quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Histórias do Paraná - Os doze sertões

Histórias do Paraná - Os doze sertões

Os doze sertões
Roldão Arruda

Assim como Garcia Márquez, todo mundo tem a sua Macondo.
A minha chama-se Jaguasta, flutua numa colina sitiada por cafe-zais e povoa minha memória de ventanias, geadas e causos que dariam para alimentar trezentos anos de solidão.
Não adianta procurar no mapa. O nome é fictício, embora a cidade exista, a poucos quilômetros de Londrina.
Hoje, em vez de cafe-zais, navega entre pastagens e campos de soja.
Se não digo o nome real não é por vergonha, porque não sou filho ingrato, mas para evitar os chatos, que a cada causo poderiam dizer: "Não foi bem assim".
Na minha Jaguasta as coisas aconteceram tal e qual eu conto.
Vejam a história do Luís Fernando, pintor que desembarcou em Jaguasta nos anos 40, quando ainda se caçava cateto e as matas ardiam em queimadas tão vastas que as pessoas punham-se a imaginar os mistérios do inferno.
O pintor ficou avassalado por aquele bulício, o sangüíneo do céu, a poeira das boiadas. E começou a pintar paisagens.
Pintava desbragadamente, interessado apenas nas sensações e formas que o sertão lhe ofertava.
Sua casa, de madeira, sem móveis, era uma floresta de quadros a óleo.
Luas espelhadas em águas ciciantes, holocaustos de árvores, picadas enevoadas, casebres encravados em morros.
Solidões.
Na embriaguez, Luiz Fernando não se importou com a despensa vazia e a partida da esposa, que voltou para a casa dos pais.
Horrorizou-se, porém, quando a tinta acabou. Aí, tentou vender a obra.
Convidou pessoas a irem à sua casa.
Ninguém compareceu.
Levou os quadros para a praça da matriz.
Vendeu quase nada.
Bateu de porta em porta, puxando as telas num carrinho de madeira.
Em vão.
Lhe ofereceram comida, emprego na serraria, prazeres, porque era um moço bonito, mas não frearam o gosto do fracasso, seu inferno real.
Um dia, minha mãe varria folhas no quintal, quando uma vizinha passou e disse:
- O pintor endoidou.
Acendeu um fogo e está queimando os quadros.
Minha mãe largou a vassoura, pegou um dinheiro que guardava na gaveta do guarda-comida, para emergências, e correu para lá. Morta de dó. Vislumbrou o moço no meio da fumaça, fingiu que não viu a queima do Paraná e falou que queria comprar um quadro.
Com os olhos ardentes ele respondeu:
- Não quer levar uma dúzia? Faço pelo preço de um.
Depois da queima, foi embora dejaguasta e não pegou mais num pincel. Não o conheci, mas nunca esqueci dele.
Seria impossível, com aquela dúzia de vastidões pendurada nas paredes da minha infância.

Roldão Arruda norte-paranaense, jornalista em São Paulo.

Fonte: 300 e Tantas Histórias do Paraná, Brasil.

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