domingo, 17 de abril de 2016

Histórias do Paraná - À beira do Ivaí

Histórias do Paraná - À beira do Ivaí

À beira do Ivaí
Maria Alice Volpato

Era poeira quando não chovia e barro quando chovia. Não tinha jeito mesmo. O pai vivia dizendo que ir de Peabirú para Maringá, onde naquele tempo tinha a agência do Banco do Brasil, só de cueca mesmo.
Isso porque, de cueca, ele podia "engolir pó" à vontade. E, antes de chegar na agência, punha a roupa limpa.
Estaria pronto para pedir mais um prazo para pagar as dívidas.
Nessas viagens de jeep, bom mesmo era quando chegava naquela curva, antes do Ivaí, o rio mais importante do Norte do Paraná. Depois da curva, lá estava o rio, imenso para os olhos infantis.
Marron, o barulho da correnteza dando arrepios na espinha.
Cercado pela mata, de todos os lados. O velho jeep avançava devagar e a gente imaginando quantas coisas podiam correr junto com as águas.
O pai respeitava o Ivaí e nas conversas dele era sempre aquela referência: "fica um pouquinho depois do Ivaí, ou iiiiiih, fica longe do Ivaí".
Um dia, ele chegou com a história dos sapatos brancos.
Contou que um caminhoneiro havia roubado uma mulher, levando para a beira do Ivaí e lá matado a pobre.
Depois de matar, o homem queimou o corpo, com gasolina tirada do tanque do caminhão.
Tudo o que sobrou foi um par de sapatos de salto, brancos, jogados perto do rio.
Foi a única prova do crime que a polícia encontrou.
Depois tinha a história do prefeito de um município vizinho, casado pela segunda vez, um verdadeiro escândalo para a época, já que a esposa legítima ainda morava na cidade.
Ele voltou de uma viagem trazendo a nova mulher. A Dona Maria, costureira, contou para a cidade inteira que, ao passar pelo Ivaí, a loira pediu ao marido para parar o carro.
Queria lavar o rosto antes de chegar.
Era a poeira de sempre.
Quando o jeep atravessava a ponte, de noite, a gente erguia a cabeça para olhar a mata.
Quem sabe, não podiam aparecer aqueles sapatos brancos, de salto alto? Quando era de dia, a gente ficava pensando como é que a loira finória do prefeito conseguiu lavar o rosto naquela água barrenta. E o olho pintado dela, como é que ficou depois?
O Ivaí continua lá, a ponte meio acanhada para olhos que já correram mundo. A história dos sapatos brancos perdida em alguma delegacia e a loira do prefeito, hoje respeitável viúva, nem deve se lembrar da passagem pela estrada.
Mas, toda vez que surge a curva, um pouquinho antes do rio, volta a antiga sensação de quem vai ver, finalmente, um par de sapatos brancos jogados na mata.
As águas, agora, correm depressa demais para os olhos adultos.
Com a mesma velocidade com que correram os anos.

Maria Alice Volpato é de Maringá, licenciada em Sociologia.


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