domingo, 3 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Bigodes torcidos

Histórias do Paraná - Bigodes torcidos

Bigodes torcidos
Nilson Monteiro

Engraçado o Jaime e o Jorge.
Tem vários pontos comuns. A começar pela letra inicial do nome.
Os dois são risonhos.
Trabalham na mesma galeria, com o mesmo produto e com uma freguesia que tem -se tiver - pálidas diferenças.
Consideram-se londrinenses roxos, o que, para anotar, já é mais uma identificação.
Mas, suas vidas até parecem absurdas para a lógica do sistema, em que seu compadre rouba-lhe as meias sem tirar os sapatos.
Eu diria engraçados porque eles contrariam exatamente esta lógica imbecil. O Jorge tem um bar. E o Jaime tem outro.
Da janelinha do bar do Jorge, os dois conversam os mais diversos assuntos, trocam até os nomes dos fregueses mais duros, clientes constantes da pendura.
Os bares são na mesma galeria, meio espremida, desta cidade que abraçou as mais diversas procedências — os carcamanos, os açorianos, os japas, os ingleses, os baianos, paulista, gaúchos, paraibanos, brasileiros de cabo a rabo, sob o seu manto de terra roxa, cuja fama vazou fronteiras e preconceitos.
Sim, é obvio, há pequenas e quase imperceptíveis diferenças entre fregueses do Jorge e do Jaime.
Afinal, os ambientes são os mesmos e a cachaça custa o mesmo. A cerveja também.
Estas pequenas diferenças são de horários: às vezes, aquele paraguaio visita primeiro o santuário do Jaime, para depois rezar no balcão do Jorge, com os cotovelos enfiados nas histórias de sua convivência com a cidade.
Ou então aquele jornalista magriça, que não despreza um olhar mais agudo para as garotas que trabalham mais pro lado do Jaime, escorrega os salgadinhos do Jorge goela abaixo antes de visitar o bar vizinho.
Ou mesmo aquele imobilirista, pançudo e com cara de cansado, balança pra lá e pra cá, sem definir-se.
Sua única definição é pelo undenberg, que desce com um arrepio na nuca.
Mais ou menos os mesmos habitantes ocupam o metro disponível do estacionamento do Jorge ou as duas laterais do bar do Jaime.
As histórias, conversas e propostas também são mais ou menos as mesmas.
Também as desgraças, contadas com tom de cochicho ou de escândalo de manchete.
Ou as maldosas insinuações sobre as brasileiras que trabalham, de calças compridas ou vestidinhos colados, neste território. O cardápio também é o mesmo.
Vez ou outra, o Jorge corre provar a dobradinha do Jaime.
Por sua vez, o
Jaime descamba o paladar para as sardinhas fritas de Jorge.
Pra lá e pra cá, os dois não disputam, ajudam-se.
Engraçados.
Engraçados nada, eles desmoralizam os dentes da máquina capitalista.
Bonito o Jorge e o Jaime vivendo ali, na colméia do Centro Comercial, no coração de Londrina, alimentando famílias do lucro dos seus botecos, cara a cara.
Sem rancores. E poucas diferenças.
Ah sim, uma diferença que os aparta irremediavelmente: o Jaime, português, torce o bigode para a Portuguesa, com certeza. E o Jorge, nissei, não abre mão do Palmeiras. São diferentes.
Nilson Monteiro, iondrinense, êjornalista e escritor


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