quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Histórias do Paraná - Susto inusitado

Histórias do Paraná - Susto inusitado

Susto inusitado
Flora Munhoz da Rocha

Quando eu soube da morte de Emir Caluf, a memória trouxe à tona a lembrança de seu pai Miguel Caluf e o susto que um dia ele levou.
Seu Miguel, proprietário da loja de tecidos "O Louvre", permanecia simpaticamente a postos atendendo a freguesia.
Amélia era freguesa de sua predileção que se abastecia a preço de custo.
De repente Amélia adoeceu gravemente, tão gravemente que foi desenganada. E quando o médico, no seu último exame, disse "É o fim.
Nada mais a fazer", a família compadecida se fez presente a seus últimos instantes.
Enquanto a respiração tor-nava-se mais lenta e espaçada, cochichavam sobre velório e sepultura.
Uma prima zelosa, que sabia de como Amélia desejaria sua mortalha, para adiantar o serviço, saiu pé-ante-pé rumo à loja de seu Miguel.
Pediu tule rosado e cetim lilás e, quando seu Miguel indagou "Para quem?", a prima levou o lencinho aos lábios pronunciando ‘Para Amélia". Ele voltou a perguntar "Quando?". Sem saber como responder murmurou "Agora". Seu Miguel, penalizado, fez questão de ofertar a mortalha.
Poderia escolher o que quisesse, não cobraria um centavo.
Disfarçando o embrulho, entrou cautelosa no quarto de Amélia.
Ela ainda não exalara o último suspiro.
Ressonava sem agonia. "E a melhor hora da morte", sussurravam, "Vai morrer que nem um passarinho".
Caía a tarde. O quarto na paz e na quietude.
Alguém tamborilava com as unhas quebrando o silêncio fúnebre.
Passou-se uma hora e mais outra e mais outra.
Agora, através da janela um luar brilhante pousava sobre os lençóis.
Na penumbra, só fraca lâmpada iluminava a agonizante.
Enquanto uns cochilavam, outros com a cabeça apoiada na mão aguardavam o desenlace. O céu já clareava num prenúncio de aurora.
Entre-olharam-se indagando. O mau presságio dava lugar à esperança.
Vieram as chuvas. Veio o sol. Veio a primavera.
No decorrer da convalescença, Amélia repetia "A morte me agarrou e me largou". O cetim e o tule a comoveram.
Haveria de agradecer pessoalmente a seu Miguel.
Manhã de céu azul.
Amélia entra no "Louvre" com passos miúdos.
Parou para respirar.
Naquele exato momento seu Miguel passa rente a ela.
Deu dois passos e virou-se em meia volta urgente exclamando um meu Deeeus! de extremo espanto.
Empalideceu diante da assombração.
Senhor Jesus, era ela em pessoa.
Esfregou os olhos não podendo acreditar.
Como? Se ele próprio pranteara sua morte ofertando-lhe a mortalha com tanta ternura... e agora surgia em plena luz do dia vivinha-da-silva!
Após o instante de estar-recimento, conseguiu articular "Como fei?"Ela falou "Acho que fui e voltei’’.
Durante quanto tempo se pode ficar em estado de choque diante de uma pessoa ressuscitada? Foi só quando Amélia, tirando os óculos,
deu uma risada e olhou cara a cara que seu Miguel voltou a si e, estendendo braços, os dois se abraçaram.

Flora Munhoz da Rocha, ex-primeira dama do Estado, é cronista.

Fonte: 300 e Tantas Histórias do Paraná, Brasil.

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