Histórias do Paraná - O raciocínio do caboclo
O raciocínio do caboclo
Flora C. Munhoz da Rocha
Esta é uma história muito antiga, contada de pai para filho e de filho para neto e bisneto.
Carlos Cavalcanti, já no fim de seu mandato de Presidente do Estado, tinha como seu candidato a sucessor Affonso Camargo, meu pai.
Naquela época, há mais de 80 anos, campanha política em tempo de transporte lento, era uma exaustão.
As poucas estradas, ora poeirentas, ora lamacentas, acompanhavam os declives das áreas acidentadas sem oferecer conforto.
Um pouco de trem, outro pouco de carroça, muito de trote de cavalo.
Mas os chefes políticos, coronéis e cabos eleitorais do litoral e interior precisavam ser procurados e orientados.
Não sei como eram processadas as viagens presidenciais, mas sei de um caso que papai nos contava com muito humor:
Certa vez, Presidente Carlos Cavalcanti e Affonso Camargo, cavalgavam de baixo de sol a pino, quando a sede começou a incomodar.
Galopeavam atentos a algum rancho de beira de estrada que lhes desse uma caneca de água de poço.
Num final de curva, avistaram um caboclo fumando seu pito no degrau de uma varandinha bem jeitosa.
Amorteceram o trote e apearam.
Disseram o por quê. Hospitaleiro, o homem foi até o quintal e, sem demora, retorna com uma cuia transbordando de água cristalina.
Encaminhou-se para meu pai que, de imediato, recusou segurar. ‘Tor obséquio, primeiro para ele". Presidente Cavalcanti declina: "Deixe de cerimônia e beba logo". "Era o que faltava", contestou Affonso Camargo respeitando a hierarquia.
Estabeleceu-se um diálogo de troca de cordialidade.
Um não queria beber antes do outro e o caboclo só estendendo a cuia de lá par cá até que desacorçoou.
Aquilo não estava fazendo sentido para seu simplório discernimento.
Pigarreou e, em tom categórico, solucionou o vai-não-vai.
- Mecês tão refugando. Não querem água coisa nenhuma.
Tomando iniciativa, esticou o braço e, num impulso certeiro, pinchou o conteúdo no meio do terreiro.
Ali no seu universo restrito, jamais imaginaria estar diante de um Presidente de Estado coberto de glórias. E muito menos entenderia de prioridade e deferências.
Para ele não passavam de dois homens da Capital, cheios de lero-lero.
Seguiu-se um silêncio de espanto e um cruzar de olhos desapontados ao verem a água preciosa encharcando a terra vermelha.
Não havia mais nada a fazer a não ser, sufocando o riso, voltar para o trote dos cavalos.
Sem alternativa, seguiram caminho de garganta seca e lábios sem saliva, mas de lição aprendida.
Na próxima parada, com certeza, não se repetiria o caso mal resolvido.
Flora C. Munhoz da Rocha, Ex-primeira dama do Estado, e cronista
Fonte: 300 e Tantas Histórias do Paraná, Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário