domingo, 2 de outubro de 2016

Histórias do Paraná - Enfim, no mapa

Histórias do Paraná - Enfim, no mapa

Enfim, no mapa
Acir Rachid

Ter nascido e residido em Campo do Tenente teve vantagem e decepções.
Uma infância tranqüila, férias escolares divertidas, convivência com pessoas dignas e honestas sempre nos trouxeram agradáveis recordações.
Mas explicar aos colegas do ginásio, em Curitiba, onde se localizava a nossa terra natal e qual a sua importância, era freqüente motivo de chacota. Não conseguíamos sequer provar a sua natureza geográfica, porque era um distrito do município de Rio Negro, e não constava daqueles mapas que eram mostrados na Geografia.
De tanto ser espicaçados por este anonimato incômodo, fomos aprendendo a nos defender, até mesmo depois de adultos, procurando valorizar algumas facetas pouco conhecidas do lugar, mesmo dos tenentianos.
Feitos como estes:
De 1925 a 1940, lá esteve instalada a maior indústria de extração e beneficiamento de madeira do Paraná e talvez do Brasil.
Era a firma Henrique Stahlke e Filhos. E foi exatamente nesta indústria que se observou a primeira greve de operários, nos anos 30, após a demissão de dezenas de trabalhadores idosos. Não havia indenização obrigatória por lei e os patrões queriam somente escriturar as casas onde já moravam os operários. A solidariedade foi total, inclusive com o apoio moral da população e repercussão na imprensa.
Um aspecto notável é que, no ano de 1928, foi construído lá o primeiro avião brasileiro.
Tendo aportado na cidade um ex-combatente ou mecânico da guerra de 14-18, sensibilizou o patrão Stahlke, que importou da Alemanha um motor de avião e, com isto, o aventureiro foi fabricando sua aeronave, com grande curiosidade dos habitantes locais, principalmente as crianças que toda a tarde iam assistir o progresso da construção.
Parece-nos que o avião chegou mesmo a fazer umas tentativas de vôo rasante. A decolagem oficial estava marcada para a data em que o Presidente do Estado, Affonso Camargo, deveria comparecer às festividades do centenário de Rio Negro. O avião acompanharia, pelo céu, a composição ferroviária que passava pelo local.
Quatro dias antes do evento, porém, o esperto sumiu da cidade, deixando uma grande frustração.
Depois de adultos, descobrimos outras habilidades dos tenentianos.
Cada vez que os adversários diziam que o que lá prestava eram só as coxinhas do D'Amico, retribuíamos que a melhor relação entre Diplomatas/Professores Universitários era nossa.
Para espanto da maioria, mostrávamos que, entre os dez tenentianos possuidores de diploma universitário, nove eram professores de ensino superior, todos da área médica.
A lista inclui Hamilton Córdova, Oton Ferraz Filho, Lídio Jair Centa, Henrique Stahlke Neto e mais o autor destas linhas, todos professores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná; Ataliba Moreira e Narciso Grein Filho, professores da Faculdade de Odontologia da UFPR, Nélio Centa, professor da Faculdade de Medicina da PUC-PR; e Maria de Lourdes Centa, professora do curso de Enfermagem da UFPR.
Aos detratores só restava comentar o pequeno número de diplomados de Campo do Tenente... (A falta de registro histórico, aliás, não sabíamos quem teria sido esse Tenente).
Em todo o caso, chegou o dia em que Campo do Tenente foi desmembrado de Rio Negro, virou município, elegeu prefeito.
Foi em 1961. A partir daí, teríamos um motivo de chacota a menos.
Quem primeiro reparou foi nosso velho amigo de becaria na seleção universitária e na equipe de futebol de Rio Negro, o festejado advogado Reinaldo Dacheux Pereira.
Num encontro na Rua XV, ele nos contou, efusivamente, a notícia da emancipação do município e comentou: ‘Adr, Campo do Tenente agora está no mapa... "

Acir Rachid, médico e professor da Universidade Federal do Paraná


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