sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Histórias do Paraná - Tirintintin

Histórias do Paraná - Tirintintin

Tirintintin
Francisco Brito de Lacerda

A mulher do médico, depois de dar um banho no filho de cinco anos, botou nele a roupinha de marinheiro.
Bem penteado, cheiroso, o menino ficou na soleira da porta do consultório, sentadinho. A fim de que se mantivesse quieto, esperando o pai, ocupado no hospital, deu-lhe a mãe um pirulito vermelho.
- Segure só no pauzinho.
Cuidado pra não se melar. A mãe vai terminar um doce bem gostoso...
Mesmo sendo de esquina a casa, não carecia vigiar a criança.
Se surgisse um barulho diferente, bastava pôr a cabeça para fora.
Na tarde modorrenta, afora três fordinhos, os únicos da cidade, só poderiam passar a carroça de lenha, quem sabe a gaiota do Filipão. E raros transeuntes. A Tila, cesta na mão, indo à padaria. A Tila, de volta, trazendo pão de trança, especial, e meio quilo de bolacha preta.
O silêncio permitia ouvir o roçagar das folhas secas, arrastadas pelo vento, o martelar de uma araponga, o sino da capelinha...
Se aparecesse um aeroplano, vôo rasante, dona Maria Cândida ia jurar que tinha visto os dentes do aviador, lindos.
Um discurso do Murbach, na praça, desafiando a estátua do general Carneiro para um duelo, não tirava a sonolência da cidade. O circo, esse sim, punha a Lapa fora de sério; só de pensar no trapezista, magnífico na sua roupa colante, as moças ficavam atiçadas, rindo sem motivo.
Na moleza daquele sábado (não havia circo nem avião), um beija-flor bem louquinho, empolgado com a esplendorosa primavera, entrara no quarto pela janela erguida.
Batia-se o bichinho contra o lavatório, na maior farra, cismático com o outro beija-flor que o espelho mostrava.
Um ruído trouxe a mãe à janela.
Alguém conversava lá fora.
Perplexa, ela nunca mais esqueceu a cena.
Sentado no mesmo degrau, Jorge Louco chupava pirulito de mano com o menino; segurando a guloseima, dirigia a chupança, beiços brilhantes de tanta baba açucarada. O guri ficava aguardando a vez, fazendo bicos, que nem filhote de tico-tico, à espera daquela coisa quente, gostosa...Bem na hora em que a mãe pulou a janela (queria evitar que o pirulito voltasse à criança), Jorge nem precisou insistir. O menino tinha a boquinha aberta, e por ela o beócio introduziu a doçura até a metade...

Francisco Brito de Lacerda, advogado

Fonte: 300 e Tantas Histórias do Paraná, Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário