sábado, 26 de julho de 2014

Histórias do Paraná - Café

Histórias do Paraná - Café

Café
Nilson Monteiro

"Japonês Calabrês, foi o diabo que te fez!"
Seus olhos rasgados e molhados, engoliram o preconceito.
Cantado pela molecada, antes e depois da II Guerra Mundial.
Ou descarregado, durante o ardor do bombardeiro lá na Ásia, aqui, em Londrina, em chutes contra seu velho rádio Philips.
Japonês nada. Brasileiro, isto sim.
Primeiro nissei do Paraná, nascido em Ribeirão Claro, três dias antes do Natal de 1914, um ano depois de seus pais terem desembarcando em Santos, vindo da província de Koski-Ken, ao Sul do Japão.
Pensava tudo.
Mas nada dizia.
Se vê no rosto: filho ou neto de japoneses, tudo japonês, raça que não se confunde, fazer o quê?
Por que o diabo que fez? Ri pequeno, ajeita-se na poltrona, as pernas sobram no ar.
Massao quer dizer coragem nos direitos.
Massa significa "direitos" e O, "coragem". Suas mãos, próximas dos 80 anos, são grossas.
As unhas estão sempre de luto, cheias de terra. A testa tem a marca do chapéu, usado desde os primeiros anos para se proteger do sol na roça.
Massao e seus cinco irmão, filhos de Goichi, que procurou o Brasil para ficar rico, como fazem hoje os dekasseguis que buscam o Japão, deram duro.
Primeiro em Olavo Bilac, no estado de São Paulo; depois em Londrina.
Goichi e sua família tinha direito a uma lata de 20 litros de arroz por mês, na fazenda onde trabalhavam em Olavo Bilac.
Mas, queriam mais.
Pediram para plantar em um lugar que só dava formigas. O administrador da fazenda não se importou.
Goichi e seus filhos plantaram, espantaram as formigas e colheram 25 sacos e cascas.
Nunca mais faltou arroz na fazenda.
Por que as crianças misturam japonês com calabrês em sua sátira? Confusão da guerra? Rima com pobre?
Rica era a grudenta lama de Londrina, para onde a família mudou-se, depois de ter vendido 40 alqueires em Olavo Bilac, por 120 contos.
Massao aperta os olhos miúdos de recordações para falar da mata de perobas, do mar verde, dos bichos e do trabalho. "Minha vida é o café. Eu e meus irmãos, todo mundo trabalhava com o café. Até morrer, vou continuar plantando café. A geada mata, mas sou teimoso." Goichi, que teimava em assinar cheques com grafia japonesa, para não perder os costumes e tradições de seu país, foi enterrado em Londrina.
Permanece vivo, em uma aquarela pendurada na sala da casa de Massao.
Por que o diabo que fez? Massao espreme os olhos e não consegue explicar.
Nem entender. A Guerra, isto ele sabe, apimentou o preconceito.
Antes dela, não se exigia que descendes de japoneses tivessem nomes brasileiros.
Depois dela, era obrigação.
Tanto que os dois primeiros filhos de Massao chama-se Hiroshi e Siduka.
Os outros seis tem nomes "brasileiros" - Luiza, Maria, Tereza, Amélia, Arthur e Irene. O que interessa, ele repete, é que esta terra roxa, grudenta, vulcânica e rica é a sua terra.
Onde ele plantou suas raízes. E café. Atravessando todas as histórias de geadas, cotações, quebra, falências, replantio, pragas, queimas etc.
Traga fundo o cheiro da bebida e, entre risadinhas quebradiças, a sorve em goles assoprados. "Gosto muito de café. Japonês toma mais chá. Mas, eu sou mesmo é brasileiro. E cafeicultor".

Nilson Monteiro, londrinense, jornalista


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