sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Histórias do Paraná - Tudo ou nada na Jeca

Histórias do Paraná - Tudo ou nada na Jeca

Tudo ou nada na "Jeca"
Murilo Walter Teixeira

Cena concebida em Guarapuava nos anos quarenta.
Um piá, meio debochado, com seus onze anos bem vividos, chega próximo à turma e vai logo convidando para um jogo de "búrico".
Calça curta.
No bolso do lado esquerdo uma boa quantidade de bolas de gude. Pés no chão. O de-dão esfolado de algum tropicão. A poeira impregnada com resíduos de sangue localiza-se no canto da unha do dedão.
Na canela, uma linha transversal provocada por algum espinho.
Ainda se vê um pingo de sangue coagulado que principiava a escorrer.
No joelho da perna direita sinal de algum ferimento provocado por algum tombo; a "casca" da ferida em cicatrização destoava de sua pele clara.
- Querem jogar no "turco" ou na "nela"? — disse o guri.
No turco, cada parceiro, dois ou mais, colocam (caseiam) a bola em linha reta.
De uma certa distância procura-se atingir a primeira bola.
Aquele que o fizer, terá direito em prosseguir no jogo.
Ganha se acertar em mais de uma. O adversário "caseia" outra bola.
A "nela" é uma cavidade feita no solo (panela), arredondada com o calcanhar.
Haviam aqueles exímios nesse trabalho.
Joga-se de uma certa distância nesse buraco tentando introduzi-lo ou mesmo afastando a bola do adversário para dificultá-lo na ação de acertara a "nela". Era o tudo ou nada na "jeca". Esta "jeca" era a jogadeira de cada um.
Aquele que primeiro pronunciasse esta frase estaria livre do assédio do adversário e permitia, se possível, atingir a jogadeira do adversário, afastando o mais longe do palco da disputa.
Além das bolas normais com os mais diversos coloridos, havia aquelas especiais: pioquinho ou piolhinho.
Uma bola minúscula de uma cor forte com frisos de cores diversas. O carretão era grande, chegando ao tamanho de uma bola de ping-pong.
Para não escorregar nos dedos, os jogadores provocavam pequenas fraturas no vidro, dando mais segurança e facilidade em acertar a dos adversários.
Alguns, com força e maestria, rachavam ao meio a bola atingida, causando dissabor e humilhação, mormente ao ver sua "preciosa" jogadeira nesse estado.
O terreno nesse pequeno espaço ficava limpo, permitindo que os jogadores apresentassem as suas façanhas de craque.
Após algum tempo de peleja, até que alguém estivesse "liso", sobrando, às vezes, somente a jogadeira, desciam as ladeiras para algumas braçadas nos inúmeros "pocinhos" dos riachos que circundavam a cidade de Guarapuava.
Num colégio religioso do município de Prudentópolis, as freiras, não permitindo esse tipo de lazer, constantemente tomavam dos jovens as bolas de gude e introduziam por uma fresta no assoalho da casa, na esperança de acabar de vez com tal divertimento.
Mas algum jovem astucioso e audaz embrenhava-se pelo pequeno espaço do porão e, com certa dificuldade, recuperava seus "búricos". Curiosas, as freiras não atinavam como aqueles alunos adquiriam continuamente ditas bolas, num círculo interminável.

Murilo Walter Teixeira, dentista em Guarapuava

Fonte: 300 e Tantas Histórias do Paraná, Brasil.

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