sábado, 16 de abril de 2016

Histórias do Paraná - As mulheres lapianas

Histórias do Paraná - As mulheres lapianas

As mulheres lapianas
Valério Hoerner Júnior

O Cerco da Lapa, ocorrido em 1894 em meio à Revolução Federalista, constitui notável episódio histórico.
No entanto, pouco ou nada foi dito a respeito do desprendido grupo feminino agregado aquelas circunstâncias de guerra. E hora, portanto, de lhe fazer justiça.
Sabe-se do Coronel Carneiro, então no comando da cercada praça de guerra: pessoa difícil de lidar; energético, não dissimulava insensibilidade; teimoso com tê maiúsculo, "intrepidez e "impavidez" caíam-lhe como a uma luva, mas mal disfarçava o atributo "temerário"; linguajar de caserna, cumpria o dever acima de tudo, custasse o que custasse.
Acabou dando no que deu, mas antes disso, tentativas da parte dos revolucionários foram repelidas sem cerimônia.
Carneiro só pensava em defender a Lapa (ordens de Floriano!) à bala, até o último homem. E o pior: sem chance alguma, ilhado, cercado de revolucionários por todos os lados.
Um belo dia, fato pouco divulgado, quase alteram-se as circunstâncias: chegam de São Paulo os esperados reforços, batalhões compostos de elementos da guarda-nacional e patriotas (sic) engajados a maneador.
Ao primeiro contato com o inimigo debandaram e aos magotes retornaram espavoridos a
Itararé. A coisa estava preta.
Fatos estranhos: Homembom Justo de Mello, à guisa de buscar reforços, fez da Lapa ao Rio de Janeiro numa galopada só. Curiosamente não os encontrou.
Voltar para quê? E ficou por lá mesmo. E também Lauro Muller que em dado momento achou mais garantido seguir os passos estonteados de Pêgo Júnior, também em debandada na direção de São Paulo e Rio.
Certa vez, Carneiro chama Dulcídio, comandante do Regimento de Segurança, polícia a cavalo, determinando manobra que fatalmente iria sacrificar aos que a ela se atirassem.
Diante da temeridade da idéia e consultado a respeito da execução, o coronel Dulcídio responde: "Comandante, conte para isso apenas com um oficial de cavalaria!" Ele, o único.
Bom soldado, possuía também bom senso para não pedir bobagem aos outros. A manobra acabou suprimida.
Nem por isso deixou Dulcídio de receber o tiro na bexiga que o mataria dias depois.
Certamente a grande perda do contingente.
Um herói de verdade.
A situação a cada dia ficava pior.
Havia pressão em cima de Carneiro para capitularem.
Nem pensar nisso.
Um dia, sentindo que sua intransigência poderia lhe sair pela culatra, tratou de retirar por trem as famílias da cidade, mulheres, crianças, velhos e inválidos.
As mulheres mandaram dizer então ao comandante que ficavam gratas por dádiva tão generosa e que aceitavam o oferecimento sim, contanto que lhes fosse concedida a graça de junto carregarem as pessoas de bem-querer, maridos, irmãos, noivos e filhos, partícipes da brigada do Coronel Lacerda.
- Ora, Senhoras, o que me pedem é impossível! - pondera o comandante.
- Então, correremos com eles os mesmos riscos.
A morte de Carneiro modificou a situação: o comando com Lacerda, bravo mas descortinado, arguto e com raízes naquele chão lapiano, capitulou por fim a praça maltrapilha.
Naquele chão ficou Carneiro, consciente de ter cumprido o dever, sua missão.
Quando a notícia da capitulação chegou a Floriano, este friamente resmungou: "Então o Carneiro morreu!"

Valério Hoerner Júnior da Academia Paranaense de Letras.


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