terça-feira, 18 de outubro de 2016

Histórias do Paraná - Carona indesejável

Histórias do Paraná - Carona indesejável

Carona indesejável
Frei Raul Silva

Aconteceu nos idos de 1944, no interior do pacato município de Rio Negro, sul do nosso estado.
Naquele tempo o asfalto ainda era novidade rara no interior.
As estradas de terra batida eram empoeiradas e esburacadas, quando não lamacentas.
Ainda mais no interior do município de Rio Negro, nossa querida terrinha.
Penosa era a viagem do fundo do mato até a cidade, para as compras necessárias, para o transporte da madeira das serrarias até a estação da estrada-de-ferro, meio de transporte mais sofisticado naqueles dias.
Havia naquela região do município um homem solitário, criatura excelente, muito piedoso e humanitário.
Morava sozinho, muito respeitado e venerado pelo povo simples da região, um misto de santo e de mistério.
João José, este o nome dele.
Como acontece a todos os mortais, um dia João José faleceu.
Morreu como queria e dizia; sem incomodar ninguém; amanheceu morto.
Comoção na vizinhança.
Todo mundo queria ver o velhinho santo, quiçá fazer-lhe um pedido. E agora, o enterro? Os mais abastados do lugarejo se cotizaram para custear as despesas. O dono duma serraria ofereceu o caminhão para ir à cidade comprar o caixão.
Partiu logo, pois a estrada estava meio lisa e aqueles 20 Km eram um desafio, já que o tempo ameaçava chuva.
Comprado o caixão, simples como convinha, e cumpridas as formalidades de praxe, o velho caminhão iniciou o retorno. A alguns quilômetros da viagem de volta, alguém na estrada, pedindo carona, pois coletivo naquele local só duas vezes por semana.
Era um velho conhecido do falecido que não queria perder o enterro. O motorista deu carona, mas pediu que subisse à carroceria, pois a cabine estava lotada.
Mais alguns quilômetros adiante, a chuva começou a cair forte. O único recurso do carona foi criativo: refugiou-se dentro do caixão, cobrindo-se jeitosamente com a tampa.
Tudo normal, até que mais alguns quilômetros adiante, mais dois caronas que iam ao enterro pararam o caminhão, único jeito de chegarem a tempo. O motorista, não sabendo do paradeiro do primeiro carona, pediu aos outros que também subissem à carroceria.
Neste ínterim cessara a chuva e já se aproximavam do local.
Foi então que o primeiro carona resolveu sair do caixão; levantou a tampa e imperceptivelmente perguntou com voz cavernosa aos dois aterrados companheiros: "Como é, já parou de chover?"
Foi quando a adrenalina dos dois pulou ao máximo... saltaram como um jato do caminhão em andamento e até hoje ninguém sabe do seu paradeiro.
Faltaram ao enterro de João José, que passou ao segundo assunto do dia...

Frei Raul Silva, sacerdote franciscano, rionegrense e trabalha em Curitiba


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