sexta-feira, 4 de julho de 2014

Histórias do Paraná - Paixão no Boqueirão

Histórias do Paraná - Paixão no Boqueirão

Paixão no Boqueirão
Roberto Jose da Silva

Mãos no alambrado do estádio "Santanão", o velhinho olha na direção de um gol e chora.
Quando desembarcou ali no Boqueirão, há quarenta anos, aquele terreno de 10 mil metros servia de pasto natural para o gado.
João Santana, paranaense de Campo Largo, olhos amendoados que lhe valeram de cara o apelido de "Japonês", plantava tomates e hortaliças. Não ganhava nem para a sobrevivência.
Era um apaixonado por futebol, por isso resolveu unir o útil ao agradável e fundou o Caxias — nome sugerido por soldado amigo de um quartel da região.
Quatro décadas vivendo desta paixão.
Por isso Santana hoje chora.
Recordações invadem sua alma.
Um caderno gasto pelo tempo é folheado e as lágrimas rolam com mais intensidade.
Ali ele registrou, com letra redondinha, todos os resultados dos jogos desde a fundação do "seu" rubro-negro.
Dez títulos da suburbana de Curitiba.
Santana tomou posse, cercou o terreno, plantou grama, fez sua casa, dois filhos com sua "mãezinha", dona Cecília Camerato, e se transformou num dos personagens mais conhecidos do mais populoso bairro da capital do
Paraná. Tudo por causa do Caxias Futebol Clube, do qual foi jogador, presidente, diretor, tesoureiro e técnico do tipo durão.
Nunca precisou ir atrás de jogador ou pagar para que envergassem a gloriosa camisa do seu time.
Sempre gostou daqueles que, como ele, amavam o Caxias. "Jamanta" foi o que mais lhe tocou o coração.
Tanto que mais lágrimas rolam no rosto enrugado pelos 63 anos de vida.
Parrudão, zagueiro de "arrepiar", virou segurança do dono do time nos jogos mais esquentados.
"Jamanta" morreu novo, do coração. E a morte é uma sombra que Santana vem querendo afastar já faz um tempo.
Por causa de uma insuficiência renal que há quatro anos o obriga a fazer três hemodiálises semanais no Hospital Evangélico, João Santana, neste tempo, só faz mesmo recordar os bons e maus momentos do seu Caxias.
Certa vez o Rancho Alegre tirou o título do time na última partida.
Santana, inconformado com o vice, teve um ataque de ódio dentro do ônibus que levava a delegação de volta para a sua casa-sede do clube. Só não atirou pela janela o troféu porque, de joelhos, Dionha, um jogador amigo, implorou para
guardar a taça como recordação.
Há quatro anos o "Santanão" só é palco de partidas entre times que o alugam no final de semana.
Nada de Caxias. O time, com a doença do seu fundador e dono, teve que pedir licença na Federação.
Por isso João Santana chora ao mirar com o olhar perdido aquele campo de futebol.
Chora o choro de alguém que viveu o Caxias e só vai sorrir de novo quando vir o seu rubro-negro do outro lado do alambrado.

Roberto José da Silva, jornalista


Nenhum comentário:

Postar um comentário