sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Histórias de Curitiba - A Derrota do Craque

Histórias de Curitiba - A Derrota do Craque

A Derrota do Craque
Hélio Teixeira

- Este é o serviço de alto-falante Grená, transmitindo diretamente do campo do 5 de Maio.
Por volta das 10h., quando a gurizada de terno de calça curta deixava a missa e o catecismo na Igreja Coração de Maria, pelas bandas da Baixada, ouviam-se os ecos da voz rouca chamando o "Festival" no 5 de Maio.
Diante do estádio do Atlético, estendia-se um "tapete verde" repleto de rosetas espinhentas, onde a piazada de pé descalço corria atrás da bola en-vernizada com o resto de sebo conseguido no açougueiro da esquina.
Pelas ruas em pavimentação asfáltica ou em paralelepípedos, as meninas jogavam caracol, pulavam corda, enquanto os garotos viviam no "tempo". Ora era tempo de pião, ora de jogar "7 pecados", ora de descolar figurinha no bafo ou gradualmente foi ganhando feições de cidade grande, substituindo por asfalto o pó das ruas em dia de sol e a lama que en-coscorava as barras das calças nos dias de chuva.
O gramado do 5 de maio, onde até o final da década de 60 garotos com a bola nos pés estufavam redes imaginárias em bali-zas marcadas por dois tijolos, sumiu.
Como ele, dezenas, talvez centenas de cenários dominicais da "várzea" curitibana foram ocupados pelo crescimento urbano da cidade.
Exatamente nos "festivais" da várzea, na verdade uma série de partidas matinais e à tarde, foram revelados inúmeros craques que depois foram vestir as camisas do Atlético, Coritiba e dos falecidos Ferroviário, Britânia e Água Verde.
Ao redor das mesas de tru-co ou no balcão rústico de madeira bruta, onde repousava a cerveja conservada em barras de gelo cobertas de serragem, cultivavam-se amizades, namoros e até casamentos. E também estavam ali, é claro, "olheiros" descomprornissa-dos que percebiam no trato e habilidade com a bola e na ginga da cintura o futuro craque.
Que em seguida era levado ao clube do coração do olheiro como uma verdadeira preciosidade, numa atitude muito distante dos atuais "empresários" de jogadores de futebol.
Com o "Sabuga", apelido de Celso Prado, um endiabrado com a bola nos pés, não poderia dar outra.
Encantado com seus dribles fenomenais e seu oportunismo na hora do gol, um olheiro o tirou do gramado maltratado do 5 de Maio e, mais que depressa, o carregou para o time profissional do velho Britânia.
"Sabuga'’ foi louvado como uma rara e espetacular promessa para o futebol profissional.
Logo no primeiro treino, porém ele re-velou-se um completo desastre.
Obrigado a calçar chuteiras de travas altas, o craque encolheu e seu inventivo futebol sumiu.
Acontece que "Sabuga" nunca calçara chuteiras na vicia, só jogava descalço.
Depois disso, acabou desistindo da bola e foi ser bombeiro.
As chuteiras derrotaram o craque.
Da mesma forma que o gramado do 5 de Maio, transformado em praça, dobrou-se ao i-nevitável progresso que embeleza
a cidade, mas risca do mapa inúmeros campos de várzea e acaba matando centenas de "sabugas".

Hélio Teixeira é jornalista.


Fonte: 300 e Tantas Histórias do Paraná, Brasil.

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