terça-feira, 11 de outubro de 2016

Histórias do Paraná - Defunto por instantes

Histórias do Paraná - Defunto por instantes

Defunto por instantes
Mário Elmir Berti

Filho de pai marceneiro, que por força das circunstâncias atendia famílias que tinha seus entes queridos falecidos,
na então pacata São José dos Pinhais, durante meus 45 anos de vida, assisti meus pais passarem de fábrica de móveis
à funerária e presenciei muitos casos curiosos envolvendo ataúdes funerários e os defuntos propriamente ditos.
Um, no entanto, nos calou mais profundamente, pela curiosidade e até pelo pânico causado num desafortunado transeunte.
Era o ano de 1965, quando , graças ao bom trabalho do prefeito da época, se resolveu calçar a rua 15 de Novembro.
Fato inédita Primeira rua da cidade a receber calçamento de paralelepípedo.
Época de Natal, a família estava reunida em frente à nossa funerária, que por sinal também servia de residência.
Nas duas salas da frente, exposição de ataúdes e coroas de flores artificiais, que na época se costumava deixar
penduradas para apreciação dos prováveis clientes.
Também se usava manter os ataúdes em prateleiras e alguns em pé, o que dava, convenhamos, um ar bastante lúgubre ao local.
Não raro, as pessoas atravessavam a rua para não passar pela nossa calçada.
Para nós, entretanto, que nascemos no meio praticamente de uma funerária, esse ambiente e sua curiosa decoração
eram a coisa mais natural do mundo.
Um sujeito pedalava sua bicicleta, com um frango assado preso ao porta-bagagem, desviando habilmente as pedras
do calçamento em construção, na rua mal iluminada.
Ao passar em frente de nossa casa, porém, o pneu dianteiro de sua "magrela" encontrou uma pedra um pouco maior,
fazendo com que o desafortunado rapaz tombasse, batendo de leve com a cabeça no chão.
Ato contínuo, corremos eu e meus irmãos para socorrer o acidentado.
Ele estava meio desacordado.
Meus irmãos, mais velhos e fortes, ergueram-no pelos braços, minha mãe prontamente correu a buscar uma cadeira e,
procurando a melhor iluminação, o colocou despropositada-mente bem no meio da sala, entre os ataúdes e as coroas de flores.
Ali o rapaz foi sentado, ainda meio sem sentidos.
Um gole de café forte, trazido por minha mãe, foi jogado meio a contragosto goela abaixo do rapaz, reanimando-o um pouco.
Ele abriu os olhos, olhou em volta os caixões e adereços fúnebres, arregalou ainda mais os olhos num misto de espanto
e terror, começou a ter espasmos e deu um urro tremendo que foi ouvido em todo o quarteirão.
Ato contínuo, levantou como pode e saiu em disparada porta afora, apanhou a bicicleta e largou-se a pedalar de qualquer jeito,
sem pronunciar um único agradecimento.
Nunca soubemos o nome do desafortunado, que jamais ousou sequer passar novamente em frente da funerária.
Pelo terror que tinha estampado no seu rosto, não será de estranhar se o "mal agradecido" estiver pedalando até hoje...

Mário Elmir Berti, contabilista em São José dos Pinhais


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