Histórias do Paraná - O goleiro argentino
O goleiro argentino
Luiz Groff
Todos os meninos da rua imaginavam ser jogadores de futebol.
No caminho da escola, matavam a bola no peito, driblavam o gol entre as árvores e saltavam comemorando.
Eram todos craques no campo dos sonhos.
Vi pelo rádio o Ademir, dentro da área, levantar com a direita, bater de esquerda e derrotar o Botafogo no último jogo do supercampeonato de 46. No Rio, fiquei Fluminense para sempre.
Mas muitos anos antes, em Curitiba, a escolha estava definida.
As brincas, na calçada, ora era o Neno, do Coritiba, ora o Caju, do Atlético.
Ferreira do Ferroviário, nunca, era negro.
Um dia apareci de joelheiras, um pulôver velho de mangas compridas, era o Sandro, goleiro argentino do Coritiba.
Escolha definitiva.
Como Sandro, com saltos felinos, ralava meus cotovelos nas pedras da calçada, engolindo a dor, goleiro argentino não chora nem com bolada no saco.
Isto deve ter sido por volta de 1943, só alguns anos mais tarde fui ao meu primeiro jogo.
No Joaquim Américo, com chuva forte, o Coritiba perdeu para o Atlético, por 4x2.
O goleiro era o Eduil Zanicotti, baixinho, não tinha um metro e sessenta, mesmo saltando tudo, mal tocava no travessão. O Eduil foi o menor goleiro do mundo.
Eduil, atroz decepção, não por ser baixinho, já que eu nem sabia que goleiros eram altos, mas por ser meu vizinho.
Que graça tinha vestir o uniforme e se matar nas pedras, para ver um sujeito que morava ali na Rua Sete, virando a esquina?
"The girl next door" é uma mentira do cinema, a garota da nossa rua nunca fez sucesso, e se fez, sabe-se de que jeito, deixando-se bolinar na sombra do portão...
ívíitos moram longe, goleiros da Rua Sete de Setembro, um ova, Sandro era da Calle Florida.
Anos mais tarde, reunidos no Clube do Copinho do Malu, do Canal 12, esportistas de algibeira duelavam trocando conhecimentos, para impressionar a platéia. O Mazza citou Perez, Lalo e Zequinha, linha média do Juventus. O Réginis Prochmann a linha do Palestra Itália: Formiga, Bastinhos, Bonato, Mário e Valdomiro.
Para não perder, botei o Sandro na conversa.
- Sandro? Que Sandro? Este cara não existe!
Consultamos vários coxas enciclopédicos, chegou-se ao Belo que deu uma porrada no Cireno, ao Bino que foi para o Corinthians, o Ari do Botafogo e da seleção, mas não se encontrou nenhum Sandro, o goleiro do Coritiba.
Aroldo Fedato lembrou-se vagamente de um goleiro argentino, muito acrobático, que arrombou nos treinos, jogou uma única vez, contra o Atlético, cercou alguns frangos e foi mandado embora, com fama de vendido.
O que é o imaginário, virei Coritiba, com todas as insônias e angústias de direito, por causa de um Sandro inexistente, um miserável, com nome de veado (O Coxa perdeu ontem...) Vai ver, quem nem era argentino...
Luiz Groff, engenheiro e cronista
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