Histórias do Paraná - Desfile inolvídável
Desfile inolvídável
Astrogildo de Freitas
Curitiba estava inteiramente voltada às comemorações do primeiro centenário da independência do país.
Os preparativos desenvolviam-se freneticamente. O arruamento mais perfeito, uma nova pintura nos prédios públicos, um retoque nos jardins e praças, tudo para assegurar o brilho da festa máxima do Brasil independente.
Corria o ano de 1922.
O conjunto de casarões e prédios em torno do quartel do 5o batalhão de Engenharia não fugia à regra.
A unidade militar fazia frente para a rua Visconde de Guarapuava, esquina da rua Nunes Machado e com outra frente para a rua Dr. Pedrosa. A metade da quadra, justamente onde hoje se encontra instalado o comando do Corpo de Bombeiros.
O Batalhão regorgitava com a aproximação do desfile cívi-co-miütar programado para o dia 7 de setembro.
Procedia-se, em ritmo acelerado, o adestramento da tropa.
Importava o aprimoramento da marcha, a perfeição quanto possível nos exercícios, a impecabilidade do uniforme, o alinhamento, o garbo, a disciplina, enfim, tudo em busca de uma apresentação inesquecível perante o povo em transe cívico.
O itinerário do desfile foi alterado.
Bem mais longo do que o usual nos anos anteriores. A concentração da tropa deu-se na rua 7 de Setembro, recentemente macada-mizada, parece que na gestão do prefeito Moreira Garcez. A parada militar serviria igualmente para inaugurar esse novo melhoramento urbano.
O Batalhão era o coronel Baeta de Faria, figura muito popular da época. Fôra dele o projeto do edifício da Universidade.
Ganhou renome por isso.
Seria inclusive deputado estadual.
Tipo liberal, amigo dos comandados, mas exigente ao máximo, não admitia falhas no comportamento dos soldados.
Os regulamentos militares deviam ser cumpridos à risca, custasse o que custasse.
Após percorrer, em ordem de marcha, diversas ruas, a tropa alcançou a rua 15 de Novembro, passarela maior do desfile. A população, aglomerada prorrompeu em aplausos.
Mas, os soldados estavam exaustos.
Despertos desde às quatro horas da madrugada, perfaziam mais de dez horas de atividade febril.
Agora suavam em bicas sob o sol escaldante.
A volta ao quartel deu-se pelo contorno da praça Osório, já sem a formação obrigatória do desfile.
Eram três horas da tarde. O retorno se fazia com alívio. A soldadesca fatigada, se ufanava contudo pelo brilho da apresentação.
Um deles, porém, "stressa-do", os calos doendo, o fuzil pesando-lhe em demasia, os passos quase trôpegos, não se conteve, num claro desabafo:
- "No próximo centenário eu não desfilo, nem que isso dê cadeia!" A tropa riu-se do inusitado protesto.
Pareceu ao sargento mais próximo, ítalo Macaggi, um ato de indisciplina, logo encarado com tolerância e compreensão.
Afinal, o próximo centenário distava dali um lapso de cem anos...
Astrogildo de Freitas, membro do Centro de Letras do Paraná
segunda-feira, 31 de outubro de 2016
domingo, 30 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - A milionária
Histórias do Paraná - A milionária
A milionária
Lauro Grein Filho
Na evolução incessante dos usos e costumes, ao curso dos anos e das décadas, a mulher vem pouco a pouco conquistando e alegrando distintos e importantes espaços, aos quais outrora não tinha acesso, opinião ou vez.
Hoje, na política, nos negócios, nas empresas, nas universidades, etc., a presença feminina é uma constante, disputando cargos, títulos e honrarias ao lado e em igualdade com seus colegas masculinos.
Exemplo de Maria Christina de Andrade Vieira, Márcia Cecília de Leão Rosemann, Regina Kracick Tissot, jovens, belas e talentosas executivas, aplaudidas e aprovadas em suas respectivas e complexas áreas de atuação.
Antigamente não acontecia
assim.
Nas atribuições do casal, a questão econômica era exclusiva do marido, omitindo-se a mulher, inteiramente alheia e desligada dos assuntos financeiros que ignorava e não sabia. O homem é que comprava, vendia, investia, negociava, tudo decidindo e controlando sem quaisquer contas à esposa, dedicada aos afazeres da casa, dos filhos, do lar, mulher alemã dos três "K" — kinder, kirsche e kuchen, criança, igreja e cozinha.
Com isso, na falta cruciante do chefe, era natural que se visse completamente despreparada para o manejo da herança e dos bens, caídos de direito e de fato em suas mãos.
Havia, em Castro, uma veneranda senhora cuja fama de riqueza era de todos conhecida.
Viúva de homem trabalhador e próspero, assumiu, por sua morte, terras e fazendas, gado, casas e benfeitorias.
Sem filhos e descendentes, coube-lhe também ponderável soma em dinheiro, quinhão propalado e valioso da herança, vultosa importância em cima da conta particular, acrescida de juros, taxas e dividendos.
Informado a respeito, o meu amigo Mário Miranda, primeiro gerente de uma agência bancária re-cém-inaugurada na cidade, cioso de um bom trabalho junto à direção, colocou em seus projetos a fabulosa conta da velha.
Essa senhora era minha cliente, dedicando-me confiança e amizade ao curso de atendimentos que solicitava e amiúde repetia.
De tudo sabendo, M. M. me procurou para que o levasse à presença da milionária, introduzindo-o em suas graças, grangeando-lhe a simpatia, seduzindo-a e convencendo-a transferência do cobiçado depósito.
A amável criatura nos recebeu com efusivas demonstrações de carinho, ouvindo do gerente, insinu-ante e comunicativo, todos os esforços no sentido do propósito que o movia.
Respondeu-lhe que efetivamente era possuidora de uma "quantia" deixada pelo finado marido, dinheiro que nunca ocupara ou tocara desde a morte, há mais de vinte anos.
Em seguida, foi até o quarto em busca da infalível caderneta, entregan-do-a amarelecida e maltrapilha nas mãos do zeloso banqueiro.
Nas folhas desgastadas do arcaico documento, o interessado pode ver, ao final de uma inflexível coluna, a surpresa do saldo misterioso: -cincoenta e sete contos de réis, devidamente escriturados e há duas décadas defasados e paralisados aos juros de 3% ao ano.
Ao sabor do tempo, a decantada importância que comprava casas e terrenos, definindo fortuna e abastança, não passava de uns meros e poucos cruzeiros, incapazes, desvalorizados e insignificantes.
O moço não teve ânimo para dissimular sua decepção, reduzindo-se em atenções e cortesias, diminuindo em reverência e amabilidade. E, sem mais delongas, abreviou-se nas despedidas, totalmente diverso da maneira que anteriormente observara.
Lá fora, abatido e calado, nada comentou, lamentando em estóico silêncio o trabalho perdido, o plano arquitetado, o vexame passado.
De mim, também, nada lhe disse, sequer o olhei, evitando a máscara de decepção que fatalmente lhe anunciava a face.
Lauro Grein Filho, médico, e membro da Academia Paranaense de Letras
A milionária
Lauro Grein Filho
Na evolução incessante dos usos e costumes, ao curso dos anos e das décadas, a mulher vem pouco a pouco conquistando e alegrando distintos e importantes espaços, aos quais outrora não tinha acesso, opinião ou vez.
Hoje, na política, nos negócios, nas empresas, nas universidades, etc., a presença feminina é uma constante, disputando cargos, títulos e honrarias ao lado e em igualdade com seus colegas masculinos.
Exemplo de Maria Christina de Andrade Vieira, Márcia Cecília de Leão Rosemann, Regina Kracick Tissot, jovens, belas e talentosas executivas, aplaudidas e aprovadas em suas respectivas e complexas áreas de atuação.
Antigamente não acontecia
assim.
Nas atribuições do casal, a questão econômica era exclusiva do marido, omitindo-se a mulher, inteiramente alheia e desligada dos assuntos financeiros que ignorava e não sabia. O homem é que comprava, vendia, investia, negociava, tudo decidindo e controlando sem quaisquer contas à esposa, dedicada aos afazeres da casa, dos filhos, do lar, mulher alemã dos três "K" — kinder, kirsche e kuchen, criança, igreja e cozinha.
Com isso, na falta cruciante do chefe, era natural que se visse completamente despreparada para o manejo da herança e dos bens, caídos de direito e de fato em suas mãos.
Havia, em Castro, uma veneranda senhora cuja fama de riqueza era de todos conhecida.
Viúva de homem trabalhador e próspero, assumiu, por sua morte, terras e fazendas, gado, casas e benfeitorias.
Sem filhos e descendentes, coube-lhe também ponderável soma em dinheiro, quinhão propalado e valioso da herança, vultosa importância em cima da conta particular, acrescida de juros, taxas e dividendos.
Informado a respeito, o meu amigo Mário Miranda, primeiro gerente de uma agência bancária re-cém-inaugurada na cidade, cioso de um bom trabalho junto à direção, colocou em seus projetos a fabulosa conta da velha.
Essa senhora era minha cliente, dedicando-me confiança e amizade ao curso de atendimentos que solicitava e amiúde repetia.
De tudo sabendo, M. M. me procurou para que o levasse à presença da milionária, introduzindo-o em suas graças, grangeando-lhe a simpatia, seduzindo-a e convencendo-a transferência do cobiçado depósito.
A amável criatura nos recebeu com efusivas demonstrações de carinho, ouvindo do gerente, insinu-ante e comunicativo, todos os esforços no sentido do propósito que o movia.
Respondeu-lhe que efetivamente era possuidora de uma "quantia" deixada pelo finado marido, dinheiro que nunca ocupara ou tocara desde a morte, há mais de vinte anos.
Em seguida, foi até o quarto em busca da infalível caderneta, entregan-do-a amarelecida e maltrapilha nas mãos do zeloso banqueiro.
Nas folhas desgastadas do arcaico documento, o interessado pode ver, ao final de uma inflexível coluna, a surpresa do saldo misterioso: -cincoenta e sete contos de réis, devidamente escriturados e há duas décadas defasados e paralisados aos juros de 3% ao ano.
Ao sabor do tempo, a decantada importância que comprava casas e terrenos, definindo fortuna e abastança, não passava de uns meros e poucos cruzeiros, incapazes, desvalorizados e insignificantes.
O moço não teve ânimo para dissimular sua decepção, reduzindo-se em atenções e cortesias, diminuindo em reverência e amabilidade. E, sem mais delongas, abreviou-se nas despedidas, totalmente diverso da maneira que anteriormente observara.
Lá fora, abatido e calado, nada comentou, lamentando em estóico silêncio o trabalho perdido, o plano arquitetado, o vexame passado.
De mim, também, nada lhe disse, sequer o olhei, evitando a máscara de decepção que fatalmente lhe anunciava a face.
Lauro Grein Filho, médico, e membro da Academia Paranaense de Letras
sábado, 29 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - A inauguração da Praça
Histórias do Paraná - A inauguração da Praça
A inauguração da Praça
Marino Braga
Esta história aconteceu em Ponta Grossa, há mais de 30 anos.
Era época de eleição. A lei proibida, e ainda proíbe, a realização de comícios eleitorais desde três dias antes do pleito. O prefeito da cidade, um valoroso líder político da região princezina, Sr. Juca Hoffmann, marcou a inauguração de uma praça justamente para um dia antes. A eleição era num domingo e a inauguração da praça no sábado à tarde.
Eu e o outro juiz eleitoral da comarca, entendendo que a inauguração outra coisa não seria senão um disfarçado comício, proibimos a sua realização.
Estabelecemos, com isso, uma acentuada divergência nos meios políticos locais.
De um lado, os lideres dos partidos de oposição, apoiando a medida.
De outro, o prefeito com a sua corte, lutando pela revogação.
Era démarche pra cá, démarche pra lá, saí não sai a inauguração, um tormento para todos os interessados.
Próximo ao dia das eleições recebemos , no fórum, a visita do prefeito.
Reiterou ele o entendimento de que a inauguração da praça era apenas uma cerimônia cívica, não um comício eleitoral.
Pediu, incisiva, mas respeitosamente, que deixássemos sem efeito a proibição.
Afirmou que não permitiria de nenhuma forma que a inauguração se transformasse em comício.
Sopesando os prós e os con-tras, e levando em consideração que o prefeito era um homem de palavra, resolvemos que a inauguração poderia ser feita, desde que fosse apenas isso, não um comício eleitoral.
Contudo, sem nada dizer ao chefe político, resolvemos, também, nos precatar contra uma eventual desobediência e estabelecemos o nosso plano de ação, que acabou desnecessário.
Pouco antes da hora marcada fomos para a praça os três Juizes de Direito da Comarca (os dois eleitorais e outro que nos apoiou em tudo) e levamos conosco um funcionário do fórum entendido em eletricidade.
A praça regurgitava de tanta gente.
Colocamo-nos no meio do povo, em posição estratégica.
Se alguém falasse em eleição, em candidatos, em partidos políticos, o microfone seria desligado, inviabilizando, assim, a transmissão do discurso para os alto-falantes, e nós os juizes subiríamos ao palanque e acabaríamos com a festa.
Mas não foi preciso nada disso, pois o Sr. Juca Hoffmanm cumpriu rigorosamente com o prometido.
Num breve pronunciamento enumerou as obras que já realizara na cidade, disse que aquela era uma das mais importantes, e declarando inaugurada a praça deu por encerrada a solenidade.
Respiramos aliviados, mas mesmo assim levamos um pequeno susto.
No palanque, dentre tantas outras pessoas, estava um entusiasta correligionário do prefeito, um ilustre advogado pontagrossense, conhecido por suas qualidades e também por ser muito tinhoso.
Quando o Sr. Juca Hoffman deu por encerrada a solenidade, dirigiu-se ele, ostensivamente, ao microfone.
Mas o prefeito, conhecendo-o muito bem e sabendo do que era capaz, agiu rápido.
Passou a mão no microfone e dirigiu-se novamente ao povo: A praça esta inaugurada! A praça é vossa! Fazei uso dela! E dito isso desceu do palanque trazendo consigo o tinhoso correligionário e toda a sua corte.
Tudo se passou de acordo com o previsto e o desejado. A justiça eleitoral, sem alardes, cumpriu com o seu dever. O prefeito, com ombridade, cumpriu com a sua palavra.
Mas ninguém ficou sabendo do nosso não realizado plano de ação, que só agora está sendo revelado nestas oportunas "Histórias do Paraná".
Marino Braga, Desembargador e Membro do Centro de Letras do Paraná
A inauguração da Praça
Marino Braga
Esta história aconteceu em Ponta Grossa, há mais de 30 anos.
Era época de eleição. A lei proibida, e ainda proíbe, a realização de comícios eleitorais desde três dias antes do pleito. O prefeito da cidade, um valoroso líder político da região princezina, Sr. Juca Hoffmann, marcou a inauguração de uma praça justamente para um dia antes. A eleição era num domingo e a inauguração da praça no sábado à tarde.
Eu e o outro juiz eleitoral da comarca, entendendo que a inauguração outra coisa não seria senão um disfarçado comício, proibimos a sua realização.
Estabelecemos, com isso, uma acentuada divergência nos meios políticos locais.
De um lado, os lideres dos partidos de oposição, apoiando a medida.
De outro, o prefeito com a sua corte, lutando pela revogação.
Era démarche pra cá, démarche pra lá, saí não sai a inauguração, um tormento para todos os interessados.
Próximo ao dia das eleições recebemos , no fórum, a visita do prefeito.
Reiterou ele o entendimento de que a inauguração da praça era apenas uma cerimônia cívica, não um comício eleitoral.
Pediu, incisiva, mas respeitosamente, que deixássemos sem efeito a proibição.
Afirmou que não permitiria de nenhuma forma que a inauguração se transformasse em comício.
Sopesando os prós e os con-tras, e levando em consideração que o prefeito era um homem de palavra, resolvemos que a inauguração poderia ser feita, desde que fosse apenas isso, não um comício eleitoral.
Contudo, sem nada dizer ao chefe político, resolvemos, também, nos precatar contra uma eventual desobediência e estabelecemos o nosso plano de ação, que acabou desnecessário.
Pouco antes da hora marcada fomos para a praça os três Juizes de Direito da Comarca (os dois eleitorais e outro que nos apoiou em tudo) e levamos conosco um funcionário do fórum entendido em eletricidade.
A praça regurgitava de tanta gente.
Colocamo-nos no meio do povo, em posição estratégica.
Se alguém falasse em eleição, em candidatos, em partidos políticos, o microfone seria desligado, inviabilizando, assim, a transmissão do discurso para os alto-falantes, e nós os juizes subiríamos ao palanque e acabaríamos com a festa.
Mas não foi preciso nada disso, pois o Sr. Juca Hoffmanm cumpriu rigorosamente com o prometido.
Num breve pronunciamento enumerou as obras que já realizara na cidade, disse que aquela era uma das mais importantes, e declarando inaugurada a praça deu por encerrada a solenidade.
Respiramos aliviados, mas mesmo assim levamos um pequeno susto.
No palanque, dentre tantas outras pessoas, estava um entusiasta correligionário do prefeito, um ilustre advogado pontagrossense, conhecido por suas qualidades e também por ser muito tinhoso.
Quando o Sr. Juca Hoffman deu por encerrada a solenidade, dirigiu-se ele, ostensivamente, ao microfone.
Mas o prefeito, conhecendo-o muito bem e sabendo do que era capaz, agiu rápido.
Passou a mão no microfone e dirigiu-se novamente ao povo: A praça esta inaugurada! A praça é vossa! Fazei uso dela! E dito isso desceu do palanque trazendo consigo o tinhoso correligionário e toda a sua corte.
Tudo se passou de acordo com o previsto e o desejado. A justiça eleitoral, sem alardes, cumpriu com o seu dever. O prefeito, com ombridade, cumpriu com a sua palavra.
Mas ninguém ficou sabendo do nosso não realizado plano de ação, que só agora está sendo revelado nestas oportunas "Histórias do Paraná".
Marino Braga, Desembargador e Membro do Centro de Letras do Paraná
sexta-feira, 28 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - A greve de 17 (II)
Histórias do Paraná - A greve de 17 (II)
A greve de 17 (II)
Valênáo Xavier
Com a carestia, os anarquistas movimentam-se. A imprensa libertária paranaense "Terra Livre", "O Rebate", "A Revolta", criticam a situação.
Reuniões são feitas nas sociedades operárias, nas redações dos jornais anarquistas, e no cinema da Mal.
Floriano.
Octávio Prado fala com os operários nas portas das fábricas.
Em São Paulo, a greve estoura em julho e só termina no dia 19.
No dia 18 de julho, depois de vários comícios, os operários curitibanos declaram-se em greve. A comissão da greve formada por Octávio Prado, Adolpho Silveira e Bertoldo Scarmagnan apresenta as reivindicações dos grevistas.
Entre elas: jornada de 8 horas, impedimento de menores de 14 anos e mulheres com menos de 21 anos trabalharem; diária mínima de 5 mil réis, aviso prévio de 18 dias; redução do preço dos gêneros alimentícios e dos aluguéis de casa.
Já no primeiro dia, Curitiba, fica às escuras com a adesão dos foguistas da Usina Elétrica.Depois, a cidade fica sem água com os grevistas quebrando os encanamentos.
No segundo dia, fábricas e comércio fechados, estradas de ferro, linhas de bonde e todo transporte paralisado.
No terceiro dia, os grevistas atacam as carrocinhas dos colonos impedindo que alimentos cheguem à cidade. O Chefe de Polícia, Lindolpho Pessoa, intermedia o fim da greve com a Associação Comercial.
Os dois lados estão irredutíveis e a polícia parte para a luta.Os dias seguintes serão de confronto violento entre os grevistas e as forças policiais, apoiadas pelo exército.
Tiroteios, destruições de pontes pelos grevistas e ataques armados a estabelecimentos comerciais.
Bombas contra os bondes dirigidos e com boiados por soldados, os trilhos são arrancados, ou destruídos a bomba.
Apesar da adesão das telefonistas, fios são arrancados e postes são derrubados.
No sexto dia, apenas alguns tiroteios, mas a polícia e o exército já dominam a situação.
Começam as prisões em massa.
De Octávio Prado, a Polícia nunca mais deu notícias, apesar dos pedidos de David Carneiro, dono da Ervateira Americana, única indústria em que operários não entraram em greve, pois ela já cumpria as reivindicações grevistas, inclusive, pioneiramente no Brasil, dava carteira de trabalho aos seus empregados.
Apesar do sumiço que as forças policiais deram no grande pensador e ativista anarquista Octávio Prado, suas idéias libertárias e a luta que ele conduziu incomodaram os poderosos e trouxeram alguns resultados: já no dia 25 de julho, lei municipal regula o fechamento do comércio curitibano às sete da noite — reivindicação dos comerciários, pois as lojas fechavam tarde da noite.
Em 7 de agosto, o Prefeito cria o "pão dos pobres" — na verdade o mesmo pão com mistura só que menor, portanto mais barato.
Ainda em agosto, a Cruz Vermelha de Curitiba cria a primeira feira-livre da cidade, teoricamente destinada a vender alimentos a preços baixos.
Também em agosto, o deputado federal paranaensejoão Perneta apresenta pela primeira vez no legislativo brasileiro um projeto de lei que prevê jornada de oito horas, quinze dias de férias anuais para operários, salário de menor calculado em 1/3 do salário de adulto; e criação de tribunais arbitrais entre empregados e patrões - justiça do trabalho.
Nada disso foi aprovado.
Pra quê? Pra quê?, se a greve foi derrotada?
Valênáo Xavier, escritor e historiador
A greve de 17 (II)
Valênáo Xavier
Com a carestia, os anarquistas movimentam-se. A imprensa libertária paranaense "Terra Livre", "O Rebate", "A Revolta", criticam a situação.
Reuniões são feitas nas sociedades operárias, nas redações dos jornais anarquistas, e no cinema da Mal.
Floriano.
Octávio Prado fala com os operários nas portas das fábricas.
Em São Paulo, a greve estoura em julho e só termina no dia 19.
No dia 18 de julho, depois de vários comícios, os operários curitibanos declaram-se em greve. A comissão da greve formada por Octávio Prado, Adolpho Silveira e Bertoldo Scarmagnan apresenta as reivindicações dos grevistas.
Entre elas: jornada de 8 horas, impedimento de menores de 14 anos e mulheres com menos de 21 anos trabalharem; diária mínima de 5 mil réis, aviso prévio de 18 dias; redução do preço dos gêneros alimentícios e dos aluguéis de casa.
Já no primeiro dia, Curitiba, fica às escuras com a adesão dos foguistas da Usina Elétrica.Depois, a cidade fica sem água com os grevistas quebrando os encanamentos.
No segundo dia, fábricas e comércio fechados, estradas de ferro, linhas de bonde e todo transporte paralisado.
No terceiro dia, os grevistas atacam as carrocinhas dos colonos impedindo que alimentos cheguem à cidade. O Chefe de Polícia, Lindolpho Pessoa, intermedia o fim da greve com a Associação Comercial.
Os dois lados estão irredutíveis e a polícia parte para a luta.Os dias seguintes serão de confronto violento entre os grevistas e as forças policiais, apoiadas pelo exército.
Tiroteios, destruições de pontes pelos grevistas e ataques armados a estabelecimentos comerciais.
Bombas contra os bondes dirigidos e com boiados por soldados, os trilhos são arrancados, ou destruídos a bomba.
Apesar da adesão das telefonistas, fios são arrancados e postes são derrubados.
No sexto dia, apenas alguns tiroteios, mas a polícia e o exército já dominam a situação.
Começam as prisões em massa.
De Octávio Prado, a Polícia nunca mais deu notícias, apesar dos pedidos de David Carneiro, dono da Ervateira Americana, única indústria em que operários não entraram em greve, pois ela já cumpria as reivindicações grevistas, inclusive, pioneiramente no Brasil, dava carteira de trabalho aos seus empregados.
Apesar do sumiço que as forças policiais deram no grande pensador e ativista anarquista Octávio Prado, suas idéias libertárias e a luta que ele conduziu incomodaram os poderosos e trouxeram alguns resultados: já no dia 25 de julho, lei municipal regula o fechamento do comércio curitibano às sete da noite — reivindicação dos comerciários, pois as lojas fechavam tarde da noite.
Em 7 de agosto, o Prefeito cria o "pão dos pobres" — na verdade o mesmo pão com mistura só que menor, portanto mais barato.
Ainda em agosto, a Cruz Vermelha de Curitiba cria a primeira feira-livre da cidade, teoricamente destinada a vender alimentos a preços baixos.
Também em agosto, o deputado federal paranaensejoão Perneta apresenta pela primeira vez no legislativo brasileiro um projeto de lei que prevê jornada de oito horas, quinze dias de férias anuais para operários, salário de menor calculado em 1/3 do salário de adulto; e criação de tribunais arbitrais entre empregados e patrões - justiça do trabalho.
Nada disso foi aprovado.
Pra quê? Pra quê?, se a greve foi derrotada?
Valênáo Xavier, escritor e historiador
quinta-feira, 27 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - A Greve de 17 (I)
Histórias do Paraná - A Greve de 17 (I)
A Greve de 17 (I)
Valêncio Xavier
Em julho de 1917 aconteceu a primeira greve geral do Paraná, especificamente em Antonina, Ponta Grossa, Três Barras (território contestado que, no ano anterior, passara a Santa Catarina). E com grande violência em Curitiba, deixando a cidade em polvorosa durante seis dias com as bandeiras pretas do Anarquismo tremulando nas ruas, saques a estabelecimentos comerciais, atentados a bombas, tiroteios entre operários e a polícia, prisões em massa e sumiço de trabalhadores.
Em 1917, em plena Primeira Guerra Mundial (1914/18), o movimento anarquista liderava as lutas sociais no Brasil.
Somente em 1920 será criado o Partido Comunista Brasileiro e o socialismo autoritário de Marx passa a querer deitar ordens no movimento operário.
A grande procura nos mercados internacionais de gêneros alimentícios, durante uma guerra que não parecia mais ter fim, deixa a economia do Paraná bem e os trabalhadores mal. Só para se ter uma idéia, em 1916 o Paraná exporta 5.972 suínos, em 1917 exporta 31.273. O governador Afonso Camargo alerta que, na ânsia de exportar, os criadores vendem até as vacas reprodutoras "se esquecendo o dia de amanhã".
Sobem as exportações, somem os gêneros alimentícios para consumo local e sobem seus preços.
Em maio de 1917, o quilo de feijão, que custava 15 mil réis em abril, sobe para 40 mil; a batata que custava 8 mil réis em abril, pulou para 15 mil.
Pensar que os grevistas, além da jornada de oito horas e outras reivindicações pediam um pagamento diário mínimo de 5 mil réis: não dava para comprar nem um quilo de feijão.
A Argentina que vivia a mesma situação, para alimentar seu povo susta a exportação de cereais.
Sem trigo, o Paraná passa a comer pão misturado e seu preço sobe.
Medidas protecionistas da Argentina e Uruguai fazem cair a importação da erva-mate, esteio da economia paranaense de então.
Isso e a suspensão dos trabalhos de construção de estradas de ferro geram o desemprego.
Curitiba tinha perto de 70 mil habitantes e cerca de 80 indústrias principais - beneficiamento de mate e cereais, fábrica de fósforos, de móveis, de pregos, tecelagens, etc. -que empregavam 2.000 operários.
Nesse total não estão incluídos operários dos serviços públicos, trabalhadores da construção civil, da rede ferroviária, gráficos, barriqueiros,
sapateiros, etc.
Jornada de 12 horas, uma hora de almoço na própria fábrica, um só dia, o domingo, de descanso semanal.
Veja o depoimento ao autor de uma operária, menor de idade, de fábrica de fósforos em 1917: "Eu entrava às seis da manhã e saía às sete da noite.
Se chegava atrasada, perdia meio dia de salário.
Se ficava doente, ia para casa e perdia os dias que não trabalhava.
Quem trazia o almoço, quase sempre uma sopa, eram meus irmãos menores - naquele tempo as crianças pobres não tinham escola como hoje. O dia livre eu aproveitava para lavar roupa e o avental de trabalho com que eu ficava na fábrica toda a semana.
No fim do mês vinha o salário: 60 mil réis e um punhado de fósforos... Férias? Não tinha."
"Uma grande satisfação cau-sa-me o fato de viver na miséria: é o consolo de não partilhar com ladrões". E com esse estado de espírito libertário que Octávio Prado vai desencadear, com seus companheiros, a Greve Geral de 1917. Você vai ler a seguir.
Valêncio Xavier, escritor e historiador
A Greve de 17 (I)
Valêncio Xavier
Em julho de 1917 aconteceu a primeira greve geral do Paraná, especificamente em Antonina, Ponta Grossa, Três Barras (território contestado que, no ano anterior, passara a Santa Catarina). E com grande violência em Curitiba, deixando a cidade em polvorosa durante seis dias com as bandeiras pretas do Anarquismo tremulando nas ruas, saques a estabelecimentos comerciais, atentados a bombas, tiroteios entre operários e a polícia, prisões em massa e sumiço de trabalhadores.
Em 1917, em plena Primeira Guerra Mundial (1914/18), o movimento anarquista liderava as lutas sociais no Brasil.
Somente em 1920 será criado o Partido Comunista Brasileiro e o socialismo autoritário de Marx passa a querer deitar ordens no movimento operário.
A grande procura nos mercados internacionais de gêneros alimentícios, durante uma guerra que não parecia mais ter fim, deixa a economia do Paraná bem e os trabalhadores mal. Só para se ter uma idéia, em 1916 o Paraná exporta 5.972 suínos, em 1917 exporta 31.273. O governador Afonso Camargo alerta que, na ânsia de exportar, os criadores vendem até as vacas reprodutoras "se esquecendo o dia de amanhã".
Sobem as exportações, somem os gêneros alimentícios para consumo local e sobem seus preços.
Em maio de 1917, o quilo de feijão, que custava 15 mil réis em abril, sobe para 40 mil; a batata que custava 8 mil réis em abril, pulou para 15 mil.
Pensar que os grevistas, além da jornada de oito horas e outras reivindicações pediam um pagamento diário mínimo de 5 mil réis: não dava para comprar nem um quilo de feijão.
A Argentina que vivia a mesma situação, para alimentar seu povo susta a exportação de cereais.
Sem trigo, o Paraná passa a comer pão misturado e seu preço sobe.
Medidas protecionistas da Argentina e Uruguai fazem cair a importação da erva-mate, esteio da economia paranaense de então.
Isso e a suspensão dos trabalhos de construção de estradas de ferro geram o desemprego.
Curitiba tinha perto de 70 mil habitantes e cerca de 80 indústrias principais - beneficiamento de mate e cereais, fábrica de fósforos, de móveis, de pregos, tecelagens, etc. -que empregavam 2.000 operários.
Nesse total não estão incluídos operários dos serviços públicos, trabalhadores da construção civil, da rede ferroviária, gráficos, barriqueiros,
sapateiros, etc.
Jornada de 12 horas, uma hora de almoço na própria fábrica, um só dia, o domingo, de descanso semanal.
Veja o depoimento ao autor de uma operária, menor de idade, de fábrica de fósforos em 1917: "Eu entrava às seis da manhã e saía às sete da noite.
Se chegava atrasada, perdia meio dia de salário.
Se ficava doente, ia para casa e perdia os dias que não trabalhava.
Quem trazia o almoço, quase sempre uma sopa, eram meus irmãos menores - naquele tempo as crianças pobres não tinham escola como hoje. O dia livre eu aproveitava para lavar roupa e o avental de trabalho com que eu ficava na fábrica toda a semana.
No fim do mês vinha o salário: 60 mil réis e um punhado de fósforos... Férias? Não tinha."
"Uma grande satisfação cau-sa-me o fato de viver na miséria: é o consolo de não partilhar com ladrões". E com esse estado de espírito libertário que Octávio Prado vai desencadear, com seus companheiros, a Greve Geral de 1917. Você vai ler a seguir.
Valêncio Xavier, escritor e historiador
quarta-feira, 26 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - Catedráticos improvisados
Histórias do Paraná - Catedráticos improvisados
Catedráticos improvisados
Mariah do Carmo e Silva Dantas
Exemplo de convite que o Dr. Nilo Cairo da Silva fazia aos futuros Catedráticos da Universidade do Paraná, quando de sua fundação e, 1912, conforme depoimento do professor Manoel Barreto Vieira de Alencar:
- Alencar, você vai ser o nosso professor de Direito Civil.
- Quê?
- Sim, professor de Direito Civil da Universidade.
- Qual Universidade, Nilo?
- A que eu, o Vitor, você e outros professores acabamos de fundar!
Agora o colóquio é com os professores Enéas Marques dos Santos e Pedro Macedo Costa:
- Enéas, preciso de você e do Macedo ali mesmo, na Congregação de Engenharia da Universidade do Paraná. Você, como advogado, ficará na Cátedra de Economia Política e Finanças. E você, Macedo, será o catedrático da Cadeira de Desenho Técnico e Artístico.
Entre os professores civis, a Faculdade está contando somente com o Moreira Garcês e o Gulin.
Até eu mesmo, que sou capitão da arma de Engenharia, fui destinado a uma Cadeira de Medicina, para nivelar o equilíbrio da balança. Já reparou quantos militares a integram?
- Há, por exemplo, os dois Tourinhos, Plínio e Mário. Há dois tenentes, Bizerril e Daltro Filho. Há, também, dois coronéis, Baeta de Faria e o Soares Gomes. Há, ainda, o Presidente do Estado, que é nosso professor e o general, Carlos Cavalcante de Albuquerque.
De Plácido e Silva foi o primeiro aluno matriculado na Universidade do Paraná.
Encontrei registrado um depoimento seu contando como foi isto:
"Mocinho e pobre, De Plácido surgiu à porta da Universidade que iria começar a funcionar.
Vinha de Alagoas com um diploma de curso ginasial.
No guichê do velho prédio, à rua Comendador Araújo, estava o Dr. Nilo Cairo, sozinho, aguardando candidatos. O livro de matrículas em branco, sem qualquer nome inscrito.
Atendido pelo mestre, De Plácido perguntou se existiam matrículas gratuitas, bolsas de estudo ou qualquer outra concessão financeira ao estudante carente de recursos.
"O Dr. Nilo Cairo replicou: -Você não pode pagar a Universidade, e precisa ser aluno.
A Universidade não pode pagar um amanuense (o encarregado de catalogar dados, um escrevente ou escriturário) e precisa dele. O débito anula o crédito.
Ninguém fica devendo nada a ninguém."
Com relação a isto, o que diria hoje o Dr. Nilo Cairo da Silva sobre a Universidade Federal do Paraná?
Mariah do Carmo e Silva, dona-de-casa.
Texto extraído e adaptado da "Centúria de Nilo Cairo da Silva", de B. Nicolau dos Santos Filho
Catedráticos improvisados
Mariah do Carmo e Silva Dantas
Exemplo de convite que o Dr. Nilo Cairo da Silva fazia aos futuros Catedráticos da Universidade do Paraná, quando de sua fundação e, 1912, conforme depoimento do professor Manoel Barreto Vieira de Alencar:
- Alencar, você vai ser o nosso professor de Direito Civil.
- Quê?
- Sim, professor de Direito Civil da Universidade.
- Qual Universidade, Nilo?
- A que eu, o Vitor, você e outros professores acabamos de fundar!
Agora o colóquio é com os professores Enéas Marques dos Santos e Pedro Macedo Costa:
- Enéas, preciso de você e do Macedo ali mesmo, na Congregação de Engenharia da Universidade do Paraná. Você, como advogado, ficará na Cátedra de Economia Política e Finanças. E você, Macedo, será o catedrático da Cadeira de Desenho Técnico e Artístico.
Entre os professores civis, a Faculdade está contando somente com o Moreira Garcês e o Gulin.
Até eu mesmo, que sou capitão da arma de Engenharia, fui destinado a uma Cadeira de Medicina, para nivelar o equilíbrio da balança. Já reparou quantos militares a integram?
- Há, por exemplo, os dois Tourinhos, Plínio e Mário. Há dois tenentes, Bizerril e Daltro Filho. Há, também, dois coronéis, Baeta de Faria e o Soares Gomes. Há, ainda, o Presidente do Estado, que é nosso professor e o general, Carlos Cavalcante de Albuquerque.
De Plácido e Silva foi o primeiro aluno matriculado na Universidade do Paraná.
Encontrei registrado um depoimento seu contando como foi isto:
"Mocinho e pobre, De Plácido surgiu à porta da Universidade que iria começar a funcionar.
Vinha de Alagoas com um diploma de curso ginasial.
No guichê do velho prédio, à rua Comendador Araújo, estava o Dr. Nilo Cairo, sozinho, aguardando candidatos. O livro de matrículas em branco, sem qualquer nome inscrito.
Atendido pelo mestre, De Plácido perguntou se existiam matrículas gratuitas, bolsas de estudo ou qualquer outra concessão financeira ao estudante carente de recursos.
"O Dr. Nilo Cairo replicou: -Você não pode pagar a Universidade, e precisa ser aluno.
A Universidade não pode pagar um amanuense (o encarregado de catalogar dados, um escrevente ou escriturário) e precisa dele. O débito anula o crédito.
Ninguém fica devendo nada a ninguém."
Com relação a isto, o que diria hoje o Dr. Nilo Cairo da Silva sobre a Universidade Federal do Paraná?
Mariah do Carmo e Silva, dona-de-casa.
Texto extraído e adaptado da "Centúria de Nilo Cairo da Silva", de B. Nicolau dos Santos Filho
terça-feira, 25 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - O negro Saul
Histórias do Paraná - O negro Saul
O negro Saul
Luiz Romaguera Neto
As cidades do interior do Paraná têm como características as rodinhas de comentários, os senadinhos...
Aqui em Curitiba, uma das mais famosas foi o Senado, no Café Alvorada, em frente ao Bar Paraná, ali na Rua XV de Novembro, entre Mal.
Floriano e Monsenhor Celso.
Lá pelos anos quarenta, a cidade de Castro fervilhava com acontecimentos da vida administrativa, política, militar e até pecuária.
Os grandes negócios de bois, as compras, eram quase sempre comentados por todos.
Os lances mais espertos de cada um; a maravilha da fábrica de Monte Alegre; o grande negócio do Sr. João Sguário com a Klabin...
Em uma roda da praça, daquelas que se comenta de tudo e de todos, achegou-se o Sr. Eugênio Gonçalves Martins, tido como homem que não gostava de trabalhar e como o maior boêmio da cidade.
Logo que chegou, notou que o comentário maior era sobre seu genro e amigo, Antônio Marques de Souza (Tonico), casado com a mais bonita de suas filhas, a Cândida, apelidada de Duvica.
Elogios ao Tonico, que fizera fortuna, homem trabalhador, de grande visão, fazendeiro e por aí iam os comentários, o Ford coupê que tinha ganho na intermediação do negócio Sguário x Klabin.
Nhô Eugênio, acompanhando a prosa, perguntou ao amigo presente, Gustavo Ribas:
- Gustavo, de quem é aquela casa lá na esquina da rua do Rosário onde o Tonico mora?
- E sua Sr. Eugênio.
- E a fazenda Fortaleza que ele tem, de quem foi que recebeu como herança?
- Do senhor.
- E o bem mais precioso, com quem ele casou, filha de quem é?
- Por certo que sua filha, a Duvica.
- Gozado todos esses elogios ao Tonico.
Eu sou o vagabundo e o boêmio, e ele, que recebeu tudo de mão beijada e de mim, é o maio-ral.
- Para completar, me responda, Gustavo, quem é que administra a casa dele, faz as compras, e é o melhor cozinheiro da cidade?
- Bem, todo mundo sabe que é o negro Saul.
- E, e também sabem que é filho do escravo que viveu com o meu sogro, o José Félix II, e que, desde que nasceu, vive comigo.
Foi ele quem me ajudou a criar as três meninas quando Nhazinha morreu, não deixando que elas passassem fome e nem outras privações.
- O negro Saul, sozinho, vale toda a minha fortuna.
- E tem mais, todas as donas de casa, da mais simples até a esposa do prefeito, seja velha ou moça, têm uma receita dos doces ou salgados que ele é mestre em executar, ou receberam um tempero diferente, uma flor, uma palavra amiga.
- Lá na casa do Tonico, sem ele, nada fazem, Perguntem aos filhos dele?
Os anos se passaram e aquela prosa de um final de manhã de domingo na roda da praça, ficou inde-levelmente gravada na memória de muita gente.
Hoje, no túmulo do Sr. Eugênio, do Tonico e da Duvica, tem uma placa, de mármore branco: "Saul, daqueles que você criou a eterna gratidão".
Luiz Romaguera Neto é membro do Centro de Letras do Paraná. Escreveu baseado em história narrada pelo fazendeiro Gustavo Ribas
O negro Saul
Luiz Romaguera Neto
As cidades do interior do Paraná têm como características as rodinhas de comentários, os senadinhos...
Aqui em Curitiba, uma das mais famosas foi o Senado, no Café Alvorada, em frente ao Bar Paraná, ali na Rua XV de Novembro, entre Mal.
Floriano e Monsenhor Celso.
Lá pelos anos quarenta, a cidade de Castro fervilhava com acontecimentos da vida administrativa, política, militar e até pecuária.
Os grandes negócios de bois, as compras, eram quase sempre comentados por todos.
Os lances mais espertos de cada um; a maravilha da fábrica de Monte Alegre; o grande negócio do Sr. João Sguário com a Klabin...
Em uma roda da praça, daquelas que se comenta de tudo e de todos, achegou-se o Sr. Eugênio Gonçalves Martins, tido como homem que não gostava de trabalhar e como o maior boêmio da cidade.
Logo que chegou, notou que o comentário maior era sobre seu genro e amigo, Antônio Marques de Souza (Tonico), casado com a mais bonita de suas filhas, a Cândida, apelidada de Duvica.
Elogios ao Tonico, que fizera fortuna, homem trabalhador, de grande visão, fazendeiro e por aí iam os comentários, o Ford coupê que tinha ganho na intermediação do negócio Sguário x Klabin.
Nhô Eugênio, acompanhando a prosa, perguntou ao amigo presente, Gustavo Ribas:
- Gustavo, de quem é aquela casa lá na esquina da rua do Rosário onde o Tonico mora?
- E sua Sr. Eugênio.
- E a fazenda Fortaleza que ele tem, de quem foi que recebeu como herança?
- Do senhor.
- E o bem mais precioso, com quem ele casou, filha de quem é?
- Por certo que sua filha, a Duvica.
- Gozado todos esses elogios ao Tonico.
Eu sou o vagabundo e o boêmio, e ele, que recebeu tudo de mão beijada e de mim, é o maio-ral.
- Para completar, me responda, Gustavo, quem é que administra a casa dele, faz as compras, e é o melhor cozinheiro da cidade?
- Bem, todo mundo sabe que é o negro Saul.
- E, e também sabem que é filho do escravo que viveu com o meu sogro, o José Félix II, e que, desde que nasceu, vive comigo.
Foi ele quem me ajudou a criar as três meninas quando Nhazinha morreu, não deixando que elas passassem fome e nem outras privações.
- O negro Saul, sozinho, vale toda a minha fortuna.
- E tem mais, todas as donas de casa, da mais simples até a esposa do prefeito, seja velha ou moça, têm uma receita dos doces ou salgados que ele é mestre em executar, ou receberam um tempero diferente, uma flor, uma palavra amiga.
- Lá na casa do Tonico, sem ele, nada fazem, Perguntem aos filhos dele?
Os anos se passaram e aquela prosa de um final de manhã de domingo na roda da praça, ficou inde-levelmente gravada na memória de muita gente.
Hoje, no túmulo do Sr. Eugênio, do Tonico e da Duvica, tem uma placa, de mármore branco: "Saul, daqueles que você criou a eterna gratidão".
Luiz Romaguera Neto é membro do Centro de Letras do Paraná. Escreveu baseado em história narrada pelo fazendeiro Gustavo Ribas
segunda-feira, 24 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - O delegado e o libidinoso
Histórias do Paraná - O delegado e o libidinoso
O delegado e o libidinoso
Luiz Carlos Vieira
Nos idos de 1950, o policiamento de Curitiba era comandado pela Central de Polícia, por muito tempo sediada na
rua Barão do Rio Branco, em frente ao atual Centro de Convenções de Curitiba.
Ela era atendida, em critério de rodízio, pelos delegados titulares dos diversos Distritos Policiais, cada qual dando ali um plantão de 24 horas, com direito a repouso nos momentos de folga, durante a madrugada.
Para tal, existia um pequeno apartamento, instalado na parte posterior das dependências.
Um determinado escrivão, aliás, era conhecido por carregar sempre uma curiosa e volumosa bagagem quando tirava plantão acompanhando seu delegado titular.
Dizia ele, no começo, se tratar de seu travesseiro predileto.
Alguns curiosos, porém, trataram de verificar e encontraram um prosaico penico esmaltado.
Parafraseando um certo cartão de crédito atual, diríamos que o escrivão não saía de casa sem ele.
Coisa de hábito, explicava.
Mas voltemos a nossa história.
Numa tarde encalorada de quarta-feira, quem dava plantão era o Dr. Pedro Darci de Souza, carinhosamente apelidado de Mamão
por todos os que acompanhavam o cortejo carnavalesco do Clube Thalia, onde também desempenhava o honroso e nobre encargo
de Rei Momo.
Pelo telefone 200 chega a informação de que, a poucas quadras dali, na praça Rui Barbosa, um afoito casal praticava atos
libidinosos, indiferente à presença dos escandalizados cidadãos que por ali passavam.
Nessa época, convém esclarecer, a praça Rui Barbosa era um aprazível logradouro público, com grande fonte luminosa
no centro e bancos para as pessoas sentarem.
Imediatamente, o Dr. Darci aciona uma equipe, composta por três guardas-civis, enviando-os ao local no chamado
carro-forte, um furgão utilizado no transporte dos transgressores da lei.
O libidinoso casal chega perante a autoridade, que se postava estrategicamente em pedestal, num plano mais alto
e ainda dividido por um balcão. O Dr. Darci interrompe o preparo de seu cigarro de palha e passa uma tremenda
descompostura no casal, ameaçando de mandar para o xadrez o homem e a mulher.
Em resposta, o varão escandaloso diz, peremptoriamente, com aquele sorrisinho nos lábios,
que não poderia ser mandado para o xadrez, porque era um oficial-militar.
O Dr. Darci pede que se identifique. O transgressor entrega a sua carteira de identidade, mais parecida com um caderno de notas.
Depois de examiná-la, o delegado a segura com uma das mãos, na outra manuseia um daqueles velhos isqueiros movido a gasolina.
Num repente, aciona o isqueiro, incinerando a carteira de identidade.
Enquanto deposita seus restos no cinzeiro, determina aos guardas civis:
- "Prendam o vagabundo, que acabou de dar baixa!"
Luiz Carlos Vieira, advogado
O delegado e o libidinoso
Luiz Carlos Vieira
Nos idos de 1950, o policiamento de Curitiba era comandado pela Central de Polícia, por muito tempo sediada na
rua Barão do Rio Branco, em frente ao atual Centro de Convenções de Curitiba.
Ela era atendida, em critério de rodízio, pelos delegados titulares dos diversos Distritos Policiais, cada qual dando ali um plantão de 24 horas, com direito a repouso nos momentos de folga, durante a madrugada.
Para tal, existia um pequeno apartamento, instalado na parte posterior das dependências.
Um determinado escrivão, aliás, era conhecido por carregar sempre uma curiosa e volumosa bagagem quando tirava plantão acompanhando seu delegado titular.
Dizia ele, no começo, se tratar de seu travesseiro predileto.
Alguns curiosos, porém, trataram de verificar e encontraram um prosaico penico esmaltado.
Parafraseando um certo cartão de crédito atual, diríamos que o escrivão não saía de casa sem ele.
Coisa de hábito, explicava.
Mas voltemos a nossa história.
Numa tarde encalorada de quarta-feira, quem dava plantão era o Dr. Pedro Darci de Souza, carinhosamente apelidado de Mamão
por todos os que acompanhavam o cortejo carnavalesco do Clube Thalia, onde também desempenhava o honroso e nobre encargo
de Rei Momo.
Pelo telefone 200 chega a informação de que, a poucas quadras dali, na praça Rui Barbosa, um afoito casal praticava atos
libidinosos, indiferente à presença dos escandalizados cidadãos que por ali passavam.
Nessa época, convém esclarecer, a praça Rui Barbosa era um aprazível logradouro público, com grande fonte luminosa
no centro e bancos para as pessoas sentarem.
Imediatamente, o Dr. Darci aciona uma equipe, composta por três guardas-civis, enviando-os ao local no chamado
carro-forte, um furgão utilizado no transporte dos transgressores da lei.
O libidinoso casal chega perante a autoridade, que se postava estrategicamente em pedestal, num plano mais alto
e ainda dividido por um balcão. O Dr. Darci interrompe o preparo de seu cigarro de palha e passa uma tremenda
descompostura no casal, ameaçando de mandar para o xadrez o homem e a mulher.
Em resposta, o varão escandaloso diz, peremptoriamente, com aquele sorrisinho nos lábios,
que não poderia ser mandado para o xadrez, porque era um oficial-militar.
O Dr. Darci pede que se identifique. O transgressor entrega a sua carteira de identidade, mais parecida com um caderno de notas.
Depois de examiná-la, o delegado a segura com uma das mãos, na outra manuseia um daqueles velhos isqueiros movido a gasolina.
Num repente, aciona o isqueiro, incinerando a carteira de identidade.
Enquanto deposita seus restos no cinzeiro, determina aos guardas civis:
- "Prendam o vagabundo, que acabou de dar baixa!"
Luiz Carlos Vieira, advogado
domingo, 23 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - Os doze sertões
Histórias do Paraná - Os doze sertões
Os doze sertões
Roldão Arruda
Assim como Garcia Márquez, todo mundo tem a sua Macondo.
A minha chama-se Jaguasta, flutua numa colina sitiada por cafe-zais e povoa minha memória de ventanias, geadas e causos que dariam para alimentar trezentos anos de solidão.
Não adianta procurar no mapa. O nome é fictício, embora a cidade exista, a poucos quilômetros de Londrina.
Hoje, em vez de cafe-zais, navega entre pastagens e campos de soja.
Se não digo o nome real não é por vergonha, porque não sou filho ingrato, mas para evitar os chatos, que a cada causo poderiam dizer: "Não foi bem assim".
Na minha Jaguasta as coisas aconteceram tal e qual eu conto.
Vejam a história do Luís Fernando, pintor que desembarcou em Jaguasta nos anos 40, quando ainda se caçava cateto e as matas ardiam em queimadas tão vastas que as pessoas punham-se a imaginar os mistérios do inferno.
O pintor ficou avassalado por aquele bulício, o sangüíneo do céu, a poeira das boiadas. E começou a pintar paisagens.
Pintava desbragadamente, interessado apenas nas sensações e formas que o sertão lhe ofertava.
Sua casa, de madeira, sem móveis, era uma floresta de quadros a óleo.
Luas espelhadas em águas ciciantes, holocaustos de árvores, picadas enevoadas, casebres encravados em morros.
Solidões.
Na embriaguez, Luiz Fernando não se importou com a despensa vazia e a partida da esposa, que voltou para a casa dos pais.
Horrorizou-se, porém, quando a tinta acabou. Aí, tentou vender a obra.
Convidou pessoas a irem à sua casa.
Ninguém compareceu.
Levou os quadros para a praça da matriz.
Vendeu quase nada.
Bateu de porta em porta, puxando as telas num carrinho de madeira.
Em vão.
Lhe ofereceram comida, emprego na serraria, prazeres, porque era um moço bonito, mas não frearam o gosto do fracasso, seu inferno real.
Um dia, minha mãe varria folhas no quintal, quando uma vizinha passou e disse:
- O pintor endoidou.
Acendeu um fogo e está queimando os quadros.
Minha mãe largou a vassoura, pegou um dinheiro que guardava na gaveta do guarda-comida, para emergências, e correu para lá. Morta de dó. Vislumbrou o moço no meio da fumaça, fingiu que não viu a queima do Paraná e falou que queria comprar um quadro.
Com os olhos ardentes ele respondeu:
- Não quer levar uma dúzia? Faço pelo preço de um.
Depois da queima, foi embora dejaguasta e não pegou mais num pincel. Não o conheci, mas nunca esqueci dele.
Seria impossível, com aquela dúzia de vastidões pendurada nas paredes da minha infância.
Roldão Arruda norte-paranaense, jornalista em São Paulo.
Os doze sertões
Roldão Arruda
Assim como Garcia Márquez, todo mundo tem a sua Macondo.
A minha chama-se Jaguasta, flutua numa colina sitiada por cafe-zais e povoa minha memória de ventanias, geadas e causos que dariam para alimentar trezentos anos de solidão.
Não adianta procurar no mapa. O nome é fictício, embora a cidade exista, a poucos quilômetros de Londrina.
Hoje, em vez de cafe-zais, navega entre pastagens e campos de soja.
Se não digo o nome real não é por vergonha, porque não sou filho ingrato, mas para evitar os chatos, que a cada causo poderiam dizer: "Não foi bem assim".
Na minha Jaguasta as coisas aconteceram tal e qual eu conto.
Vejam a história do Luís Fernando, pintor que desembarcou em Jaguasta nos anos 40, quando ainda se caçava cateto e as matas ardiam em queimadas tão vastas que as pessoas punham-se a imaginar os mistérios do inferno.
O pintor ficou avassalado por aquele bulício, o sangüíneo do céu, a poeira das boiadas. E começou a pintar paisagens.
Pintava desbragadamente, interessado apenas nas sensações e formas que o sertão lhe ofertava.
Sua casa, de madeira, sem móveis, era uma floresta de quadros a óleo.
Luas espelhadas em águas ciciantes, holocaustos de árvores, picadas enevoadas, casebres encravados em morros.
Solidões.
Na embriaguez, Luiz Fernando não se importou com a despensa vazia e a partida da esposa, que voltou para a casa dos pais.
Horrorizou-se, porém, quando a tinta acabou. Aí, tentou vender a obra.
Convidou pessoas a irem à sua casa.
Ninguém compareceu.
Levou os quadros para a praça da matriz.
Vendeu quase nada.
Bateu de porta em porta, puxando as telas num carrinho de madeira.
Em vão.
Lhe ofereceram comida, emprego na serraria, prazeres, porque era um moço bonito, mas não frearam o gosto do fracasso, seu inferno real.
Um dia, minha mãe varria folhas no quintal, quando uma vizinha passou e disse:
- O pintor endoidou.
Acendeu um fogo e está queimando os quadros.
Minha mãe largou a vassoura, pegou um dinheiro que guardava na gaveta do guarda-comida, para emergências, e correu para lá. Morta de dó. Vislumbrou o moço no meio da fumaça, fingiu que não viu a queima do Paraná e falou que queria comprar um quadro.
Com os olhos ardentes ele respondeu:
- Não quer levar uma dúzia? Faço pelo preço de um.
Depois da queima, foi embora dejaguasta e não pegou mais num pincel. Não o conheci, mas nunca esqueci dele.
Seria impossível, com aquela dúzia de vastidões pendurada nas paredes da minha infância.
Roldão Arruda norte-paranaense, jornalista em São Paulo.
sábado, 22 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - Uma vida singular
Histórias do Paraná - Uma vida singular
Uma vida singular
Irmão Luiz Albano
As vocações religiosas orientadas e encaminhadas corretamente demonstraram, através dos anos, grande manancial de vigor e vida existentes em seus propósitos, para benefício da sociedade.
Foi comum, antes dos meados deste século, a presença regular de religiosos designados para certas localidades rurais atentos a essas vocações, fisgando-as e guiando-as.
Entre outros, avulta a figura notável do Padre Emiliano Ananevich (1886-1964), ucraíno de nascimento, ordenado em 1911 e primeiro padre secular celibatário a apresentar-se para trabalhar em missões além-oceano.
Foi quando, depois de passar seis anos na Argentina e encontrar dificuldades para o desenvolvimento de seu apostolado junto às comunidades ucraínas, tomou o rumo do Brasil, estabeleceu-se em Mallet, atendendo, então, a toda aquela vasta área de terra que reunia Dorizon, Fluviópolis, Serra do Tigre, Vera Guarani, Paulo Frontin e Cruz Machado.
A região carecia de estradas e os meios de comunicação eram os mais rudimentares. Não fosse a linha de trem que por ali já havia chegado, essas localidades estariam em absoluto desconforto.
Com isso, o Padre Ananevich consegue que as irmãs Servas de Maria se estabelecessem em Mallet e Dorizon, onde também organizou um hospital.
Consciente da importância da educação, porém, mostrava, com insistência, a necessidade de criar escolas: fundou, assim, nas colônias da região, mais de vinte estabelecimentos primários.
Em 1930 fundou uma congregação de irmãs catequistas com a aprovação do bispo D. Constantino Bohathevskyi, então em visita pastoral aos fiéis de rito ucraíno no Brasil, sendo essa congregação a das Irmãs Catequistas de Sant’Ana, curiosamente possuidoras hoje de duas casas de noviças em Lviv.
Assim, estimulando e orientando, surgiam capelas, escolas, hospitais e asilos, atestando seu espírito empreendedor.
Confiando na Providência, a generosidade do povo imigrante fazia o resto.
Uma das peculiaridades do Padre Emiliano Ananevich eram as vocações religiosas.
Procurando constantemente descobri-las, visitava com regularidade as famílias colonas da região.
Com isso, as congregações Maristas, de São José de Chambèry (Cajuru) e Franciscana ganhavam incontáveis postulantes.
Era, no entanto, preocupado em encaminhar candidatos ao sacerdócio de rito ucraíno, mas como isso nem sempre era possível, e por não fazer distinção quanto aos destinos das vocações encontradas, satisfazia-se vendo estar todos eles nos caminhos da Divina Providência.
Dentre os afilhados do Padre Emiliano Ananevich, encontrava-se, conhecidos da sociedade paranaense (Colégio Santa Maria), os nomes dos irmãos Ruperto Felix, Paulo Wodonos, Celedônio, Constante Slivinski, Miguel Wouk, e incontáveis outros, inclusive o modesto escriba destas linhas quase tortas, mas consciente do grandioso desempenho desse padre ucraíno, bem reconhecido pelas comunidades por que passou e pelas sociedades paranaense e brasileira que, certamente, muito lhe devem.
Luiz Albano é Irmão Marista, nascido em Dorizon, radicado em Curitiba desde 1942, por obra e grafa do Pe. Emiliano Ananevich
Uma vida singular
Irmão Luiz Albano
As vocações religiosas orientadas e encaminhadas corretamente demonstraram, através dos anos, grande manancial de vigor e vida existentes em seus propósitos, para benefício da sociedade.
Foi comum, antes dos meados deste século, a presença regular de religiosos designados para certas localidades rurais atentos a essas vocações, fisgando-as e guiando-as.
Entre outros, avulta a figura notável do Padre Emiliano Ananevich (1886-1964), ucraíno de nascimento, ordenado em 1911 e primeiro padre secular celibatário a apresentar-se para trabalhar em missões além-oceano.
Foi quando, depois de passar seis anos na Argentina e encontrar dificuldades para o desenvolvimento de seu apostolado junto às comunidades ucraínas, tomou o rumo do Brasil, estabeleceu-se em Mallet, atendendo, então, a toda aquela vasta área de terra que reunia Dorizon, Fluviópolis, Serra do Tigre, Vera Guarani, Paulo Frontin e Cruz Machado.
A região carecia de estradas e os meios de comunicação eram os mais rudimentares. Não fosse a linha de trem que por ali já havia chegado, essas localidades estariam em absoluto desconforto.
Com isso, o Padre Ananevich consegue que as irmãs Servas de Maria se estabelecessem em Mallet e Dorizon, onde também organizou um hospital.
Consciente da importância da educação, porém, mostrava, com insistência, a necessidade de criar escolas: fundou, assim, nas colônias da região, mais de vinte estabelecimentos primários.
Em 1930 fundou uma congregação de irmãs catequistas com a aprovação do bispo D. Constantino Bohathevskyi, então em visita pastoral aos fiéis de rito ucraíno no Brasil, sendo essa congregação a das Irmãs Catequistas de Sant’Ana, curiosamente possuidoras hoje de duas casas de noviças em Lviv.
Assim, estimulando e orientando, surgiam capelas, escolas, hospitais e asilos, atestando seu espírito empreendedor.
Confiando na Providência, a generosidade do povo imigrante fazia o resto.
Uma das peculiaridades do Padre Emiliano Ananevich eram as vocações religiosas.
Procurando constantemente descobri-las, visitava com regularidade as famílias colonas da região.
Com isso, as congregações Maristas, de São José de Chambèry (Cajuru) e Franciscana ganhavam incontáveis postulantes.
Era, no entanto, preocupado em encaminhar candidatos ao sacerdócio de rito ucraíno, mas como isso nem sempre era possível, e por não fazer distinção quanto aos destinos das vocações encontradas, satisfazia-se vendo estar todos eles nos caminhos da Divina Providência.
Dentre os afilhados do Padre Emiliano Ananevich, encontrava-se, conhecidos da sociedade paranaense (Colégio Santa Maria), os nomes dos irmãos Ruperto Felix, Paulo Wodonos, Celedônio, Constante Slivinski, Miguel Wouk, e incontáveis outros, inclusive o modesto escriba destas linhas quase tortas, mas consciente do grandioso desempenho desse padre ucraíno, bem reconhecido pelas comunidades por que passou e pelas sociedades paranaense e brasileira que, certamente, muito lhe devem.
Luiz Albano é Irmão Marista, nascido em Dorizon, radicado em Curitiba desde 1942, por obra e grafa do Pe. Emiliano Ananevich
sexta-feira, 21 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - O Titiozinho
Histórias do Paraná - O Titiozinho
O Titiozinho
Valério Hoerner Júnior
Filho de Urbano José Correia e Maria Francisca da Silva, oriundo da região de Beira, Portugal, Manoel Francisco Correia - o Velho (1776-1850) - foi o tronco da ilustre Casa parnanguara dos Correia.
Casou-se três vezes: Maria Josepha de França, com quem teve, em 1800, uma filha, Maria; com Maria Joaquina da Trindade, nasceu-lhe apenas Manoel Francisco Correia Júnior — o Moço (1809-1857); e de Joaquina Maria da Ascenção, terceira e última esposa, teve mais nove filhos: Joaquim Cândido, José Francisco, Maria Clara, Lourença Joaquina, João, Rosa Narcisa, Laurinda, Guilhermina e, por fim, o caçula, Manoel Euphrasio, nascido em 16 de agosto de 1839.
Verifica-se, pois, que os onze filhos do patriarca da ilustre Casa nasceram dentro de um período vital de 39 anos.
Acontece que, face às circunstâncias, dentro desse período, naturalmente iam também nascendo os filhos dos filhos, seus netos, portanto: no momento em que nasceu Manoel Euphrasio, o Correia Moço já possuía oito, os quais somados aos dois de Maria, aos quatro de Maria Clara e ao de Lourença Joaquina creditavam ao Velho o número de 15 netos, todos já em idade superior à do seu pequenino Manoel Euphrasio. E nada mais natural ainda do que o contínuo "vir ao mundo" da criançada, com os registros apontando ao todo 81 netos para Manoel Francisco Correia, o Velho.
Manoel Euphrasio, então, tanto pelo fato de ter sido o festejado caçula do patriarca, quanto por crescer entre sobrinhos mais velhos ou de pouca diferença, passou a ser tratado carinhosamente por "Titio-zinho", apelido que o acompanharia pelo resto da vida.
Em primeiras núpcias, casou-se o "Titiozinho", em 25 de março de 1863, com Maria Ermelina Correia Pereira.
Perdeu-a, porém, no parto do oitavo filho, Manoel, depois de penosa e frustrante cirurgia envidada na ocasião pelo Dr. Muricy e pelo primo Dr. Leocádio Correia.
Veio "Titiozinho" a casar-se, então, com a sobrinha Alice Guimarães, filha de sua irmã Maria Clara que em 1933 casara-se com o futuro Comendador e Visconde de Nácar.
Deste casamento, teve mais quatro filhos.
"Titiozinho", porém, não foi feliz com a prole: dos doze filhos, somente chegaram a casar-se a quarta do primeiro casamento (Lourença, com Roberto Regnier) e os derradeiros do segundo (Adalberto Nácar
Correia, com Maria Clara e Áurea Jouve; e Alice, com Augusto Vieira de Castro). Os demais faleceram ainda crianças ou ao nascer. E uma tragédia: Euphrasio, nascido em 1874, constituiu-se no terceiro Correia vitimado pela Revolução Federalista: empunhando a bandeira de Floriano em defesa de Niterói, acabou trucidado a machadinha pelos marujos revoltosos de Saldanha da Gama; tinha vinte anos; os outros dois foram Ildefonso, o Barão do Serro Azul, e seu primo, Presciliano Correia, assassinados no quilômetro 65 da Serra do Mar.
Manoel Euphrasio Correia foi chefe do Partido Conservador no Paraná. Deputado Provincial e Geral, morreu exercendo as funções de Presidente da Província de Pernambuco, em 1888.
Valério Hoerner Júnior, da Academia Paranaense de Letras
O Titiozinho
Valério Hoerner Júnior
Filho de Urbano José Correia e Maria Francisca da Silva, oriundo da região de Beira, Portugal, Manoel Francisco Correia - o Velho (1776-1850) - foi o tronco da ilustre Casa parnanguara dos Correia.
Casou-se três vezes: Maria Josepha de França, com quem teve, em 1800, uma filha, Maria; com Maria Joaquina da Trindade, nasceu-lhe apenas Manoel Francisco Correia Júnior — o Moço (1809-1857); e de Joaquina Maria da Ascenção, terceira e última esposa, teve mais nove filhos: Joaquim Cândido, José Francisco, Maria Clara, Lourença Joaquina, João, Rosa Narcisa, Laurinda, Guilhermina e, por fim, o caçula, Manoel Euphrasio, nascido em 16 de agosto de 1839.
Verifica-se, pois, que os onze filhos do patriarca da ilustre Casa nasceram dentro de um período vital de 39 anos.
Acontece que, face às circunstâncias, dentro desse período, naturalmente iam também nascendo os filhos dos filhos, seus netos, portanto: no momento em que nasceu Manoel Euphrasio, o Correia Moço já possuía oito, os quais somados aos dois de Maria, aos quatro de Maria Clara e ao de Lourença Joaquina creditavam ao Velho o número de 15 netos, todos já em idade superior à do seu pequenino Manoel Euphrasio. E nada mais natural ainda do que o contínuo "vir ao mundo" da criançada, com os registros apontando ao todo 81 netos para Manoel Francisco Correia, o Velho.
Manoel Euphrasio, então, tanto pelo fato de ter sido o festejado caçula do patriarca, quanto por crescer entre sobrinhos mais velhos ou de pouca diferença, passou a ser tratado carinhosamente por "Titio-zinho", apelido que o acompanharia pelo resto da vida.
Em primeiras núpcias, casou-se o "Titiozinho", em 25 de março de 1863, com Maria Ermelina Correia Pereira.
Perdeu-a, porém, no parto do oitavo filho, Manoel, depois de penosa e frustrante cirurgia envidada na ocasião pelo Dr. Muricy e pelo primo Dr. Leocádio Correia.
Veio "Titiozinho" a casar-se, então, com a sobrinha Alice Guimarães, filha de sua irmã Maria Clara que em 1933 casara-se com o futuro Comendador e Visconde de Nácar.
Deste casamento, teve mais quatro filhos.
"Titiozinho", porém, não foi feliz com a prole: dos doze filhos, somente chegaram a casar-se a quarta do primeiro casamento (Lourença, com Roberto Regnier) e os derradeiros do segundo (Adalberto Nácar
Correia, com Maria Clara e Áurea Jouve; e Alice, com Augusto Vieira de Castro). Os demais faleceram ainda crianças ou ao nascer. E uma tragédia: Euphrasio, nascido em 1874, constituiu-se no terceiro Correia vitimado pela Revolução Federalista: empunhando a bandeira de Floriano em defesa de Niterói, acabou trucidado a machadinha pelos marujos revoltosos de Saldanha da Gama; tinha vinte anos; os outros dois foram Ildefonso, o Barão do Serro Azul, e seu primo, Presciliano Correia, assassinados no quilômetro 65 da Serra do Mar.
Manoel Euphrasio Correia foi chefe do Partido Conservador no Paraná. Deputado Provincial e Geral, morreu exercendo as funções de Presidente da Província de Pernambuco, em 1888.
Valério Hoerner Júnior, da Academia Paranaense de Letras
quinta-feira, 20 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - Susto inusitado
Histórias do Paraná - Susto inusitado
Susto inusitado
Flora Munhoz da Rocha
Quando eu soube da morte de Emir Caluf, a memória trouxe à tona a lembrança de seu pai Miguel Caluf e o susto que um dia ele levou.
Seu Miguel, proprietário da loja de tecidos "O Louvre", permanecia simpaticamente a postos atendendo a freguesia.
Amélia era freguesa de sua predileção que se abastecia a preço de custo.
De repente Amélia adoeceu gravemente, tão gravemente que foi desenganada. E quando o médico, no seu último exame, disse "É o fim.
Nada mais a fazer", a família compadecida se fez presente a seus últimos instantes.
Enquanto a respiração tor-nava-se mais lenta e espaçada, cochichavam sobre velório e sepultura.
Uma prima zelosa, que sabia de como Amélia desejaria sua mortalha, para adiantar o serviço, saiu pé-ante-pé rumo à loja de seu Miguel.
Pediu tule rosado e cetim lilás e, quando seu Miguel indagou "Para quem?", a prima levou o lencinho aos lábios pronunciando ‘Para Amélia". Ele voltou a perguntar "Quando?". Sem saber como responder murmurou "Agora". Seu Miguel, penalizado, fez questão de ofertar a mortalha.
Poderia escolher o que quisesse, não cobraria um centavo.
Disfarçando o embrulho, entrou cautelosa no quarto de Amélia.
Ela ainda não exalara o último suspiro.
Ressonava sem agonia. "E a melhor hora da morte", sussurravam, "Vai morrer que nem um passarinho".
Caía a tarde. O quarto na paz e na quietude.
Alguém tamborilava com as unhas quebrando o silêncio fúnebre.
Passou-se uma hora e mais outra e mais outra.
Agora, através da janela um luar brilhante pousava sobre os lençóis.
Na penumbra, só fraca lâmpada iluminava a agonizante.
Enquanto uns cochilavam, outros com a cabeça apoiada na mão aguardavam o desenlace. O céu já clareava num prenúncio de aurora.
Entre-olharam-se indagando. O mau presságio dava lugar à esperança.
Vieram as chuvas. Veio o sol. Veio a primavera.
No decorrer da convalescença, Amélia repetia "A morte me agarrou e me largou". O cetim e o tule a comoveram.
Haveria de agradecer pessoalmente a seu Miguel.
Manhã de céu azul.
Amélia entra no "Louvre" com passos miúdos.
Parou para respirar.
Naquele exato momento seu Miguel passa rente a ela.
Deu dois passos e virou-se em meia volta urgente exclamando um meu Deeeus! de extremo espanto.
Empalideceu diante da assombração.
Senhor Jesus, era ela em pessoa.
Esfregou os olhos não podendo acreditar.
Como? Se ele próprio pranteara sua morte ofertando-lhe a mortalha com tanta ternura... e agora surgia em plena luz do dia vivinha-da-silva!
Após o instante de estar-recimento, conseguiu articular "Como fei?"Ela falou "Acho que fui e voltei’’.
Durante quanto tempo se pode ficar em estado de choque diante de uma pessoa ressuscitada? Foi só quando Amélia, tirando os óculos,
deu uma risada e olhou cara a cara que seu Miguel voltou a si e, estendendo braços, os dois se abraçaram.
Flora Munhoz da Rocha, ex-primeira dama do Estado, é cronista.
Susto inusitado
Flora Munhoz da Rocha
Quando eu soube da morte de Emir Caluf, a memória trouxe à tona a lembrança de seu pai Miguel Caluf e o susto que um dia ele levou.
Seu Miguel, proprietário da loja de tecidos "O Louvre", permanecia simpaticamente a postos atendendo a freguesia.
Amélia era freguesa de sua predileção que se abastecia a preço de custo.
De repente Amélia adoeceu gravemente, tão gravemente que foi desenganada. E quando o médico, no seu último exame, disse "É o fim.
Nada mais a fazer", a família compadecida se fez presente a seus últimos instantes.
Enquanto a respiração tor-nava-se mais lenta e espaçada, cochichavam sobre velório e sepultura.
Uma prima zelosa, que sabia de como Amélia desejaria sua mortalha, para adiantar o serviço, saiu pé-ante-pé rumo à loja de seu Miguel.
Pediu tule rosado e cetim lilás e, quando seu Miguel indagou "Para quem?", a prima levou o lencinho aos lábios pronunciando ‘Para Amélia". Ele voltou a perguntar "Quando?". Sem saber como responder murmurou "Agora". Seu Miguel, penalizado, fez questão de ofertar a mortalha.
Poderia escolher o que quisesse, não cobraria um centavo.
Disfarçando o embrulho, entrou cautelosa no quarto de Amélia.
Ela ainda não exalara o último suspiro.
Ressonava sem agonia. "E a melhor hora da morte", sussurravam, "Vai morrer que nem um passarinho".
Caía a tarde. O quarto na paz e na quietude.
Alguém tamborilava com as unhas quebrando o silêncio fúnebre.
Passou-se uma hora e mais outra e mais outra.
Agora, através da janela um luar brilhante pousava sobre os lençóis.
Na penumbra, só fraca lâmpada iluminava a agonizante.
Enquanto uns cochilavam, outros com a cabeça apoiada na mão aguardavam o desenlace. O céu já clareava num prenúncio de aurora.
Entre-olharam-se indagando. O mau presságio dava lugar à esperança.
Vieram as chuvas. Veio o sol. Veio a primavera.
No decorrer da convalescença, Amélia repetia "A morte me agarrou e me largou". O cetim e o tule a comoveram.
Haveria de agradecer pessoalmente a seu Miguel.
Manhã de céu azul.
Amélia entra no "Louvre" com passos miúdos.
Parou para respirar.
Naquele exato momento seu Miguel passa rente a ela.
Deu dois passos e virou-se em meia volta urgente exclamando um meu Deeeus! de extremo espanto.
Empalideceu diante da assombração.
Senhor Jesus, era ela em pessoa.
Esfregou os olhos não podendo acreditar.
Como? Se ele próprio pranteara sua morte ofertando-lhe a mortalha com tanta ternura... e agora surgia em plena luz do dia vivinha-da-silva!
Após o instante de estar-recimento, conseguiu articular "Como fei?"Ela falou "Acho que fui e voltei’’.
Durante quanto tempo se pode ficar em estado de choque diante de uma pessoa ressuscitada? Foi só quando Amélia, tirando os óculos,
deu uma risada e olhou cara a cara que seu Miguel voltou a si e, estendendo braços, os dois se abraçaram.
Flora Munhoz da Rocha, ex-primeira dama do Estado, é cronista.
quarta-feira, 19 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - O médico e os afilhados
Histórias do Paraná - O médico e os afilhados
O médico e os afilhados
Adalberto Scherer Filho
Lá pelos idos de 1936, Dr. Scherer, recém formado médico, apreciador da natureza e das pescarias, aventurou-se na região do Assungui, a procura de córregos e poços ideais para a prática do "esporte".
Numa dessas pescarias no Assungui, o Dr. Scherer, filho de tradicional família paranaense, foi chamado para atender uma emergência, pedido que atendeu com sucesso.
Foi o que bastou para ganhar a confiança e admiração dos caboclos do local, que o reverenciavam.
Depois desse fato, durante 43 longos anos, um final de semana de cada mês era dedicado a atender pessoas necessitadas da região do Km 57 da Estrada do Ceme.
Lá, sempre ajudado pelos "assistentes" Nhô Paulo e João Lovato (hoje comerciante em Curitiba), Dr. Scherer ajudava a todos, receitando e entregando remédios.
Durante todo este período, inúmeras manifestações de amizade foram verificadas, traduzindo toda a gratidão daquelas pessoas.
Na falta de bens materiais, uma das formas prediletas delas demonstrarem essa gratidão era fazer o Dr. Scherer padrinho de seus filhos.
Numa tarde, proseando com Nhô Paulo, Dr. Scherer perguntou:
- Nhô Paulo, você já calculou quantos afilhados eu tenho aqui?
Nhô Paulo, na sua simplicidade de caboclo, respondeu de pronto:
- Dr. Scherer, afilhados somos todos nós do senhor.
Mas batizados mesmo, acho que são uns 250.
Enquanto pôde, Dr. Scherer, meu pai, praticou este ato humano.
Faleceu ano passado deixando somente dignidade e honra, como homem e médico.
Adalberto Scherer Filho, administrador de empresas
O médico e os afilhados
Adalberto Scherer Filho
Lá pelos idos de 1936, Dr. Scherer, recém formado médico, apreciador da natureza e das pescarias, aventurou-se na região do Assungui, a procura de córregos e poços ideais para a prática do "esporte".
Numa dessas pescarias no Assungui, o Dr. Scherer, filho de tradicional família paranaense, foi chamado para atender uma emergência, pedido que atendeu com sucesso.
Foi o que bastou para ganhar a confiança e admiração dos caboclos do local, que o reverenciavam.
Depois desse fato, durante 43 longos anos, um final de semana de cada mês era dedicado a atender pessoas necessitadas da região do Km 57 da Estrada do Ceme.
Lá, sempre ajudado pelos "assistentes" Nhô Paulo e João Lovato (hoje comerciante em Curitiba), Dr. Scherer ajudava a todos, receitando e entregando remédios.
Durante todo este período, inúmeras manifestações de amizade foram verificadas, traduzindo toda a gratidão daquelas pessoas.
Na falta de bens materiais, uma das formas prediletas delas demonstrarem essa gratidão era fazer o Dr. Scherer padrinho de seus filhos.
Numa tarde, proseando com Nhô Paulo, Dr. Scherer perguntou:
- Nhô Paulo, você já calculou quantos afilhados eu tenho aqui?
Nhô Paulo, na sua simplicidade de caboclo, respondeu de pronto:
- Dr. Scherer, afilhados somos todos nós do senhor.
Mas batizados mesmo, acho que são uns 250.
Enquanto pôde, Dr. Scherer, meu pai, praticou este ato humano.
Faleceu ano passado deixando somente dignidade e honra, como homem e médico.
Adalberto Scherer Filho, administrador de empresas
terça-feira, 18 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - Carona indesejável
Histórias do Paraná - Carona indesejável
Carona indesejável
Frei Raul Silva
Aconteceu nos idos de 1944, no interior do pacato município de Rio Negro, sul do nosso estado.
Naquele tempo o asfalto ainda era novidade rara no interior.
As estradas de terra batida eram empoeiradas e esburacadas, quando não lamacentas.
Ainda mais no interior do município de Rio Negro, nossa querida terrinha.
Penosa era a viagem do fundo do mato até a cidade, para as compras necessárias, para o transporte da madeira das serrarias até a estação da estrada-de-ferro, meio de transporte mais sofisticado naqueles dias.
Havia naquela região do município um homem solitário, criatura excelente, muito piedoso e humanitário.
Morava sozinho, muito respeitado e venerado pelo povo simples da região, um misto de santo e de mistério.
João José, este o nome dele.
Como acontece a todos os mortais, um dia João José faleceu.
Morreu como queria e dizia; sem incomodar ninguém; amanheceu morto.
Comoção na vizinhança.
Todo mundo queria ver o velhinho santo, quiçá fazer-lhe um pedido. E agora, o enterro? Os mais abastados do lugarejo se cotizaram para custear as despesas. O dono duma serraria ofereceu o caminhão para ir à cidade comprar o caixão.
Partiu logo, pois a estrada estava meio lisa e aqueles 20 Km eram um desafio, já que o tempo ameaçava chuva.
Comprado o caixão, simples como convinha, e cumpridas as formalidades de praxe, o velho caminhão iniciou o retorno. A alguns quilômetros da viagem de volta, alguém na estrada, pedindo carona, pois coletivo naquele local só duas vezes por semana.
Era um velho conhecido do falecido que não queria perder o enterro. O motorista deu carona, mas pediu que subisse à carroceria, pois a cabine estava lotada.
Mais alguns quilômetros adiante, a chuva começou a cair forte. O único recurso do carona foi criativo: refugiou-se dentro do caixão, cobrindo-se jeitosamente com a tampa.
Tudo normal, até que mais alguns quilômetros adiante, mais dois caronas que iam ao enterro pararam o caminhão, único jeito de chegarem a tempo. O motorista, não sabendo do paradeiro do primeiro carona, pediu aos outros que também subissem à carroceria.
Neste ínterim cessara a chuva e já se aproximavam do local.
Foi então que o primeiro carona resolveu sair do caixão; levantou a tampa e imperceptivelmente perguntou com voz cavernosa aos dois aterrados companheiros: "Como é, já parou de chover?"
Foi quando a adrenalina dos dois pulou ao máximo... saltaram como um jato do caminhão em andamento e até hoje ninguém sabe do seu paradeiro.
Faltaram ao enterro de João José, que passou ao segundo assunto do dia...
Frei Raul Silva, sacerdote franciscano, rionegrense e trabalha em Curitiba
Carona indesejável
Frei Raul Silva
Aconteceu nos idos de 1944, no interior do pacato município de Rio Negro, sul do nosso estado.
Naquele tempo o asfalto ainda era novidade rara no interior.
As estradas de terra batida eram empoeiradas e esburacadas, quando não lamacentas.
Ainda mais no interior do município de Rio Negro, nossa querida terrinha.
Penosa era a viagem do fundo do mato até a cidade, para as compras necessárias, para o transporte da madeira das serrarias até a estação da estrada-de-ferro, meio de transporte mais sofisticado naqueles dias.
Havia naquela região do município um homem solitário, criatura excelente, muito piedoso e humanitário.
Morava sozinho, muito respeitado e venerado pelo povo simples da região, um misto de santo e de mistério.
João José, este o nome dele.
Como acontece a todos os mortais, um dia João José faleceu.
Morreu como queria e dizia; sem incomodar ninguém; amanheceu morto.
Comoção na vizinhança.
Todo mundo queria ver o velhinho santo, quiçá fazer-lhe um pedido. E agora, o enterro? Os mais abastados do lugarejo se cotizaram para custear as despesas. O dono duma serraria ofereceu o caminhão para ir à cidade comprar o caixão.
Partiu logo, pois a estrada estava meio lisa e aqueles 20 Km eram um desafio, já que o tempo ameaçava chuva.
Comprado o caixão, simples como convinha, e cumpridas as formalidades de praxe, o velho caminhão iniciou o retorno. A alguns quilômetros da viagem de volta, alguém na estrada, pedindo carona, pois coletivo naquele local só duas vezes por semana.
Era um velho conhecido do falecido que não queria perder o enterro. O motorista deu carona, mas pediu que subisse à carroceria, pois a cabine estava lotada.
Mais alguns quilômetros adiante, a chuva começou a cair forte. O único recurso do carona foi criativo: refugiou-se dentro do caixão, cobrindo-se jeitosamente com a tampa.
Tudo normal, até que mais alguns quilômetros adiante, mais dois caronas que iam ao enterro pararam o caminhão, único jeito de chegarem a tempo. O motorista, não sabendo do paradeiro do primeiro carona, pediu aos outros que também subissem à carroceria.
Neste ínterim cessara a chuva e já se aproximavam do local.
Foi então que o primeiro carona resolveu sair do caixão; levantou a tampa e imperceptivelmente perguntou com voz cavernosa aos dois aterrados companheiros: "Como é, já parou de chover?"
Foi quando a adrenalina dos dois pulou ao máximo... saltaram como um jato do caminhão em andamento e até hoje ninguém sabe do seu paradeiro.
Faltaram ao enterro de João José, que passou ao segundo assunto do dia...
Frei Raul Silva, sacerdote franciscano, rionegrense e trabalha em Curitiba
segunda-feira, 17 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - Afinação de viola
Histórias do Paraná - Afinação de viola
Afinação de viola
Sérgio A. Leoni
O "Cerco da Lapa", que passou para a história do Brasil como "o mais importante episódio, dentro de uma das mais sangrentas revoluções latino-americanas", trouxe como conseqüência uma série de acontecimentos registrados por diversos autores, através da vastíssima bibliografia sobre o tema.
Na descrição da vida honrada do erudito e humanitário médico lapeano Dr. Manoel Pedro dos Santos Lima (1843-1898), há uma referência ao mesmo tempo pitoresca e grandiloqüente de sua personalidade.
Em 1894, durante os 26 dias que a cidade esteve sitiada pelos maragatos, ele permaneceu preso na Casa de Câmara e Cadeia, por ter grande prestígio e por fazer oposição à política estadual.
O Cel.
João Pacheco dos Santos Lima, heróico comandante do 13o Regimento de Cavalaria da Guarda Nacional, seu primo, diariamente estacionava diante das grades, em atitude acintosa, amolando uma faca, que presumidamente se destinava a degolar o preso parente, e que afinal não entrou em ação...
Passam os tempos.
João Pacheco adoece.
Estado grave.
Desesperador.
Familiares do doente pensam em chamar o Dr. Manoel
Pedro.
- Chamar o Dr. Manoel Pedro depois do que aconteceu? Não! Ele não virá!
- Se não vier, paciência, mas não custa tentar.
Quando o Dr. Manoel Pedro pôs o chapeu na cabeça e disse onde ia, sua esposa arregalou os olhos, exclamando:
- Você vai ver o João Pacheco depois do que aconteceu?
Manoel Pedro sorrindo ajun-
tou:
- Vou, sim.
Quem vai lá é o médico!
Foi e salvou o pretenso amolador de faca!...
Com a derrota dos maragatos e o restabelecimento do governo legal, foi nomeado para comandar a praça o coronel João Pacheco dos Santos Lima, que tivera papel destacado e heróico durante o cerco.
Do Gen. Everton Quadros, recebe então uma lista de pessoas que deveriam ser presas e que seriam provavelmente fuziladas, como o foram Felício Rato, Vila Nova e o major Amora, a quem pesavam graves acusações por delitos cometidos contra os pica-paus.
João Pacheco, diante dessas execuções sumárias, passa a avisar todos os homens da lista do que iria lhes acontecer, praticamente obrigando-os a fugir.
Seu procedimento chegou ao conhecimento do Gen. Quadros, comandante do 5o distrito, que por telegrama exigia a entrega dos presos, com a severa observação: "Não admito que esteja desta maneira impedindo a boa marcha dos serviços".
João Pacheco negou-se a cumprir aquela ordem e por isso foi dispensado do comando da praça da Lapa, sem o menor agradecimento pelos serviços que prestara gratuitamente.
Fora dispensado porque "impedia a boa marcha dos serviços" e com isso tantas vidas salvara, de cidadãos que não seriam julgados, mas assassinados!
Esses fatos contradizem o julgamento que poderia ser feito do Cel.
Pacheco, pelo seu procedimento em relação ao Dr. Manoel Pedro e de cujo conhecimento só podemos tirar uma conclusão:
foi uma autêntica "Afinação de Viola".*
Sérgio A. Leoni, ex-prefeito da Lapa
* "Afinar Viola": expressão antiga usada apenas na Lapa e que significa "fazer uma brincadeira"
Afinação de viola
Sérgio A. Leoni
O "Cerco da Lapa", que passou para a história do Brasil como "o mais importante episódio, dentro de uma das mais sangrentas revoluções latino-americanas", trouxe como conseqüência uma série de acontecimentos registrados por diversos autores, através da vastíssima bibliografia sobre o tema.
Na descrição da vida honrada do erudito e humanitário médico lapeano Dr. Manoel Pedro dos Santos Lima (1843-1898), há uma referência ao mesmo tempo pitoresca e grandiloqüente de sua personalidade.
Em 1894, durante os 26 dias que a cidade esteve sitiada pelos maragatos, ele permaneceu preso na Casa de Câmara e Cadeia, por ter grande prestígio e por fazer oposição à política estadual.
O Cel.
João Pacheco dos Santos Lima, heróico comandante do 13o Regimento de Cavalaria da Guarda Nacional, seu primo, diariamente estacionava diante das grades, em atitude acintosa, amolando uma faca, que presumidamente se destinava a degolar o preso parente, e que afinal não entrou em ação...
Passam os tempos.
João Pacheco adoece.
Estado grave.
Desesperador.
Familiares do doente pensam em chamar o Dr. Manoel
Pedro.
- Chamar o Dr. Manoel Pedro depois do que aconteceu? Não! Ele não virá!
- Se não vier, paciência, mas não custa tentar.
Quando o Dr. Manoel Pedro pôs o chapeu na cabeça e disse onde ia, sua esposa arregalou os olhos, exclamando:
- Você vai ver o João Pacheco depois do que aconteceu?
Manoel Pedro sorrindo ajun-
tou:
- Vou, sim.
Quem vai lá é o médico!
Foi e salvou o pretenso amolador de faca!...
Com a derrota dos maragatos e o restabelecimento do governo legal, foi nomeado para comandar a praça o coronel João Pacheco dos Santos Lima, que tivera papel destacado e heróico durante o cerco.
Do Gen. Everton Quadros, recebe então uma lista de pessoas que deveriam ser presas e que seriam provavelmente fuziladas, como o foram Felício Rato, Vila Nova e o major Amora, a quem pesavam graves acusações por delitos cometidos contra os pica-paus.
João Pacheco, diante dessas execuções sumárias, passa a avisar todos os homens da lista do que iria lhes acontecer, praticamente obrigando-os a fugir.
Seu procedimento chegou ao conhecimento do Gen. Quadros, comandante do 5o distrito, que por telegrama exigia a entrega dos presos, com a severa observação: "Não admito que esteja desta maneira impedindo a boa marcha dos serviços".
João Pacheco negou-se a cumprir aquela ordem e por isso foi dispensado do comando da praça da Lapa, sem o menor agradecimento pelos serviços que prestara gratuitamente.
Fora dispensado porque "impedia a boa marcha dos serviços" e com isso tantas vidas salvara, de cidadãos que não seriam julgados, mas assassinados!
Esses fatos contradizem o julgamento que poderia ser feito do Cel.
Pacheco, pelo seu procedimento em relação ao Dr. Manoel Pedro e de cujo conhecimento só podemos tirar uma conclusão:
foi uma autêntica "Afinação de Viola".*
Sérgio A. Leoni, ex-prefeito da Lapa
* "Afinar Viola": expressão antiga usada apenas na Lapa e que significa "fazer uma brincadeira"
domingo, 16 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - Cabeza de Vaca
Histórias do Paraná - Cabeza de Vaca
Cabeza de Vaca
Valêncio Xavier
Um dos primeiros homens brancos a pisar em território hoje paranaense, quarenta e um anos após o descobrimento do Brasil, foi o espanhol Alvar Cabeza de Vaca.
Antes dele, em 1520, o náufrago português Aleixo Garcia e o também português Pero Lobo passaram pelas nossas terras.
Ambos foram trucidados pelos índios.
Cabeza de Vaca escreveu um precioso relato sobre suas andanças e sobre os índios que aqui habitavam. A rota utilizada foi o milenar caminho de Peabiru — na língua indígena "caminho cujo percurso se iniciou"- utilizado pelos índios ligando o litoral brasileiro com o Peru.
Cabeza de Vaca foi nomeado Governador da Capitania do Prata pelo Rei da Espanha, com a missão de socorrer os habitantes de Buenos Aires e Assunção que passavam por dificuldades.
Pagou 8.000 ducados pela nomeação, em troca receberia 12 avos da renda da capitania.
Com duas naus, uma caravela, quatrocentos soldados e vinte e seis cavalos, Cabeza de Vaca desembarcou na Ilha de Santa Catarina, em março de 1541. Mandou parte de seus homens por mar para Buenos Aires e, em outubro, com duzentos e cinqüenta soldados, vinte e seis cavalos e "abrindo caminho por terra trabalhosa e desabitada" seguiu para o Paraguai pela rota de Peabiru.
Encontra os primitivos habitantes do Paraná "índios que comem carne humana tanto de índios seus inimigos, de cristãos, ou de seus próprios companheiros de tribo. São gente amiga, mas muito guerreira e vingativa." Cabeza de Vaca conta que os índios traziam o inimigo capturado para a aldeia, davam-lhe muita comida e lhe entregavam suas mulheres, tudo em meio a muita festa.
Quando já estava gordinho levavam-no para a praça paramentado com plumas - ainda não havia paetês -matavam-no num carnaval de sangue e faziam um belo churrasco que comiam com muito gosto.
Cabeza de Vaca punia seus homens que tratassem mal os índios e abusassem das índias.
Sua fama espalha-se e os índios ajudavam os espanhóis.
Além disso, os índios nunca tinham visto cavalos e tinham medo, por isso tratavam bem seus donos trazendo mantimentos.
Tanto que os dois padres da expedição resolveram ir na frente pegando a bóia para comer escondido.
Cabeza de Vaca deu um fim nos padrecos.
Cabeza de Vaca impressiona-se com nossos pinheiros: "tão grandes que quatro homens não podiam abraçar". Conta que os índios apreciavam muito a farinha do pinhão — alimento esquecido por nós.
Encan-tava-se com a algazarra dos macacos, que confundia com gatos subindo nos pinheiros, catando pinhão e jogando no chão para comer depois.
Sem poder subir, os espertos porcos do mato ficavam na sombra esperando os pinhõezinhos grátis.
Com muita dificuldade, abrindo caminho na selva, enfrentando tribos hostis e feras selvagens em seu caminho para Assunção, Cabeza de Vaca é o primeiro homem branco a contemplar a foz do Iguaçu.
Seu primeiro ato como governador ao chegar a Assunção é proibir a escravidão dos índios.
Ninguém gosta muito da idéia e logo que podem os espanhóis dão o golpe e prendem Cabeza de Vaca.
Escrevem ao Rei inventando mentiras e intrigas, Cabeza de Vaca é levado acorrentado à Espanha para responder um processo, do qual só se livrará anos depois.
Revoltados com o retorno da escravidão, os índios rebelam-se numa luta que durou três anos e quase acabou com Assunção, mas isso já é outra conversa.
Valêncio Xavier, escritor e historiador
Cabeza de Vaca
Valêncio Xavier
Um dos primeiros homens brancos a pisar em território hoje paranaense, quarenta e um anos após o descobrimento do Brasil, foi o espanhol Alvar Cabeza de Vaca.
Antes dele, em 1520, o náufrago português Aleixo Garcia e o também português Pero Lobo passaram pelas nossas terras.
Ambos foram trucidados pelos índios.
Cabeza de Vaca escreveu um precioso relato sobre suas andanças e sobre os índios que aqui habitavam. A rota utilizada foi o milenar caminho de Peabiru — na língua indígena "caminho cujo percurso se iniciou"- utilizado pelos índios ligando o litoral brasileiro com o Peru.
Cabeza de Vaca foi nomeado Governador da Capitania do Prata pelo Rei da Espanha, com a missão de socorrer os habitantes de Buenos Aires e Assunção que passavam por dificuldades.
Pagou 8.000 ducados pela nomeação, em troca receberia 12 avos da renda da capitania.
Com duas naus, uma caravela, quatrocentos soldados e vinte e seis cavalos, Cabeza de Vaca desembarcou na Ilha de Santa Catarina, em março de 1541. Mandou parte de seus homens por mar para Buenos Aires e, em outubro, com duzentos e cinqüenta soldados, vinte e seis cavalos e "abrindo caminho por terra trabalhosa e desabitada" seguiu para o Paraguai pela rota de Peabiru.
Encontra os primitivos habitantes do Paraná "índios que comem carne humana tanto de índios seus inimigos, de cristãos, ou de seus próprios companheiros de tribo. São gente amiga, mas muito guerreira e vingativa." Cabeza de Vaca conta que os índios traziam o inimigo capturado para a aldeia, davam-lhe muita comida e lhe entregavam suas mulheres, tudo em meio a muita festa.
Quando já estava gordinho levavam-no para a praça paramentado com plumas - ainda não havia paetês -matavam-no num carnaval de sangue e faziam um belo churrasco que comiam com muito gosto.
Cabeza de Vaca punia seus homens que tratassem mal os índios e abusassem das índias.
Sua fama espalha-se e os índios ajudavam os espanhóis.
Além disso, os índios nunca tinham visto cavalos e tinham medo, por isso tratavam bem seus donos trazendo mantimentos.
Tanto que os dois padres da expedição resolveram ir na frente pegando a bóia para comer escondido.
Cabeza de Vaca deu um fim nos padrecos.
Cabeza de Vaca impressiona-se com nossos pinheiros: "tão grandes que quatro homens não podiam abraçar". Conta que os índios apreciavam muito a farinha do pinhão — alimento esquecido por nós.
Encan-tava-se com a algazarra dos macacos, que confundia com gatos subindo nos pinheiros, catando pinhão e jogando no chão para comer depois.
Sem poder subir, os espertos porcos do mato ficavam na sombra esperando os pinhõezinhos grátis.
Com muita dificuldade, abrindo caminho na selva, enfrentando tribos hostis e feras selvagens em seu caminho para Assunção, Cabeza de Vaca é o primeiro homem branco a contemplar a foz do Iguaçu.
Seu primeiro ato como governador ao chegar a Assunção é proibir a escravidão dos índios.
Ninguém gosta muito da idéia e logo que podem os espanhóis dão o golpe e prendem Cabeza de Vaca.
Escrevem ao Rei inventando mentiras e intrigas, Cabeza de Vaca é levado acorrentado à Espanha para responder um processo, do qual só se livrará anos depois.
Revoltados com o retorno da escravidão, os índios rebelam-se numa luta que durou três anos e quase acabou com Assunção, mas isso já é outra conversa.
Valêncio Xavier, escritor e historiador
sábado, 15 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - As chácaras
Histórias do Paraná - As chácaras
As chácaras
Alzeli Bassetti
Na década de 50, aos domingos, várias famílias curitibanas reuniam parentes e amigos em chácaras aprazíveis, situadas em municípios circunvizinhos, que hoje são parte integrante da Região Metropolitana.
Mal a madrugada se esvaía, lá iam os convidados enfrentando estradas de acesso rudimentar, uma dificuldade logo esquecida ante a perspectiva de todo um dia de lazer integral.
As chácaras, à época, exerceram função social e pedagógica.
Porque propiciavam à garotada as primeiras noções de ecologia, através do contato direto com a natureza, na lida com animais, pomares, flores, lagos.
Este amálgama de lazer e cultura já prenunciava a integração, tanto da Grande Curitiba e da Região Metropolitana, como da faixa litorânea.
Em Piraquara, Walter e Margarida Dittrich eram anfitriões de familiares diretos e indiretos, uma fidalguia depois renovada com prazer por Zilda e Orlando - nora e filho do casal — que, mais tarde, transferiram para Antonina o sistemático encontro.
Em Morretes, a família Malucelli reunia os pioneiros da indústria paranaense e na área do comércio, eram os Prosdócimo que recepcionavam os Volpi, Bertoldi, Thá, Marcassa.
O casal Nelly e Roberto
Ozório de Almeida soube fazer de um sítio em Porto Amazonas uma extensão dos lares, congregando os Bettega, Fontana, Zanicotti, Iwersen e Bassetti.
Uma chácara de Tranquera, hoje Almirante Tamandaré, tinha "il sapore d’Itália". Os proprietários, Catarina Stocchero e Nanin Trevisan, juntamente com os três filhos adolescentes, eram exímios na arte de receber amigos, oferecendo um churrasco regado a vinho de padre, precedido por rodadas de "bocha" que, na verdade, serviam de antipasto ao número musical que se seguia.
Vozes afinadíssimas, carregadas de sentimento, se mesclavam para entoar cantigas legadas por tradição oral pelos antepassados.
Ante o olhar extasiado das crianças, iam pelos ares operetas, cançonetas e hinos, num coral que faria inveja aos ouvidos italianos.
A noite se avizinhava e a contragosto os convivas deixavam o local, ainda cantando e assoviando ao longo do trajeto de volta.
Foi nessa estufa modelar de sadia convivência humana e afeto que o maior contista atual do mundo, Dalton Trevisan, sedimentou seu caráter e acalentou suas idéias. Não admira, pois, que a verve literária lhe seja tão prolifera e humanista.
Alzeli Bassetti, escritora e poeta
As chácaras
Alzeli Bassetti
Na década de 50, aos domingos, várias famílias curitibanas reuniam parentes e amigos em chácaras aprazíveis, situadas em municípios circunvizinhos, que hoje são parte integrante da Região Metropolitana.
Mal a madrugada se esvaía, lá iam os convidados enfrentando estradas de acesso rudimentar, uma dificuldade logo esquecida ante a perspectiva de todo um dia de lazer integral.
As chácaras, à época, exerceram função social e pedagógica.
Porque propiciavam à garotada as primeiras noções de ecologia, através do contato direto com a natureza, na lida com animais, pomares, flores, lagos.
Este amálgama de lazer e cultura já prenunciava a integração, tanto da Grande Curitiba e da Região Metropolitana, como da faixa litorânea.
Em Piraquara, Walter e Margarida Dittrich eram anfitriões de familiares diretos e indiretos, uma fidalguia depois renovada com prazer por Zilda e Orlando - nora e filho do casal — que, mais tarde, transferiram para Antonina o sistemático encontro.
Em Morretes, a família Malucelli reunia os pioneiros da indústria paranaense e na área do comércio, eram os Prosdócimo que recepcionavam os Volpi, Bertoldi, Thá, Marcassa.
O casal Nelly e Roberto
Ozório de Almeida soube fazer de um sítio em Porto Amazonas uma extensão dos lares, congregando os Bettega, Fontana, Zanicotti, Iwersen e Bassetti.
Uma chácara de Tranquera, hoje Almirante Tamandaré, tinha "il sapore d’Itália". Os proprietários, Catarina Stocchero e Nanin Trevisan, juntamente com os três filhos adolescentes, eram exímios na arte de receber amigos, oferecendo um churrasco regado a vinho de padre, precedido por rodadas de "bocha" que, na verdade, serviam de antipasto ao número musical que se seguia.
Vozes afinadíssimas, carregadas de sentimento, se mesclavam para entoar cantigas legadas por tradição oral pelos antepassados.
Ante o olhar extasiado das crianças, iam pelos ares operetas, cançonetas e hinos, num coral que faria inveja aos ouvidos italianos.
A noite se avizinhava e a contragosto os convivas deixavam o local, ainda cantando e assoviando ao longo do trajeto de volta.
Foi nessa estufa modelar de sadia convivência humana e afeto que o maior contista atual do mundo, Dalton Trevisan, sedimentou seu caráter e acalentou suas idéias. Não admira, pois, que a verve literária lhe seja tão prolifera e humanista.
Alzeli Bassetti, escritora e poeta
sexta-feira, 14 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - A vingança do escríba
Histórias do Paraná - A vingança do escríba
A vingança do escríba
José Delphim
Procedente da cidade de Jacarezinho, onde residia e exercia a profissão de alfaiate, veio residir em Paranaguá o cidadão Jayme Camargo, que pela sua vivência na sociedade parnanguara acabou entrando na política, tendo sido eleito vereador e posteriormente presidente da Câmara Municipal de Paranaguá.
Após o término de seu mandato de vereador, e com o advento da Revolução de 1930, oportunidade em que foram fechadas todas as casas legislativas do país, continuou o citado cidadão a fazer política, tendo exercido o cargo de prefeito municipal interino, Juiz de Paz e delegado de polícia, cargos estes que o projetaram politicamente, tendo inclusive recebido a patente de coronel da Guarda Nacional.
Foi, também, eleito para o cargo de primeiro presidente do Centro de Comércio de Café de Paranaguá.
Com seu prestígio político em evidência, eram comuns suas viagens à capital do Estado.
Se hospedava no Grande Hotel Moderno, o melhor da época, onde era religiosamente visitado por um jornalista, profissional de "O Dia". O jornalista prestava ao coronel uma forma, algo desvirtuada, do que hoje se chama de "assessoria de imprensa". Em troca de colocar o coroneljayme Camargo na coluna social do jornal da capital, o jornalista era recompensado com uma ajuda pecuniária.
Assim, todas as vezes que ia a Curitiba o jornal fazia referência a sua pessoa, informando estar na capital o ilustre coronel Jayme Camargo, político atuante em Paranaguá e em todo o litoral paranaense, recebendo sempre o escríba o seu "jabaculê".
Os anos foram se passando até que um belo dia, sem que ninguém saiba porque, o coroneljayme Camargo negou-se a gratificar o nobre jornalista com a já tradicional ajuda pecuniária.
Ao receber a negativa de pagamento, só restou ao escriba apelar para a gozação.
Sabendo que o Coronel Jayme Camargo retornaria a Paranaguá no dia seguinte, não teve dúvida; na coluna social a ele reservada no matutino "O Dia", destacou a seguinte chamada: "Regressou hoje a Paranaguá Saígentojayme Camargo". Foi a vingança do escriba.
José Delphim, presidente do Clube Atlético Seleto de Paranaguá
A vingança do escríba
José Delphim
Procedente da cidade de Jacarezinho, onde residia e exercia a profissão de alfaiate, veio residir em Paranaguá o cidadão Jayme Camargo, que pela sua vivência na sociedade parnanguara acabou entrando na política, tendo sido eleito vereador e posteriormente presidente da Câmara Municipal de Paranaguá.
Após o término de seu mandato de vereador, e com o advento da Revolução de 1930, oportunidade em que foram fechadas todas as casas legislativas do país, continuou o citado cidadão a fazer política, tendo exercido o cargo de prefeito municipal interino, Juiz de Paz e delegado de polícia, cargos estes que o projetaram politicamente, tendo inclusive recebido a patente de coronel da Guarda Nacional.
Foi, também, eleito para o cargo de primeiro presidente do Centro de Comércio de Café de Paranaguá.
Com seu prestígio político em evidência, eram comuns suas viagens à capital do Estado.
Se hospedava no Grande Hotel Moderno, o melhor da época, onde era religiosamente visitado por um jornalista, profissional de "O Dia". O jornalista prestava ao coronel uma forma, algo desvirtuada, do que hoje se chama de "assessoria de imprensa". Em troca de colocar o coroneljayme Camargo na coluna social do jornal da capital, o jornalista era recompensado com uma ajuda pecuniária.
Assim, todas as vezes que ia a Curitiba o jornal fazia referência a sua pessoa, informando estar na capital o ilustre coronel Jayme Camargo, político atuante em Paranaguá e em todo o litoral paranaense, recebendo sempre o escríba o seu "jabaculê".
Os anos foram se passando até que um belo dia, sem que ninguém saiba porque, o coroneljayme Camargo negou-se a gratificar o nobre jornalista com a já tradicional ajuda pecuniária.
Ao receber a negativa de pagamento, só restou ao escriba apelar para a gozação.
Sabendo que o Coronel Jayme Camargo retornaria a Paranaguá no dia seguinte, não teve dúvida; na coluna social a ele reservada no matutino "O Dia", destacou a seguinte chamada: "Regressou hoje a Paranaguá Saígentojayme Camargo". Foi a vingança do escriba.
José Delphim, presidente do Clube Atlético Seleto de Paranaguá
quinta-feira, 13 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - Corpo fechado
Histórias do Paraná - Corpo fechado
Corpo fechado
Francisco Brito de Lacerda
Nhá Catira não perdia a missa de domingo.
Ajoelhada perto do altar das Dores, ela tinha o jeito de quem pede perdão por todas as fraquezas do mundo.
Terminada a missa das dez, as Filhas de Maria, alegrinhas, encontravam seus namorados na praça.
Logo se via a fila do Asilo, puxada pelas meninas enjeitadas, todas de guarda-pó riscadinho; seguiam-se bobas de várias idades, gengivas à mostra, atentas ao apito do trem, como se à espera da viagem sem destino.
Deixando a igreja pela sacris-tia, nhá Catira ia direto para casa (bem pertinho, era só atravessar a rua), onde havia um altar enfeitado com flores sem viço, tão feias que por bonitas passavam. O cheiro de espermacete mesclava-se à catinguenta água dos vasos.
No altar, uma Nossa Senhora, um São Benedito; ao lado deles, a santa de barro, tida como Santa Catarina. E o famoso São Jorge de madeira, grandinho, montado num cavalo de crina vermelha e rabo verde. O dragão que o santo enfrentava tinha cara de cachorro. (Não seria o próprio Pêro Botelho?)
Benzer berrugas e rezar novenas era com nhá Catira, que também tirava mau-olhado.
Alegre ela se punha, a ponto de esconder com a mão a banguela, quando Joaquim Casinha, tocando viola, pés no chão, cantava uma melodia que se unia direitinho a estes versos: "Eu sou um negrinho sério / De mim mesmo tenho pena / Ai, ai, ai! / Embora queira ser branco / O cabelo me condena / Ai, ai, ai!"
Paciência nhá Catira tinha, e muita, com o Josezinho de Nhá Inácia, que só sabia contar até quatro.
Uma vez, vindo do quintal, Josezinho deu com nhá Catira a par do altar.
Pediu-lhe a bênção, e foi dizendo:
- Quer saber de uma coisa, nhá Catira? Eu enforquei seu cachor-rinho no galho da pitangueira.
Mecê não podia continuar jogando comida fora! Cachorro não carece de comida...
Passando a mão pela cabeça do beócio, como quem agrada, a negra velha enfatizava:
- Que Deus te perdoe, Josezinho.
Cada um dá o que tem...
Sentada na beirada das camas, um galho de arruda detrás da orelha, ela também socorria os desenganados.
Ia soltando suas orações.
Quando a vida do desenganado se esvaía, era só baixar-lhe as pálpebras.
Aliada de São Jorge, a curandeira sabia de uma oração para fechar o corpo das pessoas ante os afazeres da vida.
Quando temiam ameaças de inimigos, os moços iam pedir a ajuda de nhá Catira.
Usando um xale escuro, de franjas, que dava destaque ao seu pixaim esbranquiçado, a mulher os recebia com afeição de mãe.
Olhando a chama da lamparina, mudava o tom de voz conforme o rumo da narrativa.
Se o cavalo de São Jorge marchava, ela reproduzia, com as unhas, na tampa da mesa, o ritmo de sua andadura.
Enquanto São Jorge batia na casa do Senhor, os nós dos dedos de sua aliada faziam pã-pã-pã na madeira.
De repente, parecia que São Jorge ia abrir a porta do céu...
Francisco Brito de Lacerda, advogado
Corpo fechado
Francisco Brito de Lacerda
Nhá Catira não perdia a missa de domingo.
Ajoelhada perto do altar das Dores, ela tinha o jeito de quem pede perdão por todas as fraquezas do mundo.
Terminada a missa das dez, as Filhas de Maria, alegrinhas, encontravam seus namorados na praça.
Logo se via a fila do Asilo, puxada pelas meninas enjeitadas, todas de guarda-pó riscadinho; seguiam-se bobas de várias idades, gengivas à mostra, atentas ao apito do trem, como se à espera da viagem sem destino.
Deixando a igreja pela sacris-tia, nhá Catira ia direto para casa (bem pertinho, era só atravessar a rua), onde havia um altar enfeitado com flores sem viço, tão feias que por bonitas passavam. O cheiro de espermacete mesclava-se à catinguenta água dos vasos.
No altar, uma Nossa Senhora, um São Benedito; ao lado deles, a santa de barro, tida como Santa Catarina. E o famoso São Jorge de madeira, grandinho, montado num cavalo de crina vermelha e rabo verde. O dragão que o santo enfrentava tinha cara de cachorro. (Não seria o próprio Pêro Botelho?)
Benzer berrugas e rezar novenas era com nhá Catira, que também tirava mau-olhado.
Alegre ela se punha, a ponto de esconder com a mão a banguela, quando Joaquim Casinha, tocando viola, pés no chão, cantava uma melodia que se unia direitinho a estes versos: "Eu sou um negrinho sério / De mim mesmo tenho pena / Ai, ai, ai! / Embora queira ser branco / O cabelo me condena / Ai, ai, ai!"
Paciência nhá Catira tinha, e muita, com o Josezinho de Nhá Inácia, que só sabia contar até quatro.
Uma vez, vindo do quintal, Josezinho deu com nhá Catira a par do altar.
Pediu-lhe a bênção, e foi dizendo:
- Quer saber de uma coisa, nhá Catira? Eu enforquei seu cachor-rinho no galho da pitangueira.
Mecê não podia continuar jogando comida fora! Cachorro não carece de comida...
Passando a mão pela cabeça do beócio, como quem agrada, a negra velha enfatizava:
- Que Deus te perdoe, Josezinho.
Cada um dá o que tem...
Sentada na beirada das camas, um galho de arruda detrás da orelha, ela também socorria os desenganados.
Ia soltando suas orações.
Quando a vida do desenganado se esvaía, era só baixar-lhe as pálpebras.
Aliada de São Jorge, a curandeira sabia de uma oração para fechar o corpo das pessoas ante os afazeres da vida.
Quando temiam ameaças de inimigos, os moços iam pedir a ajuda de nhá Catira.
Usando um xale escuro, de franjas, que dava destaque ao seu pixaim esbranquiçado, a mulher os recebia com afeição de mãe.
Olhando a chama da lamparina, mudava o tom de voz conforme o rumo da narrativa.
Se o cavalo de São Jorge marchava, ela reproduzia, com as unhas, na tampa da mesa, o ritmo de sua andadura.
Enquanto São Jorge batia na casa do Senhor, os nós dos dedos de sua aliada faziam pã-pã-pã na madeira.
De repente, parecia que São Jorge ia abrir a porta do céu...
Francisco Brito de Lacerda, advogado
quarta-feira, 12 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - O guardião do casamento
Histórias do Paraná - O guardião do casamento
O guardião do casamento
José Augusto Ribas Vedan
Conversando outro dia com o Procurador Túlio Vargas, emérito escritor paranaense, incentivou-me a contar o fato que passo a narrar.
Quando iniciante na advocacia, em Ibaiti, norte pioneiro do Estado, tinha escritório profissional com mais dois sócios.
Um dia, chegou um casal, cara virada, pouca conversa.
- Doutor, queremos nos separar, não dá mais.
- Tudo bem.
Vamos ver o que precisa.
Mas, antes, adverti-o, por dever profissional, das conseqüências de uma separação.
Trouxeram certidão de casamento? Tem filhos? Quantos? Bens?
- "Só os ‘tarecos’ de casa".
Riram.
Então vamos fazer a papelada!
Comecei a datilografar a petição, analisando documentos, coletando dados, número de filhos, pensão a ser fixada, como ia ser paga; guarda dos filhos e horário de visitas.
Estava definido! Não tinha
volta!
A porta ficara entreaberta e, repentinamente, entrou um cachorro, manso, ficou acomodado entre os pés do casal, que estava sentado à
frente da escrivaninha.
Levantei-me para tirá-lo dali.
O marido retrucou: - "E o Guarani, é meu!"
Ela, imediatamente, dobrando o tom da voz: - "Não, é meu!"
Estava armada a polêmica.
Todo o acordo foi por terra, pela disputa sobre quem seria o verdadeiro dono do Guarani.
Levantaram-se, afastaram-se um do outro, com olhares possessivos.
Pediram os documentos de volta e saíram discutindo a propriedade do Guarani.
Não tive conhecimento de que houvessem contratado outro advogado, também não os vi no Fórum, não fiquei sabendo se houvera a separação.
O Guarani, acidentalmente, salvou este casamento.
Passado algum tempo, encontrei o casal na rua.
Acompanhando-o estava o guardião daquele lar não desfeito, graças a sua oportuna "intervenção".
José Augusto Ribas Vedan, advogado
O guardião do casamento
José Augusto Ribas Vedan
Conversando outro dia com o Procurador Túlio Vargas, emérito escritor paranaense, incentivou-me a contar o fato que passo a narrar.
Quando iniciante na advocacia, em Ibaiti, norte pioneiro do Estado, tinha escritório profissional com mais dois sócios.
Um dia, chegou um casal, cara virada, pouca conversa.
- Doutor, queremos nos separar, não dá mais.
- Tudo bem.
Vamos ver o que precisa.
Mas, antes, adverti-o, por dever profissional, das conseqüências de uma separação.
Trouxeram certidão de casamento? Tem filhos? Quantos? Bens?
- "Só os ‘tarecos’ de casa".
Riram.
Então vamos fazer a papelada!
Comecei a datilografar a petição, analisando documentos, coletando dados, número de filhos, pensão a ser fixada, como ia ser paga; guarda dos filhos e horário de visitas.
Estava definido! Não tinha
volta!
A porta ficara entreaberta e, repentinamente, entrou um cachorro, manso, ficou acomodado entre os pés do casal, que estava sentado à
frente da escrivaninha.
Levantei-me para tirá-lo dali.
O marido retrucou: - "E o Guarani, é meu!"
Ela, imediatamente, dobrando o tom da voz: - "Não, é meu!"
Estava armada a polêmica.
Todo o acordo foi por terra, pela disputa sobre quem seria o verdadeiro dono do Guarani.
Levantaram-se, afastaram-se um do outro, com olhares possessivos.
Pediram os documentos de volta e saíram discutindo a propriedade do Guarani.
Não tive conhecimento de que houvessem contratado outro advogado, também não os vi no Fórum, não fiquei sabendo se houvera a separação.
O Guarani, acidentalmente, salvou este casamento.
Passado algum tempo, encontrei o casal na rua.
Acompanhando-o estava o guardião daquele lar não desfeito, graças a sua oportuna "intervenção".
José Augusto Ribas Vedan, advogado
terça-feira, 11 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - Defunto por instantes
Histórias do Paraná - Defunto por instantes
Defunto por instantes
Mário Elmir Berti
Filho de pai marceneiro, que por força das circunstâncias atendia famílias que tinha seus entes queridos falecidos,
na então pacata São José dos Pinhais, durante meus 45 anos de vida, assisti meus pais passarem de fábrica de móveis
à funerária e presenciei muitos casos curiosos envolvendo ataúdes funerários e os defuntos propriamente ditos.
Um, no entanto, nos calou mais profundamente, pela curiosidade e até pelo pânico causado num desafortunado transeunte.
Era o ano de 1965, quando , graças ao bom trabalho do prefeito da época, se resolveu calçar a rua 15 de Novembro.
Fato inédita Primeira rua da cidade a receber calçamento de paralelepípedo.
Época de Natal, a família estava reunida em frente à nossa funerária, que por sinal também servia de residência.
Nas duas salas da frente, exposição de ataúdes e coroas de flores artificiais, que na época se costumava deixar
penduradas para apreciação dos prováveis clientes.
Também se usava manter os ataúdes em prateleiras e alguns em pé, o que dava, convenhamos, um ar bastante lúgubre ao local.
Não raro, as pessoas atravessavam a rua para não passar pela nossa calçada.
Para nós, entretanto, que nascemos no meio praticamente de uma funerária, esse ambiente e sua curiosa decoração
eram a coisa mais natural do mundo.
Um sujeito pedalava sua bicicleta, com um frango assado preso ao porta-bagagem, desviando habilmente as pedras
do calçamento em construção, na rua mal iluminada.
Ao passar em frente de nossa casa, porém, o pneu dianteiro de sua "magrela" encontrou uma pedra um pouco maior,
fazendo com que o desafortunado rapaz tombasse, batendo de leve com a cabeça no chão.
Ato contínuo, corremos eu e meus irmãos para socorrer o acidentado.
Ele estava meio desacordado.
Meus irmãos, mais velhos e fortes, ergueram-no pelos braços, minha mãe prontamente correu a buscar uma cadeira e,
procurando a melhor iluminação, o colocou despropositada-mente bem no meio da sala, entre os ataúdes e as coroas de flores.
Ali o rapaz foi sentado, ainda meio sem sentidos.
Um gole de café forte, trazido por minha mãe, foi jogado meio a contragosto goela abaixo do rapaz, reanimando-o um pouco.
Ele abriu os olhos, olhou em volta os caixões e adereços fúnebres, arregalou ainda mais os olhos num misto de espanto
e terror, começou a ter espasmos e deu um urro tremendo que foi ouvido em todo o quarteirão.
Ato contínuo, levantou como pode e saiu em disparada porta afora, apanhou a bicicleta e largou-se a pedalar de qualquer jeito,
sem pronunciar um único agradecimento.
Nunca soubemos o nome do desafortunado, que jamais ousou sequer passar novamente em frente da funerária.
Pelo terror que tinha estampado no seu rosto, não será de estranhar se o "mal agradecido" estiver pedalando até hoje...
Mário Elmir Berti, contabilista em São José dos Pinhais
Defunto por instantes
Mário Elmir Berti
Filho de pai marceneiro, que por força das circunstâncias atendia famílias que tinha seus entes queridos falecidos,
na então pacata São José dos Pinhais, durante meus 45 anos de vida, assisti meus pais passarem de fábrica de móveis
à funerária e presenciei muitos casos curiosos envolvendo ataúdes funerários e os defuntos propriamente ditos.
Um, no entanto, nos calou mais profundamente, pela curiosidade e até pelo pânico causado num desafortunado transeunte.
Era o ano de 1965, quando , graças ao bom trabalho do prefeito da época, se resolveu calçar a rua 15 de Novembro.
Fato inédita Primeira rua da cidade a receber calçamento de paralelepípedo.
Época de Natal, a família estava reunida em frente à nossa funerária, que por sinal também servia de residência.
Nas duas salas da frente, exposição de ataúdes e coroas de flores artificiais, que na época se costumava deixar
penduradas para apreciação dos prováveis clientes.
Também se usava manter os ataúdes em prateleiras e alguns em pé, o que dava, convenhamos, um ar bastante lúgubre ao local.
Não raro, as pessoas atravessavam a rua para não passar pela nossa calçada.
Para nós, entretanto, que nascemos no meio praticamente de uma funerária, esse ambiente e sua curiosa decoração
eram a coisa mais natural do mundo.
Um sujeito pedalava sua bicicleta, com um frango assado preso ao porta-bagagem, desviando habilmente as pedras
do calçamento em construção, na rua mal iluminada.
Ao passar em frente de nossa casa, porém, o pneu dianteiro de sua "magrela" encontrou uma pedra um pouco maior,
fazendo com que o desafortunado rapaz tombasse, batendo de leve com a cabeça no chão.
Ato contínuo, corremos eu e meus irmãos para socorrer o acidentado.
Ele estava meio desacordado.
Meus irmãos, mais velhos e fortes, ergueram-no pelos braços, minha mãe prontamente correu a buscar uma cadeira e,
procurando a melhor iluminação, o colocou despropositada-mente bem no meio da sala, entre os ataúdes e as coroas de flores.
Ali o rapaz foi sentado, ainda meio sem sentidos.
Um gole de café forte, trazido por minha mãe, foi jogado meio a contragosto goela abaixo do rapaz, reanimando-o um pouco.
Ele abriu os olhos, olhou em volta os caixões e adereços fúnebres, arregalou ainda mais os olhos num misto de espanto
e terror, começou a ter espasmos e deu um urro tremendo que foi ouvido em todo o quarteirão.
Ato contínuo, levantou como pode e saiu em disparada porta afora, apanhou a bicicleta e largou-se a pedalar de qualquer jeito,
sem pronunciar um único agradecimento.
Nunca soubemos o nome do desafortunado, que jamais ousou sequer passar novamente em frente da funerária.
Pelo terror que tinha estampado no seu rosto, não será de estranhar se o "mal agradecido" estiver pedalando até hoje...
Mário Elmir Berti, contabilista em São José dos Pinhais
segunda-feira, 10 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - Audentes Fortuna Juvat
Histórias do Paraná - Audentes Fortuna Juvat
"Audentes Fortuna Juvat."
Mariah do Carmo e Silva Dantas
A Universidade Federal do Paraná, fundada em 19 de dezembro de 1912, fecundou numa época difícil.
O ensino superior no País era regimentado pelo monopólio por parte do Governo Federal.
Argumentos foi o que não faltou para desarmar os "Audentes". Mas eles perseveraram.
Na época, até o senso demográfico entrou no páreo.
Leis Federais sustentavam a rigidez do sistema. A Lei Carlos Maximiliano - extremamente austera — suprimiu o ensino no País.
Porém a Lei Dr. Rivadávia Corrêa foi maleável, facilitava a vida das Instituições que tivessem a competência e possibilidade econômica para funcionamento.
Exigia depósitos, finanças, acervo acumulado, biblioteca com um número mínimo ("elevado") de livros didáticos, científicos e outras ordens, como por exemplo, o fator populacional.
Dizia: Qualquer figura podia fundar e fazer crescer uma Universidade, desde que houvesse capital, professores, alunos e ânimo para tais realizações.
Precisava-se demonstrar que Curitiba possuía cem mil habitantes.
Todos os alunos da Universidade, nos tempos livres, jogavam-se ao recenseamento.
Malgrado as duplicações e as fantásticas e fictícias adesões, Curitiba não conseguia sequer
chegar aos setenta mil habitantes.
Agora, APLAUSOS DE PÉ! Os Catedráticos Pioneiros, fazendo também seu papel, dando uma aparência de um volume de renda (ou receita) que na realidade não existia, dezenas de professores assinaram RECIBOS POR ORDENADOS QUE NÃO RECEBIAM, mas que apareciam como saída de caixa todos os meses.
Estaríamos vencidos, e os próprios Grandes Fundadores teriam baqueado, se o Dr. João Ribeiro de Macedo Filho não viesse com seu entusiasmo, e a sua eficiência jurídica e o seu exímio conhecimento das amarras burocráticas do nosso País.
Isso talvez explique o sonho do Dr. Rocha Pombo ter outrora sossobrado, quando lançou pedra fundamental da Universidade no terreno doado pela Prefeitura, onde é hoje a Praça Ouvidor Pardinho. O empecilho estava na esfera federal!
A astúcia dos Fundadores em separar pró forma as Faculdades, estas continuando a existir "isoladas legalmente" como Federação das Faculdades Superiores do Paraná, sob um único Reitor e num só prédio, que era de propriedade de todos, contribuiu para o reconhecimento integral da Instituição.
Coisa que veio acontecer muito mais tarde, depois de serem reconhecidas uma a uma pelo Governo Federal.
Com todo este arsenal, o mote "AUDENTES FORTUNA JUVAT" (isto é, os que ousam - e não os audazes) souberam ser mais fortes que o gigante.
Roubaram a cena dos verbos, quaisquer que eles fossem.
Até o nome da Universidade é original.
Para os idealizadores, o nome assustou, à princípio, porque era o Universo.
Porém permaneceu.
Mariah do Carmo e Silva Dantas, dona de casa
OBS: Do Latim:
Audentes = confiante;
Fortuna = sorte, fortuna;
Juvat = designs, projetos;
"Audentes Fortuna Juvat."
Mariah do Carmo e Silva Dantas
A Universidade Federal do Paraná, fundada em 19 de dezembro de 1912, fecundou numa época difícil.
O ensino superior no País era regimentado pelo monopólio por parte do Governo Federal.
Argumentos foi o que não faltou para desarmar os "Audentes". Mas eles perseveraram.
Na época, até o senso demográfico entrou no páreo.
Leis Federais sustentavam a rigidez do sistema. A Lei Carlos Maximiliano - extremamente austera — suprimiu o ensino no País.
Porém a Lei Dr. Rivadávia Corrêa foi maleável, facilitava a vida das Instituições que tivessem a competência e possibilidade econômica para funcionamento.
Exigia depósitos, finanças, acervo acumulado, biblioteca com um número mínimo ("elevado") de livros didáticos, científicos e outras ordens, como por exemplo, o fator populacional.
Dizia: Qualquer figura podia fundar e fazer crescer uma Universidade, desde que houvesse capital, professores, alunos e ânimo para tais realizações.
Precisava-se demonstrar que Curitiba possuía cem mil habitantes.
Todos os alunos da Universidade, nos tempos livres, jogavam-se ao recenseamento.
Malgrado as duplicações e as fantásticas e fictícias adesões, Curitiba não conseguia sequer
chegar aos setenta mil habitantes.
Agora, APLAUSOS DE PÉ! Os Catedráticos Pioneiros, fazendo também seu papel, dando uma aparência de um volume de renda (ou receita) que na realidade não existia, dezenas de professores assinaram RECIBOS POR ORDENADOS QUE NÃO RECEBIAM, mas que apareciam como saída de caixa todos os meses.
Estaríamos vencidos, e os próprios Grandes Fundadores teriam baqueado, se o Dr. João Ribeiro de Macedo Filho não viesse com seu entusiasmo, e a sua eficiência jurídica e o seu exímio conhecimento das amarras burocráticas do nosso País.
Isso talvez explique o sonho do Dr. Rocha Pombo ter outrora sossobrado, quando lançou pedra fundamental da Universidade no terreno doado pela Prefeitura, onde é hoje a Praça Ouvidor Pardinho. O empecilho estava na esfera federal!
A astúcia dos Fundadores em separar pró forma as Faculdades, estas continuando a existir "isoladas legalmente" como Federação das Faculdades Superiores do Paraná, sob um único Reitor e num só prédio, que era de propriedade de todos, contribuiu para o reconhecimento integral da Instituição.
Coisa que veio acontecer muito mais tarde, depois de serem reconhecidas uma a uma pelo Governo Federal.
Com todo este arsenal, o mote "AUDENTES FORTUNA JUVAT" (isto é, os que ousam - e não os audazes) souberam ser mais fortes que o gigante.
Roubaram a cena dos verbos, quaisquer que eles fossem.
Até o nome da Universidade é original.
Para os idealizadores, o nome assustou, à princípio, porque era o Universo.
Porém permaneceu.
Mariah do Carmo e Silva Dantas, dona de casa
OBS: Do Latim:
Audentes = confiante;
Fortuna = sorte, fortuna;
Juvat = designs, projetos;
domingo, 9 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - A Fazenda Cambiju
Histórias do Paraná - A Fazenda Cambiju
A Fazenda Cambiju
Guísela V. Frey Chamma
Os Campos Gerais, que encantam todos pelas verdes colinas que se estendem no segundo Planalto do Paraná, foram atravessados por Jesuítas e bandeirantes, no século XVIII.
Mais tarde, paulistas instalaram ali, em vários pontos, grandes fazendas de criação de gado, nas sesmarias recebidas do Govemo da Metrópole.
Uma dessas fazendas, construída na sesmaria de José Góis de Morais, entre os arenitos de Vila Velha e o rio Tibagi, foi chamada de Cambiju, que quer dizer Campo Bonito.
Seu proprietário, Domingos Teixeira de Azevedo, havia herdado as terras do seu antigo dono.
Ali vivia com sua mulher Ana Siqueira de Mendonça e onze filhos, dez dos quais seguiriam, tempos depois, a vida religiosa.
Nesta fazenda se criava gado bovino para ser vendido nas feiras de Sorocaba.
Um pequeno número de escravos e alguns empregados brancos aí trabalhavam.
Domingos Teixeira de Azevedo era temido por todos em virtude de seu temperamento violento.
Numa ocasião, quando castigava um escravo, rapaz forte, de pele escura, com as mãos amarradas atrás das costas e uma orelha pregada no tronco de uma velha árvore cortada a um metro do solo, este libertou as mãos e, arrancando-se do tronco, avançou contra o fazendeiro, tirando-lhe a faca que o mesmo trazia no cinto, golpeou-o profundamente no ventre, e em seguida fugiu.
O fazendeiro, com a barriga perfurada, gritou e foi socorrido pelos agregados, e as mulheres, obedecendo suas ordens, rasgaram panos e envolveram fortemente o ferimento, em seguida o puseram em cima de um cavalo e, mesmo gemendo de dor, foi em perseguição do escravo, que não foi mais encontrado.
Provavelmente havia se escondido entre as pedras de Vila Velha, onde havia um reduto de negros fugidos das fazendas vizinhas.
Ao voltar, Domingos Teixeira de Azevedo ardia em febre.
Foi para a cama e, dois dias depois, falecia.
Sua mulher, cumprindo sua vontade, levou o corpo e sepultou-o junto ao Oratório de Santa Bárbara do Pitangüí, construído pelos Jesuítas que por aí haviam passado.
Sobre o Oratório mandou construir uma Capela de estuque.
Ao lado passou a existir um cemitério, e mais tarde ali funcionou um Cartório Distrital.
Tudo indica que neste local se formaria um povoado, mas os moradores que começavam a vir, preferiram instalar-se junto ao caminho das tropas que distava alguns quilômetros.
Ponta Grossa, que deveria ser fundada junto à Capela de Santa Bárbara do Pitangüí, acabou nascendo junto a um caminho que passava pelos Campos Gerais.
Guísela V Frey Chamma, historiadora e professora titular da Universidade Estadual de Ponta Grossa
A Fazenda Cambiju
Guísela V. Frey Chamma
Os Campos Gerais, que encantam todos pelas verdes colinas que se estendem no segundo Planalto do Paraná, foram atravessados por Jesuítas e bandeirantes, no século XVIII.
Mais tarde, paulistas instalaram ali, em vários pontos, grandes fazendas de criação de gado, nas sesmarias recebidas do Govemo da Metrópole.
Uma dessas fazendas, construída na sesmaria de José Góis de Morais, entre os arenitos de Vila Velha e o rio Tibagi, foi chamada de Cambiju, que quer dizer Campo Bonito.
Seu proprietário, Domingos Teixeira de Azevedo, havia herdado as terras do seu antigo dono.
Ali vivia com sua mulher Ana Siqueira de Mendonça e onze filhos, dez dos quais seguiriam, tempos depois, a vida religiosa.
Nesta fazenda se criava gado bovino para ser vendido nas feiras de Sorocaba.
Um pequeno número de escravos e alguns empregados brancos aí trabalhavam.
Domingos Teixeira de Azevedo era temido por todos em virtude de seu temperamento violento.
Numa ocasião, quando castigava um escravo, rapaz forte, de pele escura, com as mãos amarradas atrás das costas e uma orelha pregada no tronco de uma velha árvore cortada a um metro do solo, este libertou as mãos e, arrancando-se do tronco, avançou contra o fazendeiro, tirando-lhe a faca que o mesmo trazia no cinto, golpeou-o profundamente no ventre, e em seguida fugiu.
O fazendeiro, com a barriga perfurada, gritou e foi socorrido pelos agregados, e as mulheres, obedecendo suas ordens, rasgaram panos e envolveram fortemente o ferimento, em seguida o puseram em cima de um cavalo e, mesmo gemendo de dor, foi em perseguição do escravo, que não foi mais encontrado.
Provavelmente havia se escondido entre as pedras de Vila Velha, onde havia um reduto de negros fugidos das fazendas vizinhas.
Ao voltar, Domingos Teixeira de Azevedo ardia em febre.
Foi para a cama e, dois dias depois, falecia.
Sua mulher, cumprindo sua vontade, levou o corpo e sepultou-o junto ao Oratório de Santa Bárbara do Pitangüí, construído pelos Jesuítas que por aí haviam passado.
Sobre o Oratório mandou construir uma Capela de estuque.
Ao lado passou a existir um cemitério, e mais tarde ali funcionou um Cartório Distrital.
Tudo indica que neste local se formaria um povoado, mas os moradores que começavam a vir, preferiram instalar-se junto ao caminho das tropas que distava alguns quilômetros.
Ponta Grossa, que deveria ser fundada junto à Capela de Santa Bárbara do Pitangüí, acabou nascendo junto a um caminho que passava pelos Campos Gerais.
Guísela V Frey Chamma, historiadora e professora titular da Universidade Estadual de Ponta Grossa
sábado, 8 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - Pedro Aloys Scherer
Histórias do Paraná - Pedro Aloys Scherer
Pedro Aloys Scherer
Murilo Walter Teixeira
Este cidadão, oriundo do grupamento que o Dr. Faivre arrebanhou na Europa a fim de promover uma colonização nas proximidades do rio Ivaí, apresentou um comportamento deslumbrante, contribuindo com seu arguto conhecimento para o desenvolvimento da então florescente Vila de Guarapuava, enquanto aí permaneceu.
Desgarrado daquele empreendimento, participou em diversas expedições pelos rios Tibagi, Uruguai, Paraná e Ivaí, até engajar-se na corporação militar de então, atuando como Tenente Cirurgião do 7o Batalhão de Infantaria como auxiliar de Manoel Marcondes de Sá, no serviço de abertura da estrada para Corrientes, partindo da então Vila de Guarapuava.
Diversas funções desempenhou nesse povoado: no magistério, com aulas de música; Promotoria Pública, Curador de Órfãos, Cartógrafo (confeccionou planta da vila e campos de Guarapuava), culminando com o trabalho de secretário da Câmara, de 1864 a 1876, quando então solicitou seu afastamento, transferindo-se para Curitiba.
Por certo, suas qualificações levaram-no a colaborar com o Engenheiro Rebouças, obtendo mais tarde (1872) concessão para construir a estrada de ferro entre as cidades de Paranaguá e Morretes.
Foi um dos propulsores dessa façanha.
Faleceu em 1875.
No volume XXV do arquivo histórico de Benjamin C. Teixeira, encontra-se um curioso requerimento ao vigário geral no seguinte teor:
"Diz, Maria Joaquina Scherer, viúva do finado Pedro Aloys Scherer, que tendo sido enterrado no cemitério da cidade de Guarapuava, há
15 anos, seu filho Leopoldo, vem pedir a V. S. Revma., licença para remover os restos mortais do referido seu filho para o cemitério desta Capital.
Curitiba, 25 de maio de 1882."
Há citações de que doou seu salário para promoções sociais da povoação, bem como para colaborar com o Governo na Guerra do Paraguai.
No Rol dos habitantes da desobriga quaresmal da Paróquia da Vila de Guarapuava, feita pelo vigário Antônio Braga de Araújo no ano de 1853, está inscrito seu nome, destacando a idade de 30 anos, e sua mulher Maria Joaquina com a idade de 15 anos, além de seu filho menor Leopoldo.
Ao assinar em 15 de janeiro de 1861 termo de declaração de naturalização, disse ser natural de Versailles — França, professar a religião Católica, ser casado com brasileira, ter 3 filhos nascidos na Vila de Guarapuava e ser colono com propriedade na Colônia Teresa.
Surpreende-nos, quando deparamos com biografias semelhantes a esta, por apresentar um desprendimento, valentia e audácia do autor em abandonar toda sua cultura, família e até, talvez, um bom emprego para se alojar em lugares desconhecidos, ermos, selvagens, contribuindo para o seu desenvolvimento.
Murilo Walter Teixeira, dentista em Guarapuava
Pedro Aloys Scherer
Murilo Walter Teixeira
Este cidadão, oriundo do grupamento que o Dr. Faivre arrebanhou na Europa a fim de promover uma colonização nas proximidades do rio Ivaí, apresentou um comportamento deslumbrante, contribuindo com seu arguto conhecimento para o desenvolvimento da então florescente Vila de Guarapuava, enquanto aí permaneceu.
Desgarrado daquele empreendimento, participou em diversas expedições pelos rios Tibagi, Uruguai, Paraná e Ivaí, até engajar-se na corporação militar de então, atuando como Tenente Cirurgião do 7o Batalhão de Infantaria como auxiliar de Manoel Marcondes de Sá, no serviço de abertura da estrada para Corrientes, partindo da então Vila de Guarapuava.
Diversas funções desempenhou nesse povoado: no magistério, com aulas de música; Promotoria Pública, Curador de Órfãos, Cartógrafo (confeccionou planta da vila e campos de Guarapuava), culminando com o trabalho de secretário da Câmara, de 1864 a 1876, quando então solicitou seu afastamento, transferindo-se para Curitiba.
Por certo, suas qualificações levaram-no a colaborar com o Engenheiro Rebouças, obtendo mais tarde (1872) concessão para construir a estrada de ferro entre as cidades de Paranaguá e Morretes.
Foi um dos propulsores dessa façanha.
Faleceu em 1875.
No volume XXV do arquivo histórico de Benjamin C. Teixeira, encontra-se um curioso requerimento ao vigário geral no seguinte teor:
"Diz, Maria Joaquina Scherer, viúva do finado Pedro Aloys Scherer, que tendo sido enterrado no cemitério da cidade de Guarapuava, há
15 anos, seu filho Leopoldo, vem pedir a V. S. Revma., licença para remover os restos mortais do referido seu filho para o cemitério desta Capital.
Curitiba, 25 de maio de 1882."
Há citações de que doou seu salário para promoções sociais da povoação, bem como para colaborar com o Governo na Guerra do Paraguai.
No Rol dos habitantes da desobriga quaresmal da Paróquia da Vila de Guarapuava, feita pelo vigário Antônio Braga de Araújo no ano de 1853, está inscrito seu nome, destacando a idade de 30 anos, e sua mulher Maria Joaquina com a idade de 15 anos, além de seu filho menor Leopoldo.
Ao assinar em 15 de janeiro de 1861 termo de declaração de naturalização, disse ser natural de Versailles — França, professar a religião Católica, ser casado com brasileira, ter 3 filhos nascidos na Vila de Guarapuava e ser colono com propriedade na Colônia Teresa.
Surpreende-nos, quando deparamos com biografias semelhantes a esta, por apresentar um desprendimento, valentia e audácia do autor em abandonar toda sua cultura, família e até, talvez, um bom emprego para se alojar em lugares desconhecidos, ermos, selvagens, contribuindo para o seu desenvolvimento.
Murilo Walter Teixeira, dentista em Guarapuava
sexta-feira, 7 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - Será o Benedito?
Histórias do Paraná - Será o Benedito?
Será o Benedito?
Benedicto Bueno
De um preto que azulava aos reflexos da luz, era o próprio Bendito.
Vistoso, espadaúdo, um Apoio de ébano.
A tanto garbo e pompa, acresça-se: - o nosso Bené não tinha pendor algum para o trabalho.
Simplesmente o abjurava.
Jamais soube o que fosse um "bon vivant", mas foi o melhor dentre todos.
Uma bóia filada aqui, uma fatiota abiscoitada mais adiante, e assim caminhava o nosso pretinho, despreocupado.
Quando o doce "farniente" da Lapa minguava, o Dito sumia da cidade.
Tempos empós, ei-lo de volta: - roupas novas, sapatos de verniz bico fino e, às vezes, até uma gravata de cores incríveis, ressaltando o inefável de sua feiurice.
Tais paramentos, havidos sabe Deus onde, eram usados, sem revezamento, até que os sapatos rompessem, a camisa puísse, o ter-ninho roto se tornasse. O negro ficava um andrajo só, mas não perdia a pose.
Continuava hilário, azul, apolíneo e despreocupado.
- Seria o Benedito um guri abandonado, criado na rua?
- Não.
Era um dos muitos filhos de nhá Jesus e nhô Migué. Fosse trabalhador, como o pai, e teria sido, no mínimo, excelente jardineiro.
Enjoado de vigarices comuns, Benedito descobriu quão lucrativo o fingir-se de mudo.
Comeu e bebeu, algum tempo, por conta de tanto.
Nos ditos dourados anos cinqüenta, pari-passu às aventuras de nosso histrião, se alastrava, no sul, a fama de milagreiro de um menino chamado Wilmar.
Wilmar Schmidt.
Enquanto este fazia milagres, curava, devolvia o dom da fala, recuperava desenganados, o nosso Benedito, magistralmente, ocultava sua prodigiosa loquacidade em gestos e grunhidos de fazer dó.
Um dia, Bené cansou de sua mudez.
Recomeçou a falar, e falando estava na estação de Engenheiro Bley, a caminho da Lapa, quando um polaco, dele se aproximando, inda-gou:
- Você, por acaso, não é o mudo a quem, volta e meia, hospedo lá em casa?
- Acertou.
Em carne e osso, sim senhor.
- E como explica essa tagarelice toda?
- Ora! Meu amigo!... e o menino milagroso não vale nada?
Foi, do Bena, a última façanha.
Depois desta, nunca mais dele se teve notícia.
Pena! Uma grande pena! Pois, ainda que exornado de qualidades não mui ortodoxas, Benedito era um homem bom.
Benedicto Bueno, tabelião aposentado na Lapa
Será o Benedito?
Benedicto Bueno
De um preto que azulava aos reflexos da luz, era o próprio Bendito.
Vistoso, espadaúdo, um Apoio de ébano.
A tanto garbo e pompa, acresça-se: - o nosso Bené não tinha pendor algum para o trabalho.
Simplesmente o abjurava.
Jamais soube o que fosse um "bon vivant", mas foi o melhor dentre todos.
Uma bóia filada aqui, uma fatiota abiscoitada mais adiante, e assim caminhava o nosso pretinho, despreocupado.
Quando o doce "farniente" da Lapa minguava, o Dito sumia da cidade.
Tempos empós, ei-lo de volta: - roupas novas, sapatos de verniz bico fino e, às vezes, até uma gravata de cores incríveis, ressaltando o inefável de sua feiurice.
Tais paramentos, havidos sabe Deus onde, eram usados, sem revezamento, até que os sapatos rompessem, a camisa puísse, o ter-ninho roto se tornasse. O negro ficava um andrajo só, mas não perdia a pose.
Continuava hilário, azul, apolíneo e despreocupado.
- Seria o Benedito um guri abandonado, criado na rua?
- Não.
Era um dos muitos filhos de nhá Jesus e nhô Migué. Fosse trabalhador, como o pai, e teria sido, no mínimo, excelente jardineiro.
Enjoado de vigarices comuns, Benedito descobriu quão lucrativo o fingir-se de mudo.
Comeu e bebeu, algum tempo, por conta de tanto.
Nos ditos dourados anos cinqüenta, pari-passu às aventuras de nosso histrião, se alastrava, no sul, a fama de milagreiro de um menino chamado Wilmar.
Wilmar Schmidt.
Enquanto este fazia milagres, curava, devolvia o dom da fala, recuperava desenganados, o nosso Benedito, magistralmente, ocultava sua prodigiosa loquacidade em gestos e grunhidos de fazer dó.
Um dia, Bené cansou de sua mudez.
Recomeçou a falar, e falando estava na estação de Engenheiro Bley, a caminho da Lapa, quando um polaco, dele se aproximando, inda-gou:
- Você, por acaso, não é o mudo a quem, volta e meia, hospedo lá em casa?
- Acertou.
Em carne e osso, sim senhor.
- E como explica essa tagarelice toda?
- Ora! Meu amigo!... e o menino milagroso não vale nada?
Foi, do Bena, a última façanha.
Depois desta, nunca mais dele se teve notícia.
Pena! Uma grande pena! Pois, ainda que exornado de qualidades não mui ortodoxas, Benedito era um homem bom.
Benedicto Bueno, tabelião aposentado na Lapa
quinta-feira, 6 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - Seu Ribas
Histórias do Paraná - Seu Ribas
Seu Ribas
Lauro Grein Filho
Durante 13 anos, de 1932 a 1945, o Paraná foi governado pelo pontagrossense Manoel Ribas, a reinar soberano e único com os excepcionais poderes de um cargo e um regime que o tornavam senhor absoluto de todas as coisas.
Líder inato e inflexível, seu Ribas não limitava sua alçada aos problemas do governo, ampliando seu alcance sobre entidades e instituições, sociedades e organizações, clubes e fundações, tudo a evoluir segundo seus desejos, maneiras e critérios.
Ou não evoluíam.
Sem preocupação com o Legislativo ou Judiciário, contando com prefeitos de sua inteira confiança, escolha e nomeação, M.R. interferia, também nas administrações municipais, onde os titulares a nada se atreviam sem sua devida aquiescência e assentimento.
Ribas mandava por inteiro, no atacado e no varejo.
A imprensa, amordaçada pela ditadura, as rádios sob rígido controle e o DIP impondo o noticiário, mantinham e consolidavam uma estrutura impenetrável a quaisquer crítica e reparos, jamais ousados ou tolerados.
Com tal soma de poderes, é fácil imaginar o quanto S. Excia era festejado, cortejado, incensado. A sua presença os homens se perturbavam, se atemorizavam, calando as opiniões e apagando a personalidade.
Não tive idade nem credenciais para maiores diálogos com esse interventor polêmico e singular.
Mas como cronista de turfe no Guabirotuba (1940-1943) e no início de carreira em Castro (1945), locais onde sua presença era habitual, costumava curiosamente medi-lo e observá-lo. A ele e aos outros.
No velho hipódromo depois do Asilo, sua chegada lá pelas 4 da tarde representava o acontecimento máximo da reunião, alternando em instantes todo o desenrolar do programa.
Os páreos e os cavalos eram, imediatamente relegados a um segundo plano, minimizados pelas reverências ao Interventor, alvo maior dos aficcionados a disputar proximidades e achegos, na tribuna de honra.
E, nessas horas, S. Excia.
Parecia acessível e até amável, ao embalo das vitórias do Com Ochos, seu brioso cavalo mouro, filho de Contento em Paca, ou do castanho Cistil que corria em nome de Dona Anita.
O anedotário sobre Manoel Ribas, caracterizando-o no seu desapreço pelas formas convencionais, é imenso, variado e contraditório. A história o registra como um governador operoso, honrado e trabalhador.
Em sua gestão o Paraná cresceu sob múltiplos aspectos, desbravando o norte com a estrada do Cerne, desenvolvendo a agricultura e a pecuária, incentivando o parque industrial, atendendo a educação, a saúde e a assistência social.
Era proverbial o seu desvelo para com a infância.
Nesse afã criou o "Preventório Infantil Manoel Ribas", destinado a filhos de tuberculosos, estabelecimento que dirigi de 1945 a 1960. Ao assumir, a irmã Madalena, superiora, me preveniu sobre uma norma da Casa determinada pessoalmente pelo Interventor: - "Toda a criança que aqui chegar sem registro ou identificação, deverá receber meu sobrenome - Ribas" Havia muitos Ribas no Preventório.
De seus auxiliares e assessores exigia o máximo, cobrando eventuais falhas com severas reprimendas e despachando-os com uma expressão clássica: - "vais te reabilitar". Em
1945, após deixar o governo, ainda participou da campanha e eleição de Eurico Gaspar Dutra em 2 de novembro, falecendo em princípio do ano seguinte, antes de completar 73 anos.
Manoel Ribas é uma biografia que não pode faltar nas estantes paranistas.
Sua vida, suas realizações, sua personalidade, tudo o que foi e representou em mais de uma década de poderio e ditadura, mesclam-se intimamente com a própria história paranaense.
Uma história que deve ser contada.
Lauro Grein Filho, médico e membro da Academia Paranaense de Letras
Seu Ribas
Lauro Grein Filho
Durante 13 anos, de 1932 a 1945, o Paraná foi governado pelo pontagrossense Manoel Ribas, a reinar soberano e único com os excepcionais poderes de um cargo e um regime que o tornavam senhor absoluto de todas as coisas.
Líder inato e inflexível, seu Ribas não limitava sua alçada aos problemas do governo, ampliando seu alcance sobre entidades e instituições, sociedades e organizações, clubes e fundações, tudo a evoluir segundo seus desejos, maneiras e critérios.
Ou não evoluíam.
Sem preocupação com o Legislativo ou Judiciário, contando com prefeitos de sua inteira confiança, escolha e nomeação, M.R. interferia, também nas administrações municipais, onde os titulares a nada se atreviam sem sua devida aquiescência e assentimento.
Ribas mandava por inteiro, no atacado e no varejo.
A imprensa, amordaçada pela ditadura, as rádios sob rígido controle e o DIP impondo o noticiário, mantinham e consolidavam uma estrutura impenetrável a quaisquer crítica e reparos, jamais ousados ou tolerados.
Com tal soma de poderes, é fácil imaginar o quanto S. Excia era festejado, cortejado, incensado. A sua presença os homens se perturbavam, se atemorizavam, calando as opiniões e apagando a personalidade.
Não tive idade nem credenciais para maiores diálogos com esse interventor polêmico e singular.
Mas como cronista de turfe no Guabirotuba (1940-1943) e no início de carreira em Castro (1945), locais onde sua presença era habitual, costumava curiosamente medi-lo e observá-lo. A ele e aos outros.
No velho hipódromo depois do Asilo, sua chegada lá pelas 4 da tarde representava o acontecimento máximo da reunião, alternando em instantes todo o desenrolar do programa.
Os páreos e os cavalos eram, imediatamente relegados a um segundo plano, minimizados pelas reverências ao Interventor, alvo maior dos aficcionados a disputar proximidades e achegos, na tribuna de honra.
E, nessas horas, S. Excia.
Parecia acessível e até amável, ao embalo das vitórias do Com Ochos, seu brioso cavalo mouro, filho de Contento em Paca, ou do castanho Cistil que corria em nome de Dona Anita.
O anedotário sobre Manoel Ribas, caracterizando-o no seu desapreço pelas formas convencionais, é imenso, variado e contraditório. A história o registra como um governador operoso, honrado e trabalhador.
Em sua gestão o Paraná cresceu sob múltiplos aspectos, desbravando o norte com a estrada do Cerne, desenvolvendo a agricultura e a pecuária, incentivando o parque industrial, atendendo a educação, a saúde e a assistência social.
Era proverbial o seu desvelo para com a infância.
Nesse afã criou o "Preventório Infantil Manoel Ribas", destinado a filhos de tuberculosos, estabelecimento que dirigi de 1945 a 1960. Ao assumir, a irmã Madalena, superiora, me preveniu sobre uma norma da Casa determinada pessoalmente pelo Interventor: - "Toda a criança que aqui chegar sem registro ou identificação, deverá receber meu sobrenome - Ribas" Havia muitos Ribas no Preventório.
De seus auxiliares e assessores exigia o máximo, cobrando eventuais falhas com severas reprimendas e despachando-os com uma expressão clássica: - "vais te reabilitar". Em
1945, após deixar o governo, ainda participou da campanha e eleição de Eurico Gaspar Dutra em 2 de novembro, falecendo em princípio do ano seguinte, antes de completar 73 anos.
Manoel Ribas é uma biografia que não pode faltar nas estantes paranistas.
Sua vida, suas realizações, sua personalidade, tudo o que foi e representou em mais de uma década de poderio e ditadura, mesclam-se intimamente com a própria história paranaense.
Uma história que deve ser contada.
Lauro Grein Filho, médico e membro da Academia Paranaense de Letras
quarta-feira, 5 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - O Gol de Placa de Zequinha
Histórias do Paraná - O Gol de Placa de Zequinha
O Gol de Placa de Zequinha
Odmir P. C. Valsecchi
Quem me contou esta historinha foi um velho amigo, Salvador de Cristo, já falecido, que por muitos anos pertenceu à diretoria do Ferroviário.
Contava ele, que lá por volta de 1930 e poucos, o Ferroviário tinha um ponta direita chamado Zequinha, um craque, dono de um chute forte e certeiro.
Na véspera de um jogo Atlético X Ferroviário, Zequinha ia indo para o serviço — era telegrafista da Rede - quando encontrou um grupo de atleticanos que bebericava um chope, numa churrascaria, liderados pelo lendário goleiro Caju, que atuou na seleção brasileira: "Zequinha, se você marcar um gol amanhã eu pago toda a sua despesa aqui na churrascaria, pode comer e beber a vontade."
Em que pese ser o artilheiro do campeonato, Zequinha era pessoa muito humilde.
Balançou a cabeça numa aquiescência que tinha entendido e continuou andando, para não chegar atrasado ao serviço.
No dia seguinte, domingo, o campo do Atlético na baixada estava lotado.
Hoje tristemente apelidado de "Chiqueirinho", o Estádio da Baixada era o melhor da cidade, nessa época em que ainda não existiam o Dorival de Brito e o Couto Pereira.
Bem, o campo cheio, começou o jogo, a bola sendo batida sem dó. Espirrada, prensada, ninguém queria sua amizade, logo lhe davam uma bordoada.
Ela, disciplinadamente, seguia o curso que os pés dos atletas lhe impunham, sem vontade própria, sempre obedecendo o mais forte, o mais ágil, o mais habilidoso.
Acabou-se o primeiro tempo num jogo duro e suado.
Inicia-se o segundo tempo, placar continuava de óculos, zero a zero, e assim foi até os 28 minutos, quando , numa escapada brilhante, como só o Zequinha sabia fazer, lá se foi o Ferroviário para o ataque.
Zequinha limpou a jogada e deu um chute como gostava.
Ninguém viu a trajetória da bola, tão violento foi o petardo.
Mas a bola não balançou a rede; também não foi para fora; para espanto geral, a bola simplesmente sumiu.
"Cadê a bola? Onde foi a bola?"
O próprio juiz, que se encontrava meio distante, ficou atônito.
Sem saber o que apitar, não apitou nada, e correu para o gol ver o que tinha acontecido. Aí notou que a bola estava presa no ângulo das traves horizontal/vertical.
Olhou de um lado olhou de outro e concluiu que a bola tinha passado a linha demarcatória fatal.
Era gol.
Assim sendo, determinou centro, para desencanto do famoso Caju e glória do humilde Zequinha.
Um dos gols mais curiosos da história do futebol paranaense.
Zequinha, aliás, era dado também a fazer gol de placa, literalmente.
Foi dele o primeiro gol marcado no Pacaembu, no jogo inaugural entre São Paulo e Coritiba, que levou emprestado o ponta direita Zequinha.
Os paulistas surraram os paranaenses de 4 a 1, mas não tiveram o gosto de inaugurar o placar.
Pela honraria, Zequinha ganhou uma medalha de ouro e placa no estádio.
Odmir P. C. Valsecchi, dentista em Jandaia do Sul
O Gol de Placa de Zequinha
Odmir P. C. Valsecchi
Quem me contou esta historinha foi um velho amigo, Salvador de Cristo, já falecido, que por muitos anos pertenceu à diretoria do Ferroviário.
Contava ele, que lá por volta de 1930 e poucos, o Ferroviário tinha um ponta direita chamado Zequinha, um craque, dono de um chute forte e certeiro.
Na véspera de um jogo Atlético X Ferroviário, Zequinha ia indo para o serviço — era telegrafista da Rede - quando encontrou um grupo de atleticanos que bebericava um chope, numa churrascaria, liderados pelo lendário goleiro Caju, que atuou na seleção brasileira: "Zequinha, se você marcar um gol amanhã eu pago toda a sua despesa aqui na churrascaria, pode comer e beber a vontade."
Em que pese ser o artilheiro do campeonato, Zequinha era pessoa muito humilde.
Balançou a cabeça numa aquiescência que tinha entendido e continuou andando, para não chegar atrasado ao serviço.
No dia seguinte, domingo, o campo do Atlético na baixada estava lotado.
Hoje tristemente apelidado de "Chiqueirinho", o Estádio da Baixada era o melhor da cidade, nessa época em que ainda não existiam o Dorival de Brito e o Couto Pereira.
Bem, o campo cheio, começou o jogo, a bola sendo batida sem dó. Espirrada, prensada, ninguém queria sua amizade, logo lhe davam uma bordoada.
Ela, disciplinadamente, seguia o curso que os pés dos atletas lhe impunham, sem vontade própria, sempre obedecendo o mais forte, o mais ágil, o mais habilidoso.
Acabou-se o primeiro tempo num jogo duro e suado.
Inicia-se o segundo tempo, placar continuava de óculos, zero a zero, e assim foi até os 28 minutos, quando , numa escapada brilhante, como só o Zequinha sabia fazer, lá se foi o Ferroviário para o ataque.
Zequinha limpou a jogada e deu um chute como gostava.
Ninguém viu a trajetória da bola, tão violento foi o petardo.
Mas a bola não balançou a rede; também não foi para fora; para espanto geral, a bola simplesmente sumiu.
"Cadê a bola? Onde foi a bola?"
O próprio juiz, que se encontrava meio distante, ficou atônito.
Sem saber o que apitar, não apitou nada, e correu para o gol ver o que tinha acontecido. Aí notou que a bola estava presa no ângulo das traves horizontal/vertical.
Olhou de um lado olhou de outro e concluiu que a bola tinha passado a linha demarcatória fatal.
Era gol.
Assim sendo, determinou centro, para desencanto do famoso Caju e glória do humilde Zequinha.
Um dos gols mais curiosos da história do futebol paranaense.
Zequinha, aliás, era dado também a fazer gol de placa, literalmente.
Foi dele o primeiro gol marcado no Pacaembu, no jogo inaugural entre São Paulo e Coritiba, que levou emprestado o ponta direita Zequinha.
Os paulistas surraram os paranaenses de 4 a 1, mas não tiveram o gosto de inaugurar o placar.
Pela honraria, Zequinha ganhou uma medalha de ouro e placa no estádio.
Odmir P. C. Valsecchi, dentista em Jandaia do Sul
terça-feira, 4 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - Dona Itália
Histórias do Paraná - Dona Itália
Dona Itália
Maria de Fátima S. Moraes
Casara-se muito mocinha pela primeira vez, com apenas treze anos.
Aos quatorze já era mãe, foi com o marido de Curitiba para Paulo Frontin, onde viveu até sua morte em 1960. Aos vinte e seis encontrava-se viúva, com cinco filhos pequenos, o sexto na barriga.
Voltou a casar-se algum tempo depois, tendo ainda mais três filhos com o segundo marido.
Nesse tempo todo, a família se tornara muito próspera, abastada.
Dona Itália enviuvou novamente.
Com cento e doze quilos, sua alegria contagiante e seu coração generoso, recebia o pessoal humilde com a mesma hospitalidade que acolhia os ricos e tradicionais parentes e amigos que vinham de Curitiba para visitá-la.
Isto lhe valeu inúmeros afilhados espalhados pela cidade e arredores.
Quando alguém ficava doente e não tinha condução, corria-se até a casa da gentil senhora, onde ela mesma providenciava um de seus caminhões com um dos filhos de motorista, garantindo assim o médico e o hospital ao paciente na cidade de Marechal Mallet, e olhem que naquela época a estrada para se chegar lá não era brincadeira.
Mas vamos ao que interessa.
Em sua mesa sempre farta, nunca faltava comida para quem chegasse de surpresa na hora das refeições, fossem genros, noras, netos, afilhados, até mesmo compadres e comadres que vinham das redondezas fazer compras na cidade.
Certo dia, chega de Santana, lugarejo próximo, o compadre Honório.
Caboclo simples, baixinho, gordo e quase surdo, apeia do burro, atrela-o num poste em frente da casa e bate na porta da cozinha com a intenção de ganhar o almoço.
Dona Itália o recebe, convida-o a entrar, dizendo:
- "Olha, compadre, o senhor chegou atrasado, todos já almoçaram, mas comida é o que não falta nesta casa.
Chegue até a mesa que vou providenciar que lhe aqueçam o que restou."
O homem se acomodou.
Com tudo quentinho à sua frente, serviu-se à vontade.
No entanto, à beirada da mesa, que era bem grande, ficara esquecida uma tijela com calda grossa, parecendo gordura derretida, da qual o compadre se sentiu fartamente, encharcando toda sua comida.
A velha senhora, quando notou tal coisa, se deu conta que era calda dos pêssegos que havia servido de sobremesa.
Matreira, contendo o riso, esperou o caboclo servir-se mais vezes e, quando o mesmo deu-se por satisfeito, chegou próximo ao seu ouvido e perguntou bem alto:
- "E então, compadre, a comida estava boa?"
Obteve então a resposta.
- "A comida tava muito das boa sim, senhora comadre, só que tava um bocadinho doce".
Maria de Fátima S. Moraes, Bacharel em Ciências Contáveis, é diretora de creche em Curitiba
Dona Itália
Maria de Fátima S. Moraes
Casara-se muito mocinha pela primeira vez, com apenas treze anos.
Aos quatorze já era mãe, foi com o marido de Curitiba para Paulo Frontin, onde viveu até sua morte em 1960. Aos vinte e seis encontrava-se viúva, com cinco filhos pequenos, o sexto na barriga.
Voltou a casar-se algum tempo depois, tendo ainda mais três filhos com o segundo marido.
Nesse tempo todo, a família se tornara muito próspera, abastada.
Dona Itália enviuvou novamente.
Com cento e doze quilos, sua alegria contagiante e seu coração generoso, recebia o pessoal humilde com a mesma hospitalidade que acolhia os ricos e tradicionais parentes e amigos que vinham de Curitiba para visitá-la.
Isto lhe valeu inúmeros afilhados espalhados pela cidade e arredores.
Quando alguém ficava doente e não tinha condução, corria-se até a casa da gentil senhora, onde ela mesma providenciava um de seus caminhões com um dos filhos de motorista, garantindo assim o médico e o hospital ao paciente na cidade de Marechal Mallet, e olhem que naquela época a estrada para se chegar lá não era brincadeira.
Mas vamos ao que interessa.
Em sua mesa sempre farta, nunca faltava comida para quem chegasse de surpresa na hora das refeições, fossem genros, noras, netos, afilhados, até mesmo compadres e comadres que vinham das redondezas fazer compras na cidade.
Certo dia, chega de Santana, lugarejo próximo, o compadre Honório.
Caboclo simples, baixinho, gordo e quase surdo, apeia do burro, atrela-o num poste em frente da casa e bate na porta da cozinha com a intenção de ganhar o almoço.
Dona Itália o recebe, convida-o a entrar, dizendo:
- "Olha, compadre, o senhor chegou atrasado, todos já almoçaram, mas comida é o que não falta nesta casa.
Chegue até a mesa que vou providenciar que lhe aqueçam o que restou."
O homem se acomodou.
Com tudo quentinho à sua frente, serviu-se à vontade.
No entanto, à beirada da mesa, que era bem grande, ficara esquecida uma tijela com calda grossa, parecendo gordura derretida, da qual o compadre se sentiu fartamente, encharcando toda sua comida.
A velha senhora, quando notou tal coisa, se deu conta que era calda dos pêssegos que havia servido de sobremesa.
Matreira, contendo o riso, esperou o caboclo servir-se mais vezes e, quando o mesmo deu-se por satisfeito, chegou próximo ao seu ouvido e perguntou bem alto:
- "E então, compadre, a comida estava boa?"
Obteve então a resposta.
- "A comida tava muito das boa sim, senhora comadre, só que tava um bocadinho doce".
Maria de Fátima S. Moraes, Bacharel em Ciências Contáveis, é diretora de creche em Curitiba
segunda-feira, 3 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - Turismo em Foz
Histórias do Paraná - Turismo em Foz
Turismo em Foz
Regina M. S. de Souza
No início do século passado, Foz do Iguaçu não passava de um ponto longínquo no extremo oeste de nosso estado.
Não possuindo meios de comunicação pelo território brasileiro, o acesso era feito através da Argentina, via fluvial.
A beleza das Cataratas era pouco difundida pelo governo brasileiro.
Mas ela era vista, estudada e admirada por um bom número de excursionistas, graças aos esforços do país vizinho.
Naturalistas, escritores, "touristes", todos ficavam em Porto Aguirre, (hoje Porto Iguaçu), onde havia um bom hotel, uma boa estrada, algum conforto.
Contudo, a vista mais bonita dos saltos era do lado brasileiro.
Como disse Lima Figueiredo, "na Argentina fica a arena e no Brasil, a arquibancada". Alguma coisa para atrair o visitante urgia ser feita.
Foi então que, em 1915, foi dado o primeiro passo para a atividade turística da "Vila Iguassu" - a inauguração do HOTEL BRASIL. Localizado na antiga Avenida Paraná, tinha uma filial junto aos saltos.
Um barraco abandonado que, transformado em três cômodos, sala de jantar e cozinha, cumpria o propósito de acolher o viajante.
Para chegar-se até lá, foi necessário abrir um caminho, ou seja, a primeira estrada que conduziria às Cataratas. O percurso de 30 km era feito em uma media de 6 horas.
Um carro de quatro rodas, puxado por quatro cavalos, conduzia os passageiros que extasiavam-se com as araras, os papagaios, os tucanos, em bandos naquela mata virgem.
Era comum ver macacos pulando nas árvores, ou lebres e veados fugindo assustados.
Em certos lugares, centenas de borboletas formavam verdadeiros tapetes, ora azuis, ora coloridos, que revoavam em protestos à passagem do turista.
Orquídeas, sa-mambaias e avenças dividiam o espaço com roxos e amarelos ipês. E, já no final, anunciando a chegada, havia um extenso e frondoso bambuzal.
Suas pontas entrelaçadas sobre a estrada formavam um túnel, "uma magnífica abóboda vegetal" na visão de Coelho Júnior.
Mais tarde, em torno de 1920, um outro projeto foi concebido, o IGUASSU CASSINO HOTEL, também junto aos saltos.
Com a promessa de um futuro ressarcimento por parte do governo, deu-se início à obra.
Planta em forma de U, com salão de festas, de recepção, de leitura e de jogos.
Oito quartos, um banheiro com água corrente... Mas a falta dos recursos prometidos fez com que o hotel permanecesse inacabado.
Modestamente então, ele funcionou até o ano de 1937, quando foi destruído por um incêndio.
Esses, o Hotel Brasil e o Iguassu Cassino Hotel, bem como os hotéis Progresso e o Internacional, foram o marco da hotelaria turística em Foz do Iguaçu, hoje uma das maiores do Brasil.
Obra de pioneiros entusiastas, patriotas, que, acreditando na terra que os acolheu, por ela lutaram.
Difundiram o turismo, não apenas como fonte de rendas mas, e principalmente, como elemento propulsor da colonização.
Regina M S. Souza, dona de casa em Curitiba
Turismo em Foz
Regina M. S. de Souza
No início do século passado, Foz do Iguaçu não passava de um ponto longínquo no extremo oeste de nosso estado.
Não possuindo meios de comunicação pelo território brasileiro, o acesso era feito através da Argentina, via fluvial.
A beleza das Cataratas era pouco difundida pelo governo brasileiro.
Mas ela era vista, estudada e admirada por um bom número de excursionistas, graças aos esforços do país vizinho.
Naturalistas, escritores, "touristes", todos ficavam em Porto Aguirre, (hoje Porto Iguaçu), onde havia um bom hotel, uma boa estrada, algum conforto.
Contudo, a vista mais bonita dos saltos era do lado brasileiro.
Como disse Lima Figueiredo, "na Argentina fica a arena e no Brasil, a arquibancada". Alguma coisa para atrair o visitante urgia ser feita.
Foi então que, em 1915, foi dado o primeiro passo para a atividade turística da "Vila Iguassu" - a inauguração do HOTEL BRASIL. Localizado na antiga Avenida Paraná, tinha uma filial junto aos saltos.
Um barraco abandonado que, transformado em três cômodos, sala de jantar e cozinha, cumpria o propósito de acolher o viajante.
Para chegar-se até lá, foi necessário abrir um caminho, ou seja, a primeira estrada que conduziria às Cataratas. O percurso de 30 km era feito em uma media de 6 horas.
Um carro de quatro rodas, puxado por quatro cavalos, conduzia os passageiros que extasiavam-se com as araras, os papagaios, os tucanos, em bandos naquela mata virgem.
Era comum ver macacos pulando nas árvores, ou lebres e veados fugindo assustados.
Em certos lugares, centenas de borboletas formavam verdadeiros tapetes, ora azuis, ora coloridos, que revoavam em protestos à passagem do turista.
Orquídeas, sa-mambaias e avenças dividiam o espaço com roxos e amarelos ipês. E, já no final, anunciando a chegada, havia um extenso e frondoso bambuzal.
Suas pontas entrelaçadas sobre a estrada formavam um túnel, "uma magnífica abóboda vegetal" na visão de Coelho Júnior.
Mais tarde, em torno de 1920, um outro projeto foi concebido, o IGUASSU CASSINO HOTEL, também junto aos saltos.
Com a promessa de um futuro ressarcimento por parte do governo, deu-se início à obra.
Planta em forma de U, com salão de festas, de recepção, de leitura e de jogos.
Oito quartos, um banheiro com água corrente... Mas a falta dos recursos prometidos fez com que o hotel permanecesse inacabado.
Modestamente então, ele funcionou até o ano de 1937, quando foi destruído por um incêndio.
Esses, o Hotel Brasil e o Iguassu Cassino Hotel, bem como os hotéis Progresso e o Internacional, foram o marco da hotelaria turística em Foz do Iguaçu, hoje uma das maiores do Brasil.
Obra de pioneiros entusiastas, patriotas, que, acreditando na terra que os acolheu, por ela lutaram.
Difundiram o turismo, não apenas como fonte de rendas mas, e principalmente, como elemento propulsor da colonização.
Regina M S. Souza, dona de casa em Curitiba
domingo, 2 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - Enfim, no mapa
Histórias do Paraná - Enfim, no mapa
Enfim, no mapa
Acir Rachid
Ter nascido e residido em Campo do Tenente teve vantagem e decepções.
Uma infância tranqüila, férias escolares divertidas, convivência com pessoas dignas e honestas sempre nos trouxeram agradáveis recordações.
Mas explicar aos colegas do ginásio, em Curitiba, onde se localizava a nossa terra natal e qual a sua importância, era freqüente motivo de chacota. Não conseguíamos sequer provar a sua natureza geográfica, porque era um distrito do município de Rio Negro, e não constava daqueles mapas que eram mostrados na Geografia.
De tanto ser espicaçados por este anonimato incômodo, fomos aprendendo a nos defender, até mesmo depois de adultos, procurando valorizar algumas facetas pouco conhecidas do lugar, mesmo dos tenentianos.
Feitos como estes:
De 1925 a 1940, lá esteve instalada a maior indústria de extração e beneficiamento de madeira do Paraná e talvez do Brasil.
Era a firma Henrique Stahlke e Filhos. E foi exatamente nesta indústria que se observou a primeira greve de operários, nos anos 30, após a demissão de dezenas de trabalhadores idosos. Não havia indenização obrigatória por lei e os patrões queriam somente escriturar as casas onde já moravam os operários. A solidariedade foi total, inclusive com o apoio moral da população e repercussão na imprensa.
Um aspecto notável é que, no ano de 1928, foi construído lá o primeiro avião brasileiro.
Tendo aportado na cidade um ex-combatente ou mecânico da guerra de 14-18, sensibilizou o patrão Stahlke, que importou da Alemanha um motor de avião e, com isto, o aventureiro foi fabricando sua aeronave, com grande curiosidade dos habitantes locais, principalmente as crianças que toda a tarde iam assistir o progresso da construção.
Parece-nos que o avião chegou mesmo a fazer umas tentativas de vôo rasante. A decolagem oficial estava marcada para a data em que o Presidente do Estado, Affonso Camargo, deveria comparecer às festividades do centenário de Rio Negro. O avião acompanharia, pelo céu, a composição ferroviária que passava pelo local.
Quatro dias antes do evento, porém, o esperto sumiu da cidade, deixando uma grande frustração.
Depois de adultos, descobrimos outras habilidades dos tenentianos.
Cada vez que os adversários diziam que o que lá prestava eram só as coxinhas do D'Amico, retribuíamos que a melhor relação entre Diplomatas/Professores Universitários era nossa.
Para espanto da maioria, mostrávamos que, entre os dez tenentianos possuidores de diploma universitário, nove eram professores de ensino superior, todos da área médica.
A lista inclui Hamilton Córdova, Oton Ferraz Filho, Lídio Jair Centa, Henrique Stahlke Neto e mais o autor destas linhas, todos professores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná; Ataliba Moreira e Narciso Grein Filho, professores da Faculdade de Odontologia da UFPR, Nélio Centa, professor da Faculdade de Medicina da PUC-PR; e Maria de Lourdes Centa, professora do curso de Enfermagem da UFPR.
Aos detratores só restava comentar o pequeno número de diplomados de Campo do Tenente... (A falta de registro histórico, aliás, não sabíamos quem teria sido esse Tenente).
Em todo o caso, chegou o dia em que Campo do Tenente foi desmembrado de Rio Negro, virou município, elegeu prefeito.
Foi em 1961. A partir daí, teríamos um motivo de chacota a menos.
Quem primeiro reparou foi nosso velho amigo de becaria na seleção universitária e na equipe de futebol de Rio Negro, o festejado advogado Reinaldo Dacheux Pereira.
Num encontro na Rua XV, ele nos contou, efusivamente, a notícia da emancipação do município e comentou: ‘Adr, Campo do Tenente agora está no mapa... "
Acir Rachid, médico e professor da Universidade Federal do Paraná
Enfim, no mapa
Acir Rachid
Ter nascido e residido em Campo do Tenente teve vantagem e decepções.
Uma infância tranqüila, férias escolares divertidas, convivência com pessoas dignas e honestas sempre nos trouxeram agradáveis recordações.
Mas explicar aos colegas do ginásio, em Curitiba, onde se localizava a nossa terra natal e qual a sua importância, era freqüente motivo de chacota. Não conseguíamos sequer provar a sua natureza geográfica, porque era um distrito do município de Rio Negro, e não constava daqueles mapas que eram mostrados na Geografia.
De tanto ser espicaçados por este anonimato incômodo, fomos aprendendo a nos defender, até mesmo depois de adultos, procurando valorizar algumas facetas pouco conhecidas do lugar, mesmo dos tenentianos.
Feitos como estes:
De 1925 a 1940, lá esteve instalada a maior indústria de extração e beneficiamento de madeira do Paraná e talvez do Brasil.
Era a firma Henrique Stahlke e Filhos. E foi exatamente nesta indústria que se observou a primeira greve de operários, nos anos 30, após a demissão de dezenas de trabalhadores idosos. Não havia indenização obrigatória por lei e os patrões queriam somente escriturar as casas onde já moravam os operários. A solidariedade foi total, inclusive com o apoio moral da população e repercussão na imprensa.
Um aspecto notável é que, no ano de 1928, foi construído lá o primeiro avião brasileiro.
Tendo aportado na cidade um ex-combatente ou mecânico da guerra de 14-18, sensibilizou o patrão Stahlke, que importou da Alemanha um motor de avião e, com isto, o aventureiro foi fabricando sua aeronave, com grande curiosidade dos habitantes locais, principalmente as crianças que toda a tarde iam assistir o progresso da construção.
Parece-nos que o avião chegou mesmo a fazer umas tentativas de vôo rasante. A decolagem oficial estava marcada para a data em que o Presidente do Estado, Affonso Camargo, deveria comparecer às festividades do centenário de Rio Negro. O avião acompanharia, pelo céu, a composição ferroviária que passava pelo local.
Quatro dias antes do evento, porém, o esperto sumiu da cidade, deixando uma grande frustração.
Depois de adultos, descobrimos outras habilidades dos tenentianos.
Cada vez que os adversários diziam que o que lá prestava eram só as coxinhas do D'Amico, retribuíamos que a melhor relação entre Diplomatas/Professores Universitários era nossa.
Para espanto da maioria, mostrávamos que, entre os dez tenentianos possuidores de diploma universitário, nove eram professores de ensino superior, todos da área médica.
A lista inclui Hamilton Córdova, Oton Ferraz Filho, Lídio Jair Centa, Henrique Stahlke Neto e mais o autor destas linhas, todos professores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná; Ataliba Moreira e Narciso Grein Filho, professores da Faculdade de Odontologia da UFPR, Nélio Centa, professor da Faculdade de Medicina da PUC-PR; e Maria de Lourdes Centa, professora do curso de Enfermagem da UFPR.
Aos detratores só restava comentar o pequeno número de diplomados de Campo do Tenente... (A falta de registro histórico, aliás, não sabíamos quem teria sido esse Tenente).
Em todo o caso, chegou o dia em que Campo do Tenente foi desmembrado de Rio Negro, virou município, elegeu prefeito.
Foi em 1961. A partir daí, teríamos um motivo de chacota a menos.
Quem primeiro reparou foi nosso velho amigo de becaria na seleção universitária e na equipe de futebol de Rio Negro, o festejado advogado Reinaldo Dacheux Pereira.
Num encontro na Rua XV, ele nos contou, efusivamente, a notícia da emancipação do município e comentou: ‘Adr, Campo do Tenente agora está no mapa... "
Acir Rachid, médico e professor da Universidade Federal do Paraná
sábado, 1 de outubro de 2016
Histórias do Paraná - Dia da raça
Histórias do Paraná - Dia da raça
Dia da raça
Luiz Spinato Ribeiro
Há meio século, a pequena Curitiba se encontrava nas esquinas.
Praticamente todos se conheciam e o tema, na época, obviamente era a
II Guerra que tinha "capturado" nossos pracinhas da FEB (Força Expedicionária Brasileira). Manoel Ribas - o Manéco Facão - governava o Estado com autoridade e austeridade. E neste país de tantos feriados, havia um, decifrável pelo regime vigente e ambíguo: enviara soldados para combater ao lado dos aliados, mas tinha cores internas ditatoriais.
Esse feriado era o "Dia da Raça", comemorado a 4 de setembro.
Nesse dia, desfiles cívicos tentaram confirmar a "brasilidade".
Em 4 de setembro de 1943 ou
1944, me falha a memória, quase dois mil alunos do Colégio Estadual do Paraná, quase todos de classe média remediada ou quase pobres, calças azuis e camisas brancas, fecharam o desfile do "Dia da Raça". Seguiam a brava rapaziada do Colégio Santa Maria, freqüentado pela então fina flor da sociedade curitibana, com seus uniformes semelhantes ao dos militares, quepes coloridos, polainas, botões dourados.
O desfile era notícia de primeira página nos jornais. E a "Gazeta" não perdoou.
Na linguagem dos repórteres, "deu um pau" no desfile do Colégio Estadual.
Ao chegar no colégio no dia seguinte, notei um revoltoso burburinho contra a "Gazeta do Povo". Resultado: decidiu-se pelo empastelamento do jornal, que funcionava na Rua XV, entre a Mosenhor Celso e a Marechal Floriano. O colégio inteiro reuniu-se na Praça Santos Andrade e, em marcha batida, rumou para a sede do jornal.
Na esquina da Monsenhor Celso com a Rua XV, a massa foi contida por um homem de cabelos brancos, voz forte e decidido, que berrou: - "Sigam-me!" Era o professor Francisco José Gomes Ribeiro que, liderou a massa de imberbes rumo ao Colégio Estadual, localizado na época na Rua Ébano Pereira — onde é hoje a Secretaria da Cultura.
Encerrou os alunos no auditório e passou um sonoro sabão nos "agitadores", lembrando que na democracia a liberdade de crítica, a liberdade de imprensa é fundamental.
Empastelar (fechar) um jornal é como rasgar a Constituição, apunhalar a cidadania. E estávamos sob a ditadura de Vargas.
O homem de cabelos brancos tinha sabedoria.
Durante mais de uma década dirigiu o Colégio Estadual.
Era meu pai.
Luiz Spinato Ribeiro, engenheiro
Dia da raça
Luiz Spinato Ribeiro
Há meio século, a pequena Curitiba se encontrava nas esquinas.
Praticamente todos se conheciam e o tema, na época, obviamente era a
II Guerra que tinha "capturado" nossos pracinhas da FEB (Força Expedicionária Brasileira). Manoel Ribas - o Manéco Facão - governava o Estado com autoridade e austeridade. E neste país de tantos feriados, havia um, decifrável pelo regime vigente e ambíguo: enviara soldados para combater ao lado dos aliados, mas tinha cores internas ditatoriais.
Esse feriado era o "Dia da Raça", comemorado a 4 de setembro.
Nesse dia, desfiles cívicos tentaram confirmar a "brasilidade".
Em 4 de setembro de 1943 ou
1944, me falha a memória, quase dois mil alunos do Colégio Estadual do Paraná, quase todos de classe média remediada ou quase pobres, calças azuis e camisas brancas, fecharam o desfile do "Dia da Raça". Seguiam a brava rapaziada do Colégio Santa Maria, freqüentado pela então fina flor da sociedade curitibana, com seus uniformes semelhantes ao dos militares, quepes coloridos, polainas, botões dourados.
O desfile era notícia de primeira página nos jornais. E a "Gazeta" não perdoou.
Na linguagem dos repórteres, "deu um pau" no desfile do Colégio Estadual.
Ao chegar no colégio no dia seguinte, notei um revoltoso burburinho contra a "Gazeta do Povo". Resultado: decidiu-se pelo empastelamento do jornal, que funcionava na Rua XV, entre a Mosenhor Celso e a Marechal Floriano. O colégio inteiro reuniu-se na Praça Santos Andrade e, em marcha batida, rumou para a sede do jornal.
Na esquina da Monsenhor Celso com a Rua XV, a massa foi contida por um homem de cabelos brancos, voz forte e decidido, que berrou: - "Sigam-me!" Era o professor Francisco José Gomes Ribeiro que, liderou a massa de imberbes rumo ao Colégio Estadual, localizado na época na Rua Ébano Pereira — onde é hoje a Secretaria da Cultura.
Encerrou os alunos no auditório e passou um sonoro sabão nos "agitadores", lembrando que na democracia a liberdade de crítica, a liberdade de imprensa é fundamental.
Empastelar (fechar) um jornal é como rasgar a Constituição, apunhalar a cidadania. E estávamos sob a ditadura de Vargas.
O homem de cabelos brancos tinha sabedoria.
Durante mais de uma década dirigiu o Colégio Estadual.
Era meu pai.
Luiz Spinato Ribeiro, engenheiro
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