Histórias de Curitiba - Animadores do Cotidiano
Animadores do Cotidiano
Luiz Geraldo Mazza
O que salva a cidade, pelo menos em grande parte, de sua inclinação para o formalismo (e o do curitibano é ainda hoje exasperado) é a galeria de tipos populares.
Com menos habitantes e mais provinciana era mais fácil catalogá-los, como o Rafael Greca fez num ensaio para a Fundação Cultural de Curitiba.
Modernamente há poucos remanescentes, como a Maria-Marcha-Lenta, uma esmoler, que adoentada como um ventre enorme sugere uma gravidez de anos e não meses,- a Dama de Roxo, uma lúmpem que se traja de plástico e adornos retirados até de coroas funerárias; o jovem Benedito, um negrinho trabalhador, portador de delírio ambulatório e que anda a correr pelas ruas imitando, onomatopaica-mente, os mais desencontrados sons dos animais (cães ganindo e brigando, gatos no cio, pássaros, cavalos) aos da máxima tecnologia como a sirene da polícia francesa, dos aviões a jato, os bips de máquinas cibernéticas, sons de trens antigos movidos a lenha ou de trens-bala.
Com a morte do Bataclan, um macróbio atleta, negro, que o Brasil inteiro conhecia, que andava em pleno inverno de calção pelas avenidas de Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre a fazer pregações cívicas e de obediência à pátria, ficou, sobretudo, a irreverência sistemática do Alvino Cruz, o Esmaga, um "mordedor" de 62 anos, funcionário público aposentado, que há mais de 30 anos "dobra" políticos e empresários na faina de pegar dinheiro.
Tido por muitos- como uma consciência crítica da cidade na visão punk, o Alvino Cruz é uma figura marcante.
Certa ocasião encheu tanto o saco de freqüentadores do Teatro Guaíra que a direção exigiu que ele abandonasse o local por suas interferências importunas como a que fez com um casal, seu conhecido, que assistia a peça Otelo, de Shakespeare, enquanto ele, na poltrona de trás, 1a dizendo o que aconteceria:
- Olha, esse tal de Yago é um fofoqueiro pior que o Anfrísio Siqueira (presidente da Boca Maldita). Vai deixar o negro (Otelo) com dor de corno por causa da loira (que ele chamava de Desde-monha, talvez para ligar ao demônio) e ele mata.
Coisa de sair na "Tribuna" na primeira página.
Apesar dos psius, seguidos, intermitentes, para que não perturbasse a assistência, o Esmaga continuava e na hora do desen-lace, vitorioso, diante da morte de Desdêmona (Tônia Carrero), dizia: "eu não falei?"
"Exilaram" o Esmaga em Morretes.
Foi pior a emenda do que o soneto: ele ficava na frente do Bar Barril, por onde era obrigatória a passagem dos carros que demandavam ao litoral, e sua intimidade com figurões, como Ney Braga, Norton Macedo, secretários de Estado, empresários, deixou a pacata província alarmada com a hipótese, tantas eram as perfídias que aprontava, de ser um "espião" do governo naquela cidade. E Morretes só respirou quando o Esmaga foi embora.
A um senador que decidira apoiar Bento Munhoz da Rocha ao invés de Paulo Pimentel, indicado por Ney Braga como canditato à sucessão, marcou sob pressão e o agrediu verbalmente.
- Senador, que papelão, hein? Deu uma de porco: comeu e virou o coxo!
Luiz Geraldo Mazza é jornalista.
Fonte: 300 e Tantas Histórias do Paraná, Brasil.
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