quarta-feira, 16 de julho de 2014

Histórias do Paraná - A festa dos vira-latas

Histórias do Paraná - A festa dos vira-latas

A festa dos vira-latas
Rodrigo Pereira Gomes

Este causo teria acontecido em Paranaguá. Se aconteceu mesmo, eu não sei, eu vendo a história que comprei.
E comprei do livro "Histórias e Estórias", que o parnanguara Túlio Lapagesse de Pinto, de pseudônimo "Zé do Itiberê"
publicou em 1971.
Duvidar dele era ofensa maior que xingar a mãe.
Pois vamos ao causo.
Era o tempo em que criar cachorro, quando não saía barato, resultava de graça.
Daí que tinha mais cachorro que gente em Paranaguá, muitos vivendo soltos pelas ruas.
Um perigo, com a raiva atacando a bicharada a três por quatro.
Para controlar um pouco a situação, funcionários da prefeitura alimentavam os cães com bolinhos de carne recheados com generosas doses de veneno.
Uma judiação, os cães estrebuchavam pelas ruas, ganindo de dor numa lenta e sofrida agonia. O povo começou a reclamar: "aquilo não é coisa que se faça com os pobres animais, as crianças se impressionam, têm pesadelos à noite.
Quando saiu reportagem de protesto no jornal, o prefeito mandou acabar com o envenenamento indiscriminado. E criou um serviço de recolhimento de cães vadios, a popular carrocinha. O chefe era um fiscal da prefeitura de nome Sérgio. Zé do Itiberê conta que o conheceu bem. "Quando não estava caçando cachorro, era músico da Banda Musical 5 de Fevereiro, a nossa gloriosa Venenosa".
A carrocinha agradou o povo.
Acabaram as cenas de horror de antes, e os cães vadios estavam sumindo das ruas. Já para a cachorrada, pouco mudou.
Os cães presos eram levados para as cercanias da cidade, onde a tropa do fiscal Sérgio - com o próprio dando o exemplo — os eliminava a marretadas e cacetadas na cabeça.
Melhor assim, devia pensar o fiscal, a prefeitura economiza no veneno.
Um belo dia, o fiscal Sérgio passeia junto à linha férrea do Porto
D. Pedro II, um vagão descarrila, vira e despeja sua carga de toras de madeira em cima do exterminador de cachorros.
Morte instantânea.
O enterro do fiscal — ou do que deu para ajuntar do corpo — seria realizado com toda a pompa e circunstância dos enterros daquele tempo.
Mas a meio caminho da casa onde fora o guardamento e o cemitério, o cortejo fúnebre começou a ser engordado por inesperados acompanhantes.
O primeiro a se incorporar, vindo tímido de uma esquina, ainda guardou alguma distância do final do cortejo.
Logo surgiu mais um, e outro, e mais outro, e muito mais... De repente eram dezenas, grandes, pequenos, de todas as raças, de raça nenhuma. A cachorrada toda balançando o rabo, latindo, metendo-se entre as pessoas do acompanhamento, correndo, fazendo a maior algazarra.
Na entrada do cemitério tentaram conter os bichos.
Inútil.
Enquanto os maiores rosnavam assustadores, mostrando os dentes, os demais enfiavam-se no meio das pernas das pessoas e corriam para dentro.
Entraram todos.
Também inutilmente a Banda Musical 5 de Fevereiro ensaiou tocar a marcha fúnebre, última homenagem ao companheiro morto. O coro de ganidos e latidos sobrepunha-se em muitos decibéis à música.
Só depois que a última pessoa saiu é que os cachorros deixaram o cemitério.
Aos bandos.
Agora sem latir, mas os rabos ágeis de contentamento.
Quem viu, jura: eles pareciam sorrir.

Rodrigo Pereira Gomes, funcionário público aposentado


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