Histórias do Paraná - Desprezou a liberdade
Desprezou a liberdade
José Cadilhe de Oliveira
Fluía o início da década de cinqüenta.
Recém-formado -1949
— fui nomeado advogado dativo pelo Juiz da Comarca de Colombo para defender um réu que havia, em briga de bar, assassinado um homem.
A bebedeira que originou o crime ocorreu num sábado, dia propício para acontecimentos policiais, notadamente em cidades menores, pois, em finais de semana, é que o homem ligado ao campo vem à cidade em busca de distração maior, quando, então, se envolve em turbulência que, via de regra, finda na polícia.
A briga que envolveu meu cliente não foi das maiores.
Embriagados, os contendores, munidos de facas, produziram lesões recíprocas de nenhuma gravidade mais contundente.
Todavia, a vítima, que havia sofrido estocadas não profundas e residia a menos de dois quilômetros de Colombo, não buscou socorros médicos ou até mesmo farmacêuticos.
Na crendice popular de seus famiüares, procuraram estacar o sangue somente com os chamados remédios caseiros advindos de orientação de curandeiros.
No processo, provado ficou que nos ferimentos, a títulos de cuidados, foi colocado pó de café, pasta de farinha, teia de aranha e até certo tipo de esterco.
Infelizmente, a vítima esvaiu-se em sangue e, ainda, sofreu complicações em face dos "remédios" ministrados.
Na sessão do Júri, aleguei legítima defesa, além de que a causa eficiente da morte, não haviam sido as facadas e, sim, a hemorragia e a falta de atendimento médi-co-hospitalar que, efetuado, facilmente teria estancado o sangue e curado o paciente.
Obtive absolvição unânime. A Promotoria Pública recorreu da sentença que, todavia, foi confirmada na segunda instância.
De posse do Alvará de Soltura, encaminhei o mesmo à direção do presídio onde o detento estava recolhido.
O absolvido, que detinha bom comportamento carcerário, havia, durante a lenta tramitação do processo, sido transferido para o estabelecimento penal agrícola de Piraquara, para onde levara sua família e colocara os filhos na Escola ali existente.
Morava em pequena casa dotada de luz, água e cultivava, ainda, uma horta que era seu orgulho.
Tudo ao contrário de Colombo quando lá residia, já que vivia num tosco casebre sem nenhum conforto e não existia escola para a criançada.
A par da absolvição, o ex-réu não queria ser posto em liberdade.
Todavia, o Diretor do estabelecimento penal não só necessitava da vaga para outro detento como, de lei, não poderia manter preso um homem que havia sido absolvido pela Justiça, com decisão transitada em julgado.
Ai houve o famoso "jeitinho brasileiro". O Diretor, humano por excelência, consultando superiores, permitiu que o inocentado e seus familiares ficassem até o final do ano, tudo sob o pressuposto que, assim, as crianças não perderiam o ano escolar e o produto da horta poderia ser colhido e usufruído por quem o semeou.
Nosso homem ficou, sob estranha custódia, por mais algum tempo - dois meses aproximadamente - quando, finalmente, deixou o presídio.
A liberdade para ele não era, na oportunidade, a coisa mais importante e, desse modo, a desprezou solenemente.
Nunca mais tive notícias do indigitado cliente...
José Cadilhe de Oliveira, advogado
Fonte: 300 e Tantas Histórias do Paraná, Brasil.
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