sexta-feira, 11 de julho de 2014

Histórias do Paraná - Depois nóis acerta, Dotô

Histórias do Paraná - Depois nóis acerta, Dotô

Depois nóis acerta, Dotô
Débora Iankilevich

Norte do Paraná. Anos 50. A cidade de Centenário do Sul, então distrito de Jaguapitã, não era em nada diferente das demais cidadezinhas do Norte: uma rua só de terra vermelha, que virava barro puro a cada chuva.
Para circular depois de uma chuvarada, só de jipe e olhe lá. Viajar a Londrina ou a Curitiba exigia paciência e coragem.
Para chegar à capital, 13 horas de uma viagem sofrida e cansativa.
Mesmo sabendo que não ia ser nada fácil, o jovem médico, formado em 1948 pela Universidade Federal do Paraná, resolveu arriscar.
Incentivado pelo amigo advogado Dálio Zippin, foi conhecer o Norte do Estado.
Ficou uns tempos em Paranavaí, depois passou por Cambará, Jacarezinho, Bandeirantes, Londrina.
Ficar mesmo, para trabalhar, ficou em Centenário do Sul, apesar dos pesares.
Montou consultório de clínica geral num quarto da casa do farmacêutico José Gurgel, pôs uma placa na porta da frente e ficou no aguardo da clientela.
Fez de tudo um pouco.
Atendia a todo tipo de pessoas, desde parturientes até tuberculosos.
O que mais ouvia de seus pacientes, gente muito humilde, sem recursos ou instruções, era uma frase que aprendeu rápido, ai se tornar praxe: "depois nóis acerta, dotô". A maioria voltava mesmo, depois, para acertar.
Quem não tinha dinheiro pagava como podia.
Um porquinho, umas galinhas.
Ou não pagava.
Mas nem por isso deixava de ser atendido.
Eram tempos difíceis. O Norte do Paraná vivia a sua Guerra da Coréia, disputa de terras devolutas entre posseiros e grileiros, esses contando com a providencial "ajuda" da polícia de então, financiada por grande latifundiários.
Um banho de sangue em que as vítimas, mortas às centenas, eram os pequenos agricultores.
As tocaias eram diárias.
Morrer ou matar era uma questão de sorte.
Ou pontaria.
Numa madrugada, o médico foi acordado com batidas na janela. O líder dos posseiros tinha sido atocaiado e precisava de ajuda. Zé Sem Medo era seu nome e fazia jus ao nome e à fama.
Anos antes, quando a guerra pela posse da terra iniciava, tinha ido a pé, de Centenário do Sul ao Rio de Janeiro, para contar ao presidente Getúlio Vargas o que acontecia no Paraná. Recebido pelo vice, ouviu a promessa de que as autoridades iam resolver a situação.
O médico cuidou do ferimento do Zé Sem Medo, um balaço no ombro. E depois disso nunca mais teve notícias dele.
Hoje, Dia do Médico, o doutor Salomão lankilevich, personagem dessa história, completa 70 anos, dos quais quase 50 dedicados ao exercício de uma medicina honrada e digna, sem concessões ao mercantilismo que tomou conta da profissão.
Parabéns e obrigada, doutor.

Débora Iankilevich, jornalista. Dia do Médico de 1993.


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