sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Histórias do Paraná - 1964 e depois

Histórias do Paraná - 1964 e depois

1964 e depois
Valencio Xavier

Luís Carlos Prestes esteve no Paraná uns dez dias antes do golpe militar de 1964 - o golpe começou no dia 31 de março e deu certo no dia Io de abril.
Como 1o de abril é dia da mentira, depois de algum tempo da Ditadura Militar, o povo brasileiro, que não é bobo nem nada, já tinha percebido que fora obrigado a engolir uma sinistra mentira e aproveitava o dia do aniversário para gozar a "reboldoza", era a única coisa contra que dava para fazer naqueles tempos de censura, tortura e morte. E como coisa que milico golpista não tem é humor, trataram de antecipar as comemorações da sua "revolução" para 31 de março.
Coisas da ordem do dia até hoje.
Antes de falar da vinda de Prestes é bom dizer um pouco do clima daqueles tempos: naquele 64 as coisas se atropelavam.
Jango no governo, a direita com medo de um golpe de esquerda - ali ainda havia direita e esquerda - que tinha medo do golpe da direita. A direita jogava com todas as cartas: embaixada americana, USIS, CIA, dólar rolando, viagens pagas aos EUA, a ameaça do inferno, Padre Peyton que a pretexto de organizar a Marcha da Família mandava os fiéis de Curitiba espionarem os moradores do seu quarteirão marcando quem era de direita e
quem era de esquerda.
A esquerda dividida como sempre: os comunistas divididos entre o PCB de Prestes, o PC do B do Mão-Tse-Tung e os que pregavam a revolução sem se entenderem na Boca Maldita.
Todos meio contra Jango. Já Cuba nem se parecia com nenhuma dessas esquerdas, parecia coisa melhor.
O govemo do Estado enganava em cima do muro.
E ainda havia os que sonhavam Pão Paz e Prosperidade.
E nesse clima que Prestes, chefe do PCB, vêm à Curitiba para falar às esquerdas na sede do partido, um salão que por economia era também a redação do semanário vermelho A Tribuna do Povo.
Como na câmara dos deputados hoje, não havia quorum.
Quando muito umas vinte pessoas ardidamente esquerdistas.
Entre elas o secretário geral do PCB do Paraná, Agliberto Azevedo, revolucionário de 35, único líder sindical, alguns intelectuais de carteirinha, alguns comunistas históricos e outros nem tanto.
Havia até um maoísta, eu, peruano.
Todos sentadinhos em compungido silêncio escutando o grande revolucionário analisar o que estava acontecendo. O sensitivo Prestes, com sua candura, dizia coisas para ele certas, que queria certas para nós também. O único de pé, Agliberto, nos olhava do alto de sua sabedoria.
Lá pelas tantas, Prestes profetiza: 0 Jango está dono da situação, e nós com ele.
Ele conta com apoio militar e vai dar o golpe. Aí, nós comunistas tomamos o poder sem ter de disparar um só tiro.
Não sei se naquele momento aquela dúzia de gatos pingados, comunistas do Paraná, bateram palmas. Só me lembro da cara do Agliberto sorrindo com superioridade para nós como quem diz: <cViram?! Nós já somos o poder!"
Não sei, a única coisa que sei é que dez dias depois todos daquela sala e milhares de brasileiros, homens, mulheres, crianças, jovens, adultos e velhos estavam fugidos, escondidos, exilados, presos, torturados, mortos, humilhados e ofendidos pelos mais sangrento regime que este país jamais conheceu.
As vezes, lembro Prestes naquele dia e penso se ele acreditava mesmo naquilo que dizia ou... sei lá... cada um pense o que quiser.

Valendo Xavier, escritor, historiador e diretor de TV

Fonte: 300 e Tantas Histórias do Paraná, Brasil.

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