Histórias do Paraná - O negro Saul
O negro Saul
Luiz Romaguera Neto
As cidades do interior do Paraná têm como características as rodinhas de comentários, os senadinhos...
Aqui em Curitiba, uma das mais famosas foi o Senado, no Café Alvorada, em frente ao Bar Paraná, ali na Rua XV de Novembro, entre Mal.
Floriano e Monsenhor Celso.
Lá pelos anos quarenta, a cidade de Castro fervilhava com acontecimentos da vida administrativa, política, militar e até pecuária.
Os grandes negócios de bois, as compras, eram quase sempre comentados por todos.
Os lances mais espertos de cada um; a maravilha da fábrica de Monte Alegre; o grande negócio do Sr. João Sguário com a Klabin...
Em uma roda da praça, daquelas que se comenta de tudo e de todos, achegou-se o Sr. Eugênio Gonçalves Martins, tido como homem que não gostava de trabalhar e como o maior boêmio da cidade.
Logo que chegou, notou que o comentário maior era sobre seu genro e amigo, Antônio Marques de Souza (Tonico), casado com a mais bonita de suas filhas, a Cândida, apelidada de Duvica.
Elogios ao Tonico, que fizera fortuna, homem trabalhador, de grande visão, fazendeiro e por aí iam os comentários, o Ford coupê que tinha ganho na intermediação do negócio Sguário x Klabin.
Nhô Eugênio, acompanhando a prosa, perguntou ao amigo presente, Gustavo Ribas:
- Gustavo, de quem é aquela casa lá na esquina da rua do Rosário onde o Tonico mora?
- E sua Sr. Eugênio.
- E a fazenda Fortaleza que ele tem, de quem foi que recebeu como herança?
- Do senhor.
- E o bem mais precioso, com quem ele casou, filha de quem é?
- Por certo que sua filha, a Duvica.
- Gozado todos esses elogios ao Tonico.
Eu sou o vagabundo e o boêmio, e ele, que recebeu tudo de mão beijada e de mim, é o maio-ral.
- Para completar, me responda, Gustavo, quem é que administra a casa dele, faz as compras, e é o melhor cozinheiro da cidade?
- Bem, todo mundo sabe que é o negro Saul.
- E, e também sabem que é filho do escravo que viveu com o meu sogro, o José Félix II, e que, desde que nasceu, vive comigo.
Foi ele quem me ajudou a criar as três meninas quando Nhazinha morreu, não deixando que elas passassem fome e nem outras privações.
- O negro Saul, sozinho, vale toda a minha fortuna.
- E tem mais, todas as donas de casa, da mais simples até a esposa do prefeito, seja velha ou moça, têm uma receita dos doces ou salgados que ele é mestre em executar, ou receberam um tempero diferente, uma flor, uma palavra amiga.
- Lá na casa do Tonico, sem ele, nada fazem, Perguntem aos filhos dele?
Os anos se passaram e aquela prosa de um final de manhã de domingo na roda da praça, ficou inde-levelmente gravada na memória de muita gente.
Hoje, no túmulo do Sr. Eugênio, do Tonico e da Duvica, tem uma placa, de mármore branco: "Saul, daqueles que você criou a eterna gratidão".
Luiz Romaguera Neto é membro do Centro de Letras do Paraná. Escreveu baseado em história narrada pelo fazendeiro Gustavo Ribas
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