terça-feira, 5 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Pênalti para o Londrina

Histórias do Paraná - Pênalti para o Londrina

Pênalti para o Londrina
Ernani Buchman

Conto aqui um fato, que se assim não se passou, passa a ser esta a versão histórica.
Inicio dos anos sessenta, lá estavam Apucarana e Londrina a decidir um campeonato da região.
Jogo em Apucarana, a ser transmitido para Londrina. O problema era que duas rádios faziam as coberturas esportivas, mas havia entre as duas cidades não mais que uma linha para a transmissão. O remédio foi fazer um sorteio. E como costuma acontecer com sorteios, ganhou a radio que mantinha 20% da audiência. A outra, a Paiquerê, que detinha os 80% restantes, ficou na poeira, Ou quase: seu locutor, Willy Gonzer, conhecido tanto pela competência como por mudar mais de emissora e cidade que cigano fugido, resolveu usar um velho recurso do rádio de outrora: dublar o jogo.
Aos menos iniciados, consiste em ficar no estúdio, microfones nos ouvidos, repetindo aquilo que ouve do locutor da outra rádio.
Uma pirataria justificável, até porque os patrocinadores da equipe de esportes da Paiquerê não poderiam ficar fora do ar, logo na decisão do campeonato.
Corre o jogo em Apucarana.
Seria campeão quem vencesse. O Apucarana é todo ataque.
No estúdio, Willy Gonzer segura a audiência como se estivesse no estádio. A partida vai chegando ao fim.
Nada de gols, mas o Apucarana continua insistindo.
Até que, passados já os quarenta minutos do segundo tempo, sobra a bola para um Adamastor qualquer escapar em direção ao gol do Apucarana.
Entrou na área naquela situação que Nireu Teixeira descreveria como ele, o goleiro, as traves e Deus. E foi derrubado.
Se não tivesse sido tão escandaloso, sua honestidade não teria marcado, que nenhum juiz de futebol é louco o bastante para apostar o próprio escalpo.
Mas não houve jeito. Pênalti a favor do Londrina.
Willy Gonzer narrou o pênalti a plenos pulmões, quando houve uma queda de energia. E adeus ao sinal de rádio vindo de Apucarana.
Silêncio do outro lado, não no estúdio da Paiquerê. Willy continuou transmitindo.
Falou das reclamações dos jogadores do Apucarana, da fúria da torcida, da expectativa da torcida do Londrina, presente ao estádio. E nada do sinal voltar.
Esperou uns bons dez minutos, até que não houve mais jeito.
Era preciso bater o pênalti. E lembrando que o centroavante Gauchinho já havia batido dez pênaltis naquele campeonato, sem errar nenhum, Willy não teve dúvida: usando o nome do jogador, tomou a liberdade de bater a falta e fazer o gol.
Gritou, comemorou e começou a ouvir os foguetes estourarem na cidade. E nada do sinal voltar.
Manteve a platéia atenta mais alguns minutos, até ser obrigado a encerrar o jogo.
Convenhamos que para quem havia feito o gol, terminar uma partida não era tarefa das mais difíceis. E o sinal não voltava, como não voltou jamais.
Quem voltou foi do time do Londrina, recebido na entrada da cidade por uma multidão em delírio a comemorar a conquista do campeonato, para espanto da delegação.
Gauchinho, naquela tarde em Apucarana, havia errado o primeiro pênalti da sua carreira.
Willy Gonzer foi, como um anônimo torcedor, conferir a chegada do time.
E antes de ouvir a sentença de morte contra ele decretada, ali mesmo apanhou mulher e filho pequeno e foi pedir emprego em outra cidade de estado distante.
Consta haver em Londrina, até hoje, torcedores inconformados que a cada jogo conferem, nas cabines de rádio, os locutores presentes.
Ainda não tiveram a sorte de encontrar por lá o criativo Willy.
Ernani Buchman é publicitário


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