Histórias do Paraná - Aos que perderam
Aos que perderam
Marcelo Oikawa
Quando arrancou a orelha do desafeto com um peso de balança, durante aquela briga dentro de sua vendinha, Pedro Venâncio não teve dúvidas.
Vendeu tudo e foi embora, não apareceu nunca mais na Boca de Onça.
Fazer o quê.
Foi assim que ele chegou a Londrina, fazendo as contas das pingas e dos sanduíches de mortadela que ia vender.
Montou o Bar Londrina e concluiu que ia ficar rico em dez anos, ficando no caminho dos colonos que subiam aos sábados para fazer as compras na cidade.
Logo viu que numa terra quente como aquela uma sorveteria era uma necessidade.
Em um mês, sua mulher Jupira e a filha e a filha Elza, com seis anos, estavam acordando de madrugada para bater o sorvete de groselha, limão e coco queimado.
Foi ali no Bar Londrina, gastando a barriga escorada no balcão, que ele viu, ano após ano, os velhos caminhões subirem pela Rua Guaranis na Vila Casone, carregados de café, rangendo a carroceria.
Na época das safras ia ficando cada vez mais impaciente, olhos brilhando, até começar a achar que dez anos era muito tempo naquela terra.
Os velhos caminhões carregados prosperavam seus donos, que na volta da entrega do café nas máquinas desciam com caminhões novinhos comprados ali pertinho, na revendedora Ford.
O costume era parar no seu Bar. O mais novo e feliz proprietário daquela maravilha verde e preta com cheiro de tinta fresca, pagava a rodada de cerveja, pinga, sanduíche e sorvete.
De tanto ver caminhão velho subir carregado de café e de tanto ver felizardos descerem de volta com caminhão novo e bolso cheio, Pedro vendeu o Bar e comprou um cafezinho.
Levou três anos para formar a plantação, contando cada dia, com ânsia no estômago, o dia de sua primeira safra e seu primeiro caminhão.
Seria em 1953. Mas em 53 o Norte do Paraná conheceu a sua primeira geada negra.
Na primeira manhã do acontecimento teve gente que enlouqueceu.
Gente que passeava nas boléias dos caminhões novos, com o nariz empinado, agora se via vagando ensandecida pelas ruas, rindo e chorando.
Na primeira semana do acontecimento, teve gente que se matou.
Pedro Venâncio, descaroçou. Perdeu o cafezal.
Desinchou. Não se matou.
Nem enlouqueceu. Mas desiludiu-se.
Nunca disse a ninguém o que havia acontecido dentro dele.
Somente trinta e cinco anos depois, sentado na cozinha da filha Jacira, numa tarde de confissões, ele admitiu: naquela geada ele tinha queimado suas esperanças.
Morreu cinco anos depois, em 92, vendendo garapa e paçoca, fazendo jogo do bicho na rua Maranhão.
Como ele, milhares desapareceram na poeira vermelha do tempo.
Marcelo Oikawa, jornalista
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