quarta-feira, 23 de julho de 2014

Histórias do Paraná - A mística de Tenório

Histórias do Paraná - A mística de Tenório

A mística de Tenório
Do Carmo Fortes

Candidato a prefeito municipal de Peabirú, PR, em 1957, em desvantagem nas pesquisas, Eleutério Galdino de Andrade concebeu um projeto de impacto para reverter esse quadro negativo.
Consciente de que a maioria do eleitorado compunha-se de nordestinos, concluiu que só venceria o pleito se contasse com essa massa de migrantes em seu apoio.
Aquela época, Tenório Cavalcanti, meu pai, em pleno apogeu da carreira política, encarnava todas as virtudes do homem sofrido e valente do sertão nordestino, cujas lendas adornavam-lhe o perfil de cabra macho, de "corpo fechado", sem medo, capaz de redimir os injustiçados e perseguidos.
Recorreu, então, Eleutério aos préstimos do saudoso deputado federal e presidente da UDN regional, Newton Carneiro, para interceder junto ao líder nordestino no sentido do seu comparecimento ao comício final da campanha.
Era por aí o caminho da virada eleitoral.
Além disso, residia em Peabirú um alagoano que se dizia aparentado de Tenório, o que reforçava a possibilidade da sua presença.
Para surpresa geral, Tenório aceitou o convite, acostumado a fazer sacrifícios pelos seus coestaduanos, embora sem nenhuma responsabilidade na política paranaense.
Na data aprazada, tudo combinado Newton Carneiro esperou por ele em Maringá, de onde partiram num apertado avião monomotor até Peabirú. Logo que o avião tomou a improvisada pista de terra vermelha irrompeu o bombardeiro de rojões.
Era ensurdecedor o foguetório.
Uma incalculável multidão comprimia-se na praça.
Parecia que o norte do Paraná inteiro regorgitava na cidade eufórica.
Os discursos foram longos e inflamados. O povo mostrava-se pasmo com o que via, a presença — ao vivo — do herói de tantas batalhas políticas.
Alguns chegavam até a tocá-lo para se certificarem se era verdade. O homem da capa preta em carne e osso.
O piloto do avião encontrava-se impaciente com a demora do comício, pois escurecia e o retorno a Maringá poderia oferecer sérios riscos. O sol já se havia posto quando se procedeu a decolagem.
Tenório ao lado do piloto, Bueno Neto, os guarda-costas e Newton Carneiro perceberam a temeridade do vôo, às cegas. O piloto guiava-se pelo instinto.
Os passageiros trocavam olhares assustados. Não se vislumbrava uma fogueira, um farol de carro, nada.
Depois de alguns sobressaltos, graças a experiência de Bueno Neto, foi possível descer em Maringá em meio a densa escuridão.
Um dos guarda-costas ao desembarcar, lívido e trêmulo, beijou o solo e repetiu várias vezes: "santa terrinha, nunca senti tanta falta de ti..." Tenório, visivelmente constrangido com aquela cena, indagava se o sacrifício valeria a pena.
Dias depois chegava-lhe o resultado do pleito.
Seu carisma havia funcionado.
Eleutério estava eleito.

Do Carmo Cavalcanti Fortes, escritora e artista plástica.


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