Histórias do Paraná - O Paraná é fogo
O Paraná é fogo
Valêncio Xavier
Entre agosto e setembro de 1963, o Paraná pegou fogo.
Quase 650 mil alqueires de suas florestas, matas, plantações e pastagens foram consumidas pelas chamas, atingindo 128 municípios, numa área de cerca de 21 mil quilômetros quadrados.
Casas, fazendas, sítios, silos, galpões, paióis, estábulos e outras construções foram destruídas pelo fogo.
Um número incalculado até hoje de cabeças de gado, animais de criação e animais selvagens morrendo queimados.
Oficialmente, 964 pessoas ficaram feridas e 110 morreram.
Mas, ninguém sabe o numero exato de vítimas humanas deste flagelo que foi um dos maiores incêndios registrados no mundo, nos últimos anos, considerando-se a concentração de área, nas palavras de Merle Lowden, diretor da Divisão do Controle de Incêndios, do Ministério de Agricultura dos Estados Unidos, que veio dar ajuda no combate ao, aparentemente, incontrolável, incêndio do Paraná, em 1963.
O ano de 1963 não vinha sendo bom para o Paraná: seca inclemente no começo do ano, geada no inverno atingindo mais de 50% dos cafezais do Estado.
Para coroar a ano trágico, nos meados de setembro surge o terceiro cavaleiro do Apocalipse: um incêndio florestal que, por vezes, galopava a quase 20 quilômetros por hora.
O grande incêndio teria começado pelo cômodo costume brasileiro das queimadas para limpeza da terra para o plantio. A seca ajudou, e a falta de preparo para combater incêndios florestais fez o resto.
O fogo se propagava por todo o Estado.
Curitiba, a capital, tinha o céu coberto de cinzas que faziam o dia escurecer mais cedo.
Surgem os boatos: o grande incêndio teria começado quando o ex-governador Moyses Lupion pôs fogo na reserva de pinheiros de uma fábrica de papel em Arapoti para receber o seguro. A região foi uma das mais duramente atingidas, só ali morreram 27 pessoas. O excelente fotógrafo Rodolpho Goerke, de Jaguariaíva, fez as chocantes fotos dos 8 cadáveres carbonizados dos operários da Matarazzo que lutavam contra o incêndio.
Essas fotos serviram para acabar com outros boatos que diziam não existir incêndio nenhum, que tudo era invenção do então governador Ney Braga para conseguir dinheiro do Estado: o presidente João Goulart mandou auxílio imediato. Técnicos americanos em combate a incêndios florestais vieram em cima da hora.
Da esquadra americana, em manobras na costa brasileira, vieram medicamentos, alimentos e roupas para os flagelados. O governo Kennedy, através da Aliança para o Progresso, mandou um cíinheirão para a reconstrução do Estado. Vários países mandaram dinheiro, roupas e mantimentos para os flagelados, até a União Soviética.
O grande incêndio só acabou com a chegada das chuvas, no final de setembro.
As mesmas chuvas que tanto estrago fizeram ao Paraná neste setembro e outubro 30 anos depois.
Se os auxílios chegaram na mão dos flagelados? Muito tempo depois a gente via, na casa de políticos, latonas de leite em pó -novidade na época - com os dizeres "Doação do Povo Americano", ou escritas em russo.
Isso em plena Guerra Fria.
Valênáo Xavier, escritor e historiador.
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