Histórias do Paraná - Não haverá mais polacos? (II)
Não haverá mais polacos? (II)
Wilson Bueno
Polacada!
Negrada!
Amávamos com ódio - assíduos, uns e outros, às vezes mais, às vezes menos, em tocar a corda do variado entendimento.
E íamos empurrando, cada um de seu lado, a vida miúda.
Crianças, sentíamos na pele outros trechos.
A notícia veio arfante, quase um engasgo no rosto vermelho do Gordo:
- O Lau morreu, o Mieceslaw morreu no piquenique do Barigüi.
E como queríamos mais, fulminou:
- O Lau morreu afogado.
Éramos cúmplices, todos, da
causa-mortis: corria a rua e era assunto nas casas da vila, a surra que quase todos levamos, e à mesma caída noitinha, porque uma semana antes, fora Lau a vítima nervosa do batismo nas águas do mesmo Barigüi que agora o matava.
Delatados, todos os olhos nos perseguiram.
E a morte era o Lau morto. A morte era também uma sala com a imagem de Nossa Senhora de Czestochowa, único objeto familiar que nela restava, depois de retirados os móveis e dispostas encostadas à parede, as cadeiras de palhinha.
No centro da sala, a morte também era um caixão que nossos olhos evitavam.
- Polacada!
- Negrada!
A morte doía na manhã de sol. A morte era o nosso primeiro pecado público.
Nos envergonhávamos e sofríamos, cúmplices, todos os piás da rua - humilhados, o acontecimento.
Necessário se conformar — outros, igualmente polacos, haveriam de suceder Mieceslaw, principalmente o irmão mais velho,
noivo, que tocava gaita-de-boca e tinha músculos de cavalo.
Renovava-se contudo a pergunta: como poderiam ser brasileiros aqueles seres brancos, frios e encapotados,
de cabelos amarelos e olhos claros, tropeçando na língua embaralhada?
Mas eram: na missa e nos casamentos, nas dificuldades pequenas do dia-a-dia, na pechincha e no circo,
nas grandes bebedeiras e nos velórios.
Mas o que persiste é a morte aterrada na manhã da nova cidade, o escuro do quarto e o coração apertado:
- Polacada!
- Negrada!
Wilson Bueno é escritor, criador e editor do jornal Cultural "Nicolau".
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