segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Histórias do Paraná - A paixão das corridas

Histórias do Paraná - A paixão das corridas

A paixão das corridas
Francisco Brito de Lacerda

Em 1891, pouco antes da inauguração da estrada de ferro ligando a Lapa a Curitiba, descobriu-se que a tradicional Raia dos Neves ia ter sua cabeceira cortada pelos trilhos.
Quanto antes, era preciso escolher outro lugar para a corrida de cavalos.
Os aficcionados, em bom número, logo arranjaram outra pista, fixando como ponto de partida as imediações da antiga forca, de triste memória, de onde se abarcava o paredão do Monge, onde vivera, anos antes, o ermitão João Maria. A chegada ficou sendo o beco de acesso ao chafariz, perto da Rua do Cotovelo.
Chamou-se de Raia da Forca à pista.
As corridas passavam de fronte do sobrado da Cadeia e Câmara, oferecendo aos presos, agarrados às grades, excitante diversão.
Sete ou oito casas se enfileiravam no percurso.
Tal pista não chegou a inteirar vinte anos. O vigário reclamava que as corridas causavam rebuliço às procissões.
Dizia-se ainda que o repentino disparo de um animal podia atropelar e até matar crianças, idosos...
Disso resultou a Raia da Ronda, na zona do Engenho Lacerda, à margem da futura estrada do Sanatório, onde havia uma olaria, um cemitério particular e várias chácaras.
A Raia da Ronda, em 1925, foi palco de sensacional desafio que Vivi Pacheco e Teodoro Afonso Martins, donos das éguas Gaby e Alsácia.
Marcou-se o confronto para o primeiro domingo de outubro.
Sem contar as apostas avulsas, altas, Vivi e Teodoro Afonso casaram um conto de réis (dinheiro grande, na época) e mais trinta bois.
Todos torciam para que não chovesse no dia do encontro.
Gaby perdeu por meio corpo.
Para não enfrentar os adeptos de sua égua, Vivi se mandou para Curitiba.
Dessa famosa corrida ficou uma historieta.
Na tarde do desafio, a caminho da raia, um cavaleiro passou pela casa de sua comadre, que estava na janela. "Vai indo à corrida, compadre?", ela disse. "Onde mais, comadre!" Indagado sobre quem ia ganhar, o cavaleiro garantiu à sua amiga que nada neste mundo, nem vela de rezador, podia tirar a vitória das patas de Gaby. "Aposte o que tiver, comadre, até a Singer". À tardinha, de volta, na cara o desapontamento de quem tinha perdido, ele encostou o zaino na cerca.
Antes que a mulher abrisse a boca, foi informando: "Tomemo no fiote, comadre! Agora mecê pode chorar.
Mas não se descabele, comadre! Um curto fio de cabelo, se cair na panela, estraga a
sopa..."
Com o argumento do tráfego entre a cidade e o Sanatório, a Raia da Ronda fechou. A nova pista, na fazenda Monte Alegre, arredores da cidade, ficou conhecida como Raia do Joanin.
Nela se apresentavam bons cavalos: Andiara, Rádio, Granada, (de Cristiano Justus), Porco.
Em 1940, ou 41, uma grande aposta envolvia Porco (puro-sangue de Jorge Sera, pêlo negro, ventas abertas) e Corrente-de-Ouro, égua douradilha de Antônio Rauth, também puro-sangue, esperta.
Nhô João Pesado, negro velho, que tinha o volume e o peso de um terneiro, era dado a mandingas, famoso como asa-negra.
Na véspera da corrida, mal clareando o dia, Antônio Rauth foi à raia, disposto a conferir o tempo da Corrente-de-Ouro.
Um espetáculo dantesco o esperava.
Nu em pêlo, lembrando um urso preto, nhô João Pesado corria de costas, invertido, praticando a urucubaca destinada a prejudicar a andadura da Corrente-de-Ouro.
Tenha ou não influído a mandraca de nhô João Pesado, o fato é que, no outro dia, a douradilha, favorita, perdeu por mais de um corpo.

Francisco Brito de Lacerda, Advogado

Fonte: 300 e Tantas Histórias do Paraná, Brasil.

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