que não seriam julgados, mas assassinados!
Esses fatos contradizem o julgamento que poderia ser feito do Cel.
Pacheco, pelo seu procedimento em relação ao Dr. Manoel Pedro e de cujo conhecimento só podemos tirar uma conclusão:
foi uma autêntica "Afinação de Viola".*
Sérgio A. Leoni, ex-prefeito da Lapa
* "Afinar Viola": expressão antiga usada apenas na Lapa e que significa "fazer uma brincadeira"
Nenhum comentário:
Postar um comentário