domingo, 24 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Usina de apelidos (2)

Histórias do Paraná - Usina de apelidos (2)

Usina de apelidos (2)
Luiz Geraldo Mazza

Dos apelidos clássicos de Paranaguá, há alguns folclorizados, isso é, se reproduzem em outros
pontos litorâneos do país, como se á houvesse ocorrido.
Destes, o mais decantado é o do cidadão que foi à cidade e apostou que não levaria apelido: hospedou-se no hotel da Praça Fernando Amaro e, de quando em quando, escondido atrás de uma cortina, dava uma olhada ao mundo exterior.
Virou o "cuco", o passarinho do relógio que sai pra fora da casinha ao dar as horas.
Outro foi o de um funcionário federal - Alfândega ou da Receita — que mal desceu do navio por causa de algumas deformações que tinha nos dedos carregados de protuberâncias foi chamado de "mão de gengibre".
A rapidez fulminante com que o homem litorâneo rotula as pessoas por uma via caricatural é tremenda. Às vezes, porém, traz uma carga enorme de crueldade.
Havia em Paranaguá um estranhíssimo ser, com má formação congênita, com voz roufenha, e que não tinha braços e pernas completos, isso é, anatomicamente desenvolvidos.
Era o "croquete", embora dessem o tom de piedade e até afetividade quando pronunciavam.
Vivia no interior de uma caixa de papelão e era deixado quase sempre na plataforma da Estação Ferroviária por parentes com o fim, é claro, de colher esmolas.
Uma lenda diz que certa ocasião tentou brincar com um marujo norte-americano e assustá-lo com voz rouca, dizendo "mãos para o ar" e que o ianque, assustado, e em represália, deu um chute na caixa de papelão, transformando o "croquete" em primeiro astronauta, isso nos anos cinqüenta.
Claro que entraram aí os condimentos de guerra fria, a divisão bipolar da geopolítica e a má vontade com os norte-americanos.
Mas a chispa do pamanguara não se limita ao imediatismo dessas definições caricaturais, já que sabe incorporar nesse processo a manipulação do inconsciente coletivo, das lendas, da mitologia do lugar.
Exemplo marcante desse encadeamento se deu num jogo de futebol entre o Coritiba e o Seleto, nos anos setenta: Passarinho, ponta direita "coxa" que viera do Apucarana, era um driblador excepcional e fazia o diabo no seu setor do campo em cima do lateral Alcione.
Numa delas, após passar pelo marcador, com três dribles seguidos desconcertantes, o marcador, num esforço de gladiador, conseguiu num "tade" alcançar o atacante.
Esse, como é da tradição, rolava na grama à espera da agüinha milagrosa. A torcida ululava em apoio ao lateral.
De repente, porém ao notar que a recuperação demorava, ficou tomada por uma espécie de remorso shakespeareano, daqueles que atormentavam Macbeth e Tímon de Atenas, e mergulhou em respeitoso silêncio, esperando que não houvesse fratura.
Foi, então, nesse preciso instante, que no meio da galera, religiosamente constrita, ouviu-se a voz fi-ninha e gaiata, aquele tom cantado de litorâneo que soou como um canto gregoriano em coral de igreja: "sopra o cuzinho dele que ele levanta!"
Era a terapia dos meninos quando também divididos entre a alegria de derrubar uma ave e o esforço para salvá-la, afastavam as penas do traseiro do passarinho e ali assopravam.
Um santo remédio, lírico demais, mas para um passarinho pequeno.

Luiz Geraldo Mazza é jornalista.


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