Histórias do Paraná - Nascido num atoleiro
Nascido num atoleiro
Tadeu de Souza Barião
O caixão do pai mal tinha baixado à cova e Darci Balestro já estava procurando quem quisesse comprar sua parte no sítio pequeno em Vila Nilza, lugarejo perdido no município de Iporã. "Quero fazer a vida em Rondônia", dizia.
Como ele, milhares de agricultores paranaenses agarraram o rumo de Mato Grosso e Rondônia na década de 70, na esperança de melhorar de vida.
Curioso foi a desculpa que Darci inventou para a aventura, quando desculpa nenhuma era preciso.
"Tão falando que o asfalto não demora a chegar na vila, e eu não gosto de asfalto", disse.
Ele gostava de contar que nasceu no corredor de um ônibus, durante um encalhe gigantesco.
Foi num atoleiro de Cianorte Cruzeiro do Oeste, "a estrada mais perebenta do Brasil", no dizer do escritor Domingos Pellegrini. A mãe, que voltava de ônibus de Maringá, grávida de oito meses e meio, recusou a carona de jipe achando que o atoleiro secava logo ou que uma patrola ia conseguir abrir desvio. Õ encalhe durou quatro dias.
No segundo, bem cedo, depois de uma noite mal dormida, a mulher entrou em trabalho de parto.
Foi acudida uma freira vicentina que também viajava no ônibus. E ali mesmo, no corredor forrado com duas mantas, nasceu Darci Balestro.
Na rodoviária, já embarcado no "União Cascavel", Darci Balestro se despediu dos irmãos com sua frase predileta: "Quem nasceu num atoleiro, carece de mato prá viver". E lá foi ele.
Sonhando, quem sabe, com uma estrada barrenta e um enorme atoleiro.
Chuva, lama empoçada, um caminhão enfiando as rodas no barro e atolando de atravessado no meio da estrada, afundando mais e mais a cada tentativa de sair.
Mais provável sonhasse com a nova vida em Rondônia.
Pelo preço de um alqueire no oeste do Paraná dava para comprar cinco, oito, dez alqueires lá para cima.
Ainda indeciso se entrava na fila dos assentamentos do Incra ou comprava direto uma terrinha.
No estomago, o azedo da insegurança — plantar o quê por aquelas bandas? Cacau? Nunca nem vira pé.
O ônibus sacolejou dias.
Até Cuiabá ainda foi suportável.
Mas depois, pela barrenta BR-364, quase um rastro no meio da mata, foi demais até mesma para quem nasceu num atoleiro.
Em Vilhena, portal de entrada de Rondônia, mentiu que não tinha dinheiro algum — medo de roubo — e os funcionários do Incra tentaram desacorçoá-lo de seguir viagem.
Foi em frente.
Até Cacoal, mais ou menos no meio do Estado. A terra ali era roxa, o sotaque do povo, familiar.
Tudo paranaense ou gaúcho.
Darci Balestro achou que era um bom lugar pra ficar e ficou.
Daí para a frente, é a historia de um pioneiro bem sucedido.
A compra do primeiro lote de terra, a abertura do primeiro roçado, a primeira malária, outro lote de terra, outra malária, um olho na filha do gaúcho, Vicente Basso, a terceira malária, a primeira colheita de cacau...
Para resumir as coisas, nesses quase vinte anos Darci Balestro pegou suas malárias, casou com Irma Basso,
fez quatro filhos, tem cinco grandes fazendas — cacau, café, gado
- , três lojas de material de construção em Cacoal, uma concessionária Ford, um casarão plantado no meio de uma quadra toda, quase no centro da cidade, piscina de 200 metros, e duplex com três suítes em Porto Velho.
Dia desses, Darci pegou a F1000, cabine dupla, e desafiou o filho mais velho:
- Junior, topa um partidinha de bocha lá em Vila Nilza?
Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná... Diferente essa viagem de volta.
As estradas todas asfaltadas.
Menos na chegada de Vila Nilza, que continua um lugarejo perdido no município de Iporã.
Um dos últimos lugarejos deste Paraná que ainda não conhece o asfalto.
Mas quem diz que o Darci Balestro se arrepende de ter saído de lá?
Tadeu de Souza Barião, professor secundário em Cascavel
Fonte: 300 e Tantas Histórias do Paraná, Brasil.
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