Histórias do Paraná - Artimanhas de estudante
Artimanhas de estudante
Wilson Bóia
Todos sabemos das imensas dificuldades financeiras e administrativas que Vítor do Amaral e Nilo Cairo enfrentaram até a criação da nossa primeira Universidade a 19 de dezembro de 1912, a concretização de um sonho de Rocha Pombo.
Instalada, a toque de caixa, num modesto sobrado da Rua Comendador Araújo, n° 42, no centro de Curitiba, salas, quartos e corredores transformados da noite para o dia em laboratórios, gabinetes bibliotecas e salas de aula, enfrentando a descrença e a maledicência de muitos e maldosamente apelidada de "Perversidade" pelos intolerantes e invejosos, suas aulas teriam início a 24 de março de 1913, contando com o já apreciável número de noventa e sete alunos.
Chegara o ano de 1914 e os estudantes, mal acomodados como sardinhas em lata, sonhavam o quanto antes ocupar as novas instalações da Universidade da Praça Santos Andrade.
Vítor e Nilo desejavam mu-dar-se do prédio acanhado, mas em meio a um ato solene.
Mas assim não pensava a estudantada e, diante do impasse, bolam um estratagema que daria certo.
Simulam um princípio de incêndio nos fundos do velho sobrado.
As labaredas provocaram, de imediato, um alarme geral, aglomeração de curiosos e a presença urgente do pessoal do Corpo de Bombeiros.
Dessa situação de pânico aproveitam-se os universitários para retirar móveis, cadeiras, espalhando-as pela calçada.
Assim, com a primeira etapa vencida, partem para a concretização do objetivo final: o transporte desse mobiliário.
E como era bonito e cômico de se ver, a rapaziada, entre risos e brincadeiras, atravessar a Praça General Osório e em desfile pela Rua Quinze, carregar às costas mesas, cadeiras, quadros-negros, até o átrio do porão da nova Universidade.
Dirceu de Lacerda, em saudosa entrevista, informa-nos terem sido dois os líderes desse inusitado movimento, ambos segundaristas de Direito, Oscar Martins Gomes, mais tarde um dos nossos juristas de maior competência profissional e professor catedrático, na mesma instituição de ensino superior, de Direito Internacional Privado, e Tasso da Silveira, que os anos o tornariam um dos maiores poetas do nosso Paraná.
Vitor do Amaral a princípio não aprovara as artimanhas de seus discípulos.
Mas logo mudaria de opinião.
Ciente de que mais cedo ou mais tarde a mudança teria que ser realizada e que a Universidade, sempre em déficit, não disporia de recursos financeiros para reembolsar a empresa transportadora, acabaria por considerar que o ato de rebeldia da mocidade estudiosa fora, afinal de contas, uma ação benemérita e generosa e que conseguira o seu objetivo sem nada desembolsar.
Certamente os seus alunos não lhe iriam cobrar o carreto...
Wilson Bóia, curitibano, é presidente da Sociedade Brasileira dos Escritores Médicos.
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