terça-feira, 1 de julho de 2014

Histórias do Paraná - Maria

Histórias do Paraná - Maria

Maria
Juliana Vieira

Carioca da gema, com 11 anos, escolhida para subir no coreto e, sem ler nem gaguejar, homenagear, com um discurso inflamado, o presidente do Estado do Rio, Raul Veiga.
Aplaudida, sai notícia até no Jornal do Brasil.
Com a doença no pulmão do pai, muda-se para Barbacena.
Nestor, o primeiro namorado, goleiro do Olímpia.
Mas foi com Djalma que Maria casou e, com um conto de réis, fez todo o enxoval.
A firma Dolabella mandou-o para uma fazenda em Molevade e, com ele, lá foi Maria.
Mocinha bonita de cabelos e olhos castanhos. A casinha de pau-a-pique; luz, só de lampião.
Voltou para Barbacena para ter o primeiro filho e ficou lá até acabar a Revolução.
Passou por Lavras, por Belo Horizonte.
Mais dois filhos nasceram, um aborto e mais um filho.
Vinho do Porto e marmelada para fortificar.
Partem para Foz do Iguaçu, 24 horas de trem.
Em Porto Mendes, São Paulo, pegam o vapor até Porto Epitácio, onde embarcam no vapor argentino (Cruz de Malta); 8 dias de viagem.
Ficaram ali quase 1 ano e meio, para Maria foi o purgatório.
Naquela época Foz era horrível, não tinha asfalto, 11 horas a luz apagava.
Pôs os filhos mais velhos no grupo, os guarda-pós e chapeuzinhos brancos todo dia voltavam sujos de barro.
Djalma trabalhava no armazém de mantimentos e também nas construções.
Fez o cassino e o Hotel dos Saltos.
Mulherengo como ele só. No Carnaval, Maria não agüentou.
Vestida de preto, saiu de madrugada atrás dele, com a lanterna na mão.
Ao atravessar a fronteira, apagou-a para que os soldados não a vissem.
Pegou Djalma no flagra e com a lanterna fez nascer um enorme galo na cabeça dele.
De Foz para Ponta Grossa, a limusine quebrou, em plena mata virgem.
Nada por perto, só jaguatirica.
Maria com medo, alguns filhos no colo, outros nas mãos.
Em Laranjeiras do Sul, conseguiram carona com um caminhão.
Chovia muito e não tinha comida.
As crianças choravam.
Chegaram a Ponta Grossa 5 dias depois.
Passou por Pelotas, Ventania e Monte Alegre, onde morou numa casa de pensionista e fez comida para muito arigó. Mais um parto para Maria, chovia dentro da casa, na cama molhada e cheia de sangue.
Vinte dias depois, Maria partia, agora para Curitiba.
Chegaram no último dia de Carnaval, 1948, na casa do Seminário. O bairro, deserto, não tinha luz, só ratos mortos pelo chão, e tiveram todos que dormir ali, porque as camas não haviam chegado.
Djalma comprou móveis novos e bonitos, mas Maria detestava a fumaça que o fogão de tijolos fazia.
Djalma vendia explosivos, teve 3 caminhões.
Confiou na palavra do patrão, um vigarista, e ficou sem nada.
Mas ele tinha Maria e ela só tinha um vestido para sair.
Djalma entrou na Guerra Rêgo, a vida melhorou para Maria.
Fez enxoval das meninas, mudou-se para Santa Quitéria e ali viveu até ficar velhinha.
Maria com seus filhos, com seus netos.
Mulher sofrida e vivida, um coração de criança.
Maria sempre com um sorriso nos lábios. A vida era tudo que Maria queria.
Afinal ela era apenas Maria.
Juliana Vieira, publicitária e artista plástica


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