sábado, 5 de julho de 2014

Histórias do Paraná - A. B. C. dos "Sem Terra"' (I)

Histórias do Paraná - A. B. C. dos "Sem Terra"' (I)

A. B. C. dos "Sem Terra"' (I)
Samuel Guimarães da Costa
Alguém hoje pode acreditar que, há mais de 50 anos, no Paraná, quando cerca de dois terços de seu território ainda não estavam economicamente ocupados, já o clamor dos "sem-terra" se fazia ouvir junto das mais altas autoridades do País?
Pois, em verdade vos digo que isso aconteceu, tendo o clamor em forma de requerimento coletivo partido de um punhado de caboclos tangidos para o interior dos sertões o Norte do Paraná pela frente de ocupação agrícola que a hoje célebre empresa inglesa de colonização e estrada de ferro promovia na década dos anos 30 na região de Londrina. E o curioso é que o requerimento dos "sem-terra" fora feito em versos, em forma de A.B.C., recolhido em 1940 - portanto, há exatamente 53 anos — de seu verdadeiro autor, o ex-sertanejo e repentista Júlio Alves Machado, pessoalmente por este jornalista que aqui vos fala, então com vinte anos de idade, na mais sensacional reportagem que já tenha realizado em toda sua vida profissional.
Com o correr do tempo ela se agiganta na lembrança.

De fato, em 1940, seis anos após a criação do município de Londrina, contratamos naquela cidade com o IBGE o recenseamento da população compreendida entre os Rios Paranapanema, Paraná e Ivaí, onde hoje estão mais de cinqüenta municípios do chamado Nordeste, também conhecido Norte Novíssimo. A região ainda estava coberta de matas virgens, cujas trilhas precárias percorremos a cavalo durante dois meses, acompanhados de guia experimentado posto à nossa disposição pelo saudoso "capitão" Teimo Ribeiro, que administrava em nome do Governo Manoel Ribas a ex-Fazenda Brasileira (hoje Paranavaí). Pouca gente sabe que essa fazenda, antes pertencente à concessão Braviaco, tinha como um de seus concessionários o gaúcho Lindolfo Collor, entre outros, ao tempo das grandes concessões de terras devolutas feitas durante a I República e canceladas após a Revolução de 1930. Hoje, uma viagem a cavalo pelos sertões só é possível na Amazônia — e olhe lá! -vez o que o Nordeste paranaense, onde o solo compõe-se de arenito do caiuá, foi devastado e está em vias de desertificação. Não era assim quando o percorremos em 1940 em que a população cabocla recenseada, extremamente escassa e dispersa, vivia à beira dos rios em choças de palmito, como animais sujos e assustados, a se deslocarem continuamente à medida que indícios de abertura de estradas e propriedades agrícolas, denunciando a civilização, deles se aproximavam.

O autor do A.B.C., já citado, com quem recolhemos essa preciosidade, já idoso, grisalho e barbudo,
fora dos poucos que na época prosperara, possuindo um sitio nos arredores de Mandaguari.
O material recolhido, como se sabe, é ainda muito usado nos folclores do Nordeste brasileiro,
como antiga forma do cancioneiro popular, geralmente anônimo, herdado de Portugal e Espanha ao tempo da Colônia.
A propósito, diz Luiz da Câmara Cascudo, um estudioso do assunto: "Todos os famosos cantadores timbravam em escrever um A.B.C. e raro seria o fato anormal, digno de lembrança, sem as honras do A.B.C."
Pela simples leitura da peça que chamei de "A.B.C. dos sem-terra" verifica-se o que os requerentes expunham e pleiteavam, ao receberem ordens das autoridades estaduais para deixar as terras que ocupava numa região próxima à Serra do Cadeado, hoje cortada pela chamada Rodovia do Café, a 376, e pela Estrada de Ferro Central do Paraná, banhada pelos rios Bom e Bufadeira, por sinal citados no A.B.C. dejuüo Alves Machado.
Como nosso espaço é reduzido, dividimos esta crônica em duas partes, a fim de que o leitor possa apreciar na próxima edição, amanhã, o texto integral do A.B.C. aqui comentado.

Samuel Guimarães da Costa, jornalista e escritor


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