segunda-feira, 14 de julho de 2014

Histórias do Paraná - O chefe da banda

Histórias do Paraná - O chefe da banda

O chefe da banda
Lauro Grein Filho

A primeira vez que servi à pátria era muito jovem.
Andava pelos 14 anos, quando o Novo Ateneu decidiu a matricula de todos os quintanistas na Escola de Instrução Militar 350, anexa ao Colégio.
Foi assim que providenciei o uniforme "cáqui" numa alfaiataria "civil e militar , as perneiras na fábrica Ewaldo da Praça Rui Barbosa, o quépi numa loja da André de Barros, e, de túnica, culote e coturno, ao dia e hora certos, compareci altivo e orgulhoso para as exigencias do serviço.
Havia exercícios de ordem unida, educação física, marchas, linha de tiro, uma programação rigorosamente cumprida,
ao fim da qual me outorgaram um certificado e que nada me serviu e nada me valeu.
Bem por isso, dois anos mais tarde, em 1937, com outro uniforme e de perneiras novas, fui quitar meu dever militar nas casernas do Tiro 19, Rio Branco.
Existia na época duas opções:
- o Coritiba e o 19. O primeiro, aristocrático, reunia estudantes e acadêmicos, gente fina da cidade; o segundo, popular e democrático, acolhia principalmente operários, trabalhadores, pessoal dos bairros e das colônias. A minha decisão pelo último foi influenciada pela tradição, pela História, e por julgá-lo mais importante, Tiro de Guerra, ao invés de Escola de Instrução Militar 321, como se chamava o Coritiba.
Demais, o Francisco Accioly, o Marçal Justen, o Bartolomeu e o Alberto Marques, colegas do Ateneu tinham-no preferido no ano anterior e achei que deviam estar certos.
O 19 funcionava no quarteirão hoje ocupado pelo Teatro juaíra, com entrada pela rua Tibagi.
As instruções eram à noite, ae segunda a sábado no quartel, e domingo pela manhã, nas ruas ou nas alamedas do Passeio Público.
A disciplina era preservada nas ameaças e nos berros do comandante, Tenente Ascendino, a nos acusar de caçadores de cadernetas, burros, energúmenos e batráquios.
Guardo e recordo o meu número, 45, a casa das armas, os desfiles, as instruções de campo, os sargentos Baptista, Acyr, Laurentino, o cabo Wilson Dacheux Pereira, e alguns colegas, o Odilon, o Anfrísio, o Amaral, o Lamberg, o Darret.
Lembro também o que me aconteceu no último dia.
Tinha visto, em um desfile do Coritiba, o Moacyr Martins, meu amigo da Ermelino, a marchar isolado na frente da tropa, sem mochila e sem fuzil.
Evoluía solto e à vontade, com os tambores fáceis à retaguarda, dono do alinhamento, do passo e de tudo, enquanto os outros lá atrás se danavam ao peso das armas, dos apetrechos e da vigilância.
Em cada esquina o Moacyr erguia o braço direito e num voleio elegante e autoritário indicava o rumo da nova direção.
Ele era o "Chefe da Banda", e achei sua posição de um destaque fora de série.
Estávamos prontos para a grande marcha de encerramento, percurso de 30 quilômetros, válida como prova final. O Capitão responsável pela inspeção já havia chegado e os atiradores ultimavam seus preparativos, todos armados e equipados.
Todos menos eu.
Falara com o Amaral, que rufava a caixa e liderava os tambores, informando-lhe que havia sido designado "Chefe da Banda" e com isso marcharia na frente deles e de toda a Companhia.
Boa praça, logo admitiu, sem maiores perguntas, pouco se importando com a estranha novidade.
Tudo justo e perfeito, antegozava já minhas regalias, livre e desembaraçado da carga incômoda, quando uma voz firme me surpreendeu no pátio: -"Atirador". Voltei-me num instante.
Era o Capitão Haroldo Bizerril: -"Onde está o seu fuzil?"
- "Não preciso Capitão, sou o Chefe da Banda".
- "Apanha seu fuzil e vai com ele a tiracolo".
Além do vexame e do fuzil levei também uma tremenda desvantagem, pois não tendo com quem ensarilhar a arma, dela tinha que cuidar, mesmo nos descansos dos auto-horários.
E nunca mais fui "Chefe da Banda".

Lauro Grein Filho, Medico, presidente do Centro de Letras da Paraná


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