sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Histórias do Paraná - Sociedade de São Cornélio

Histórias do Paraná - Sociedade de São Cornélio

Sociedade de São Cornélio
Túlio Vargas

Ninguém desconhece o papel desempenhado pelos estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo na propagação das correntes literárias, publicadas na "Imprensa Acadêmica" ou no "Radical Paulistano", onde pontificaram Fagundes Varela, José Bonifácio "O Moço", Álvaro de Azevedo, Castro Alves, para citar apenas alguns.
Ou ainda a "Escola do Recife", na qual Gonçalves Dias, Tobias Barreto, Castro Álves, outra vez, absorveram as idéias do intelectualismo de Renan, cuja primeira fase foi eminentemente poética na batalha do realismo contra o romantismo.
Esses estudantes se reuniam em "repúblicas" ou clubes acadêmicos para estudar leitura, compor versos, armar "trotes" e traduzir textos franceses.
Adoravam o ritual das sociedades secretas que adaptavam nas suas liturgias improvisadas.
Os acadêmicos de Curitiba não fugiram à regra.
Integrantes da turma de 1937 da Faculdade de Direito (Cordovan, Mário, Hermenegildo, Hugo, Edgard, José Elias, Murilo, Hélio, Levy, Brasilino, Kiyossi), a que se juntaram acadêmicos de outras turmas ou Faculdades (Dutra, Ruy, Aramis, César, Ayron), cansados, talvez, das "futri-cas" das políticas universitária e nacional, esta submetida à ditadura getuliana, e dos galanteios às meninas na saída das matinês de sábado do Cine Avenida e no "footing" dos domingos na Rua XV de Novembro, fundaram a "Sociedade de São Cornélio" (o nome do patrono disfarçava uma ironia). E, a exemplo das rodas boêmias dos cafés "literários" do Rio de Janeiro, onde, como narra Brito Broca, no fim do século 19 e início do atual, "nada se resolve sem versos ou pelo menos sem trocadilhos" que envolviam Olavo Bilac, Guimarães Rosa, Martins Fontes, Lima Barreto e muitos outros literatos, que reuniam-se no Café Belas Artes e, depois, no Café Brasil, sob a presidência de Cordovan Frederico de Mello, perfeito "gozador", extrovertido, brincalhão e em cujos olhos nunca reluziu a tristeza, para disputar o cafezinho nos "palitos" e fazer de versos a regra de linguagem e das brincadeiras que visavam elogiar, censurar ou ridicularizar comportamentos e em que o alvo predileto eram os próprios integrantes da turma, protagonistas de romances mal sucedidos...
A maioria versejava com domínio da técnica e da retórica, embora distante da perfeição, com que se expressariam os verdadeiros Poetas da turma de 1937: Heitor Stockler de França, Florentina Vitel de Macedo e Manoel Thomaz Pereira, destacando-se, inspirados nos Poetas maiores, particularmente da fase romântica em plena efervescência, Cordovan, José Elias Küster e Kiyossi, o chamado introdutor diplomático, autores de mais de uma centena de sonetos, alguns líricos e outros satíricos, ou de acrósticos sentimentais em voga na época, dedicados a Zilá, Flori, Neide, Sarita, Dulcinda, Circe, Maria, Felícia, Celeste, Rosette e outras "musas". Onde estarão elas?
Essa sociedade sobreviveu poucos anos após 1941, ano da colação de grau da Turma "Clóvis Beviláqua", havendo quem, às vésperas da formatura, confessasse: "Tornar-se bacharel era um anseio/ Incomparavelmente sedutor/ Dinheiro, posição, glória e amor/ Vinham do nome ao rápido meneio/ Hoje, porém, que tétrico receio/ Nos causa a hora de virar "doutor"/ falta o "smoking", a beca, o anel (que horror)/ Falta o sapato e a roupa de passeio..."
Alguns dos membros já partiram... Outros estão aí a curtir a nostalgia, recordando os versos dos bons tempos: "Por fora, a chuva na janela traça/ Filigranas exóticas, enquanto/ Ante meus olhos unidos de encanto/ A caravana da saudade passa...

Túlio Vargas, ex-deputado e titular da Academia Paranaense de Letras

Fonte: 300 e Tantas Histórias do Paraná, Brasil.

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