sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Histórias de Curitiba - As Barricadas de Curitiba

Histórias de Curitiba - As Barricadas de Curitiba

As Barricadas de Curitiba
Luiz Manfredini

O busto em bronze do Reitor Flávio Suplicy de Lacerda estatelou-se ao cabo de poucos minutos.
Juntamo-nos para hastear a bandeira e cantar o Hino Nacional. Éramos milhares e es-távamos febris no início da manhã de 14 de maio de 1968. Havíamos tomado de assalto a Reitoria da Universidade Federal do Paraná que, olímpica, vetusta e arrogante, afinal arquejava diante da nossa fúria súbita e juvenil.
Corriam os memoráveis anos 60, em que afrontar as instituições era um influxo irreprimível e hegemônico.
Em todo o mundo, mais de 600 milhões de jovens lançavam para as ruas o brado do seu inconformismo.
Muito do que se fez na época foi verdadeiramente revolucionário, audacioso, demolidor.
Lutávamos, naquele momento, contra o ensino pago que a ditadura começava a instituir na UFPR, e pretendíamos impedir o vestibular de um curso noturno -e pago - da Faculdade de Engenharia.
Havíamos promovido manifestações no Centro Politécnico, então um campo aberto em que a PM e sua cavalaria invariavelmente nos impunham derrotas.
Imaginamos reverter a desvantagem e planejamos o assalto à Reitoria.
Dos cerca de três mil universitários e secundaristas que se reuniram na praça Santos Andrade, às sete horas do dia 14 de maio, apenas um grupo de 80 sabia que a convocação inicial - juntar-se ali para marchar para o Centro Politécnico - era manobra diver-sionista.
Nosso objetivo era a Reitoria, para a qual seguimos divididos em duas espessas colunas -uma pela rua XV, outra pela Aminlas de Barros.
As oito horas já ocupávamos toda a cjuadra, e erguíamos barricadas de metro e meio de altura com os paralelepípedos arrancados das ruas.
Estávamos armados, estupidamente armados com bolas de gude, rolhas de cortiça, estilingues e rojões.
Pouco depois das nove, as tropas começaram a chegar, a pé e à cavalo, armadas com máscaras e bombas de gás, cassetetes e espadas.
Cercaram as barricadas.
Estávamos serenos. A correlação de forças era equilibrada.
Dispúnhamos de alguns coquetéis "molotov". Sabíamos que os rojões semeariam pânico e dispersão entre os soldados e seus cavalos, que os milhares de estilingues arremessariam bolas de gude contra as tropas.
Vivíamos na doce harmonia da nossa comuna.
Passeávamos pelo território ocupado, conversávamos, alguns jogavam cartas, outros namoravam.
Sentíamo-nos orgulhosos e em paz.
As negociações conduzidas pelo Presidente da UPE, Stênio Sa-lles Jacob, culminaram com um acordo no final da manhã: as matrículas do curso noturno de Engenharia não seriam abertas até que se obtivesse a garantia da gratuidade do ensino.
As tropas deixariam o local e ninguém seria preso.
Comemoramos com gritos e o espoucar dos milhares de rojões originalmente destinados à PM. Rapidamente desocupados os prédios, desfizemos as barricadas e saímos em ruidosa passeata pela XV até a praça Ozório.
Em Paris, naquele instante, os estudantes haviam tomado a centenária Sorbonne.
Dias mais tarde, o Conselho Universitário extinguiu o pagamento de anuidades na Universidade Federal do Paraná.
Nós, "communards" da simplória Curitiba, enchíamo-nos de satisfação e glória.

Luiz Manfredini é jornalista e escritor.


Fonte: 300 e Tantas Histórias do Paraná, Brasil.

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