terça-feira, 12 de abril de 2016

Histórias do Paraná - A cabocla e o Marquês

Histórias do Paraná - A cabocla e o Marquês

A cabocla e o Marquês
Francisco Britto de Lacerda

Por mistérios que ninguém explica, o Marquês de Pardallian, famoso cavaleiro francês, viveu na Lapa uns cinco anos, no primeiro quarto do século XX.
Ele trabalhava como agrimen-sor sem assiduidade, quando lhe apetência.
Vinham-lhe da França outros recursos, a longos intervalos, e aí se explica o atraso com que saldava seus compromissos.
Morava o Marquês de Pardallian na beira da estrada da Ponte Nova, caminho do Cerro Verde.
Mantinha em sua companhia uma cabocla trigueira chamada França. "Essa é a França que eu achei em lugar da outra França, que perdi", assim ele se referia à companhia, excelente dona de casa.
Exibia o fidalgo próspera barriguinha, ligada a gorduras, muita farofa.
Bom francês, era chegado a queijo; comprava o produto fresco, ainda derramando leite, e o mantinha na despensa até criar bicho.
De pincenê, um cálice de vinho à sua frente, Pardallian se entregava à contemplação, atento à vaquinha que pastava, dando encanto a paisagem.
Ele e a França pouco conversavam. A moça não alcançava o que o francês lhe dizia.
Mas desempenhava bem por demais os deveres de manceba, e comida não deixava faltar. Músico empírico, o Marquês de Pardallian preenchia suas horas de ócio tocando violino.
Incapaz de captar as peças clássicas, França chegava a chamar a Serenata de Schubert de "moda enjoada".
Montado no cavalinho baio, botas bem engraxadas, ar nobre de quem parte para a caça à raposa, o Marquês ia à cidade.
Para beber conhaque e jogar baralho, freqüentava o Congresso Recreativo. O botequinho do Congresso, Barão Ferdinando Dreifus, fugitivo do Kaiser, pertencente à nobreza decadente, acolhia o ilustre gaulês.
Contar que fim levou o Marquês de Pardallian não é difícil.
Corria o mês de setembro de 1923. Dias muito chuvosos.
Os que moravam no interior não podiam sair.
Firmado o tempo, três dias de sol, o prefeito precisou dos serviços do francês para uma medição.
Parou na porteira.
Bateu palmas.
França veio atender. "Quero falar com o Marquês de Pardallian", disse o prefeito. "O homem eu enterrei a par daquela árvore", respondeu a cabocla, apontando e direção de uma cruz tosca.
Os vizinhos confirmaram que o fidalgo tinha morrido de pneumonia, conseqüência de um vento encanado, daqueles que agem como raio.
Sucumbiu em dois dias, não suportou a febre alta, que o fazia delirar em francês, chamando repetidas vezes sua "maman". O mau tempo e a falta de recursos obrigaram a companheira a sepultá-lo à sombra de um flamboyant que dava flores bem vermelhas.
A famosa cabocla, encanto de todos os marqueses, ainda viveu vários anos.
Morreu de velha.

Francisco Britto de Lacerda, advogado


Nenhum comentário:

Postar um comentário