domingo, 30 de outubro de 2016

Histórias do Paraná - A milionária

Histórias do Paraná - A milionária

A milionária
Lauro Grein Filho

Na evolução incessante dos usos e costumes, ao curso dos anos e das décadas, a mulher vem pouco a pouco conquistando e alegrando distintos e importantes espaços, aos quais outrora não tinha acesso, opinião ou vez.
Hoje, na política, nos negócios, nas empresas, nas universidades, etc., a presença feminina é uma constante, disputando cargos, títulos e honrarias ao lado e em igualdade com seus colegas masculinos.
Exemplo de Maria Christina de Andrade Vieira, Márcia Cecília de Leão Rosemann, Regina Kracick Tissot, jovens, belas e talentosas executivas, aplaudidas e aprovadas em suas respectivas e complexas áreas de atuação.
Antigamente não acontecia
assim.
Nas atribuições do casal, a questão econômica era exclusiva do marido, omitindo-se a mulher, inteiramente alheia e desligada dos assuntos financeiros que ignorava e não sabia. O homem é que comprava, vendia, investia, negociava, tudo decidindo e controlando sem quaisquer contas à esposa, dedicada aos afazeres da casa, dos filhos, do lar, mulher alemã dos três "K" — kinder, kirsche e kuchen, criança, igreja e cozinha.
Com isso, na falta cruciante do chefe, era natural que se visse completamente despreparada para o manejo da herança e dos bens, caídos de direito e de fato em suas mãos.
Havia, em Castro, uma veneranda senhora cuja fama de riqueza era de todos conhecida.
Viúva de homem trabalhador e próspero, assumiu, por sua morte, terras e fazendas, gado, casas e benfeitorias.
Sem filhos e descendentes, coube-lhe também ponderável soma em dinheiro, quinhão propalado e valioso da herança, vultosa importância em cima da conta particular, acrescida de juros, taxas e dividendos.
Informado a respeito, o meu amigo Mário Miranda, primeiro gerente de uma agência bancária re-cém-inaugurada na cidade, cioso de um bom trabalho junto à direção, colocou em seus projetos a fabulosa conta da velha.
Essa senhora era minha cliente, dedicando-me confiança e amizade ao curso de atendimentos que solicitava e amiúde repetia.
De tudo sabendo, M. M. me procurou para que o levasse à presença da milionária, introduzindo-o em suas graças, grangeando-lhe a simpatia, seduzindo-a e convencendo-a transferência do cobiçado depósito.
A amável criatura nos recebeu com efusivas demonstrações de carinho, ouvindo do gerente, insinu-ante e comunicativo, todos os esforços no sentido do propósito que o movia.
Respondeu-lhe que efetivamente era possuidora de uma "quantia" deixada pelo finado marido, dinheiro que nunca ocupara ou tocara desde a morte, há mais de vinte anos.
Em seguida, foi até o quarto em busca da infalível caderneta, entregan-do-a amarelecida e maltrapilha nas mãos do zeloso banqueiro.
Nas folhas desgastadas do arcaico documento, o interessado pode ver, ao final de uma inflexível coluna, a surpresa do saldo misterioso: -cincoenta e sete contos de réis, devidamente escriturados e há duas décadas defasados e paralisados aos juros de 3% ao ano.
Ao sabor do tempo, a decantada importância que comprava casas e terrenos, definindo fortuna e abastança, não passava de uns meros e poucos cruzeiros, incapazes, desvalorizados e insignificantes.
O moço não teve ânimo para dissimular sua decepção, reduzindo-se em atenções e cortesias, diminuindo em reverência e amabilidade. E, sem mais delongas, abreviou-se nas despedidas, totalmente diverso da maneira que anteriormente observara.
Lá fora, abatido e calado, nada comentou, lamentando em estóico silêncio o trabalho perdido, o plano arquitetado, o vexame passado.
De mim, também, nada lhe disse, sequer o olhei, evitando a máscara de decepção que fatalmente lhe anunciava a face.

Lauro Grein Filho, médico, e membro da Academia Paranaense de Letras


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