sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Histórias do Paraná - Idéias exóticas

Histórias do Paraná - Idéias exóticas

Idéias exóticas
Adalberto S. Gomes

Materialismo dialético, revolução proletária, lutas de classes... Você acredita que temas e conceitos dessa natureza sejam facilmente ensináveis a uma criança normal de apenas dois anos de idade? Pois guarde o sorriso.
Houve um tempo, não tão distante assim, em que os chamados "órgãos de segurança" do país não só acreditavam num disparate desses, como, até, mandavam prender os "agentes responsáveis pela inoculação, nas inocentes criancinhas do terrível vírus das ideologias exóticas" (cruz credo).
Aconteceu aqui mesmo, em Curitiba, em março de 1978. Final do governo do General Ernesto Geisel, apelidado a boca pequena de "Alemão". O general-presidente acenava à nação com uma tal de "distensão lenta e gradual", espécie de travessia para substituição, em prazo indeterminado, do arbítrio pelas leis. Não era muito, mas para os setores mais à direita do próprio governo isso era até demais.
Daí a reação em áreas do próprio governo, com ações violentas patrocinadas por órgãos de repressão, velada ou abertamente.
Nesse clima, na noite de 18 de março, um sábado, agentes da Polícia Federal de Curitiba batem à porta de onze intelectuais e professores e os levam presos, incomunicáveis, sob a alegação de que desenvolviam "atividades contrárias à segurança nacional". Os intelectuais e professores eram todos ligados a dois pequenos jardins de infância, "Oca" e "Oficina", fundados com a preocupação de proporcionar um bom atendimento pré-escolar às crianças.
Mas, segundo a Superintendência da Polícia Federal no Paraná, em nota oficial distribuída no dia seguinte às prisões, nessas duas singelas escolas as crianças seriam "doutrinadas dentro de princípios marxistas, desenvolvendo-se-lhes uma visão materialista e dialética do mundo".
A revista Veja, na edição de 29 de março de 1978, registrou o caso em reportagem intitulada "As crianças e o vírus das idéias exóticas". Eis alguns trechos:
"Jean Piaget, o psicólogo suíço levemente progressista, que se consagrou no entre guerras como um mestre na pedagogia infantil, costumava ensinar que a natureza e o funcionamento da articulação mental no adulto estão intrinsicamente ligados à formação da criança.
Em Curitiba, neste final dos anos 70, isso tornou-se subversivo.
Tanto que, na semana passada, sessenta crianças entre 18 meses e 6 anos de idade, matriculados nas escolas Oca e Oficina,
da capital do Paraná, encontravam-se sob a suspeita de estarem inocula-das com o vírus das ideologias exóticas transmitido através de método de educação adotado pelos professores do pré-primário e baseado nas teorias do notório Piaget.
"Nas decantadas provas coibidas pelos policiais entre os arquivos, encontrava-se, por exemplo, o relatório de um dos professores, com a seguinte observação. ‘Os bebes já estão compreendendo o significado do chamado para lavar as mãozinhas antes do lanche’. E as histórias lidas para as crianças de 4 a 6 anos, eventual instrumento para doutrinação, ostentavam títulos como ‘A Cabra Cabrez’ e o ‘0 Bicho da Folha Seca’... "
Os intelectuais e professores foram soltos dias depois e, mais tarde, o inquérito engavetado.
Afinal, nem o zeloso guardião da segurança nacional de Tubiacanga, o espaventoso Major Bentes, acreditaria ser possível ensinar marxismo a crianças de dois ou seis anos.

Adalberto S. Gomes, professor secundarista

Fonte: 300 e Tantas Histórias do Paraná, Brasil.

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