segunda-feira, 11 de abril de 2016

Histórias do Paraná - A curiosidade

Histórias do Paraná - A curiosidade

A curiosidade
Tadeu de Souza Barião

- O que o padre usa por baixo da batina?
Toda criança que viveu o tempo em que os padres ainda usavam batina, deve ter feito essa pergunta pelo menos uma vez na vida. A questão me ocorre agora, muitos anos depois de os padres largarem o hábito religioso, em razão de uma propaganda exibida na televisão.
Ela mostrava um jovem sacerdote vestindo batina (coisa que hoje só passa mesmo pela cabeça de publicitário). O padre em questão está com a batina arregaçada em frente, para saltar um poça de água, e o que aparece? Uma insuspeita cueca samba-canção de cor levemente rosada, com "pois" brancos. E maldade pura!
Maldades a parte, fui garoto no tempo em que missa era em latim, padre usava batina e, claro, tinha natural curiosidade em saber o que eles usavam por baixo.
Mas essa não era a maior de minhas curiosidades nessa área envolvendo hábitos e religiosos.
Garoto de oito anos, fim dos anos 50, fazia o primário como aluno interno do Instituto São José, de Abranches, na capital.
Era, então, um colégio regular, misto com turmas de alunos internos, semi-internos e externos, dirigidos por freiras vicentinas.
Nessa época, além do
hábito azul escuro pesadão, as irmãs vicentinas usavam aquela espécie de chapelão estranhíssimo, feito de pano engomado, com algo parecido com um grande bico que se projetava para a frente e duas asa de gaivotas nas laterais.
Um adereço que remetia à idade média, cobrindo além da cabeça também as orelhas, parte da testa e a nuca.
A curiosidade geral era sobre o que haveria entre o crânio e o chapéu das freiras.
Ou seja, se elas tinham cabelo ou seriam totalmente calvas. Dúvida de tamanha envergadura vinha a ser de tempos em tempos a preocupação primeira da gurizada, da mesma forma que este ou aquele jogo tinha sua época certa para reinar. A curiosidade, corrosiva como toda a pergunta para qual não se tem resposta, movimentava o colégio dias e semanas a fio, do primeiro sino que marcava a acordar à última ave-maria do dia rezada aos pés da cama nos dormitórios coletivos.
Surgiram apaixonadas discussões, faziam-se apostas nesta ou naquela hipótese, havia quem ousasse apostar sua coleção inteira de figurinhas Zequinhas, incluindo as premiadas.
Mas nunca, em tempo algum, houve quem se investisse da coragem necessária para perguntar a uma freira "afinal, vocês tem ou não tem cabelo?"
Até que o impressionante aconteceu.
Certa tarde, durante um dos costumeiros passeios semanais dos internos e internas pelas cercanias do colégio, a pé, desabou um aguaceiro repentino.
Dessas chuvas fortes e inesperadas, em que mal se passa um minuto entre o primeiro trovão e os primeiros pingos fortes.
Irmã Verônica, freira jovem e das mais queridas do colégio, era quem tomava conta dos garotos nesse passeio.
Coitada! Quando a chuva começou, não havia por perto nenhuma casa, nenhuma árvore frondosa onde procurar abrigo,
só um potreiro gramado.
Em pouco tempo, encharcado de chuva, o chapéu engomado da freira desabou, molenga como um lenço molhado.
E então deu pra ver.
Por baixo do chapéu empapado deu para ver uma cabeça coberta de cabelos curtos, displicentemente cortados.
Cabelos negros. O segredo estava desvendado. A curiosidade, satisfeita.
Mas antes não tivesse chovido forte aquela tarde! Primeiro, para evitar o vexame da dócil Irmã Verônica.
E, principalmente, para manter aceso o encantamento de uma curiosidade singela.
O prazer da curiosidade, descobrimos então, é maior que a satisfação dessa curiosidade.
Feito o primeiro beijo: bom, sem dúvida muito bom, mas não tão bom como a curiosidade do primeiro beijo.

Tadeu de Souza Barião, de Cascavel, professor secundário.


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