Histórias do Paraná - Tragédia humana
Tragédia humana
Túlio Vargas
Impossibilitados de invadir São Paulo, rumo ao Rio de Janeiro, para depor Floriano Peixoto, durante a Revolução Federalista, os maragatos comandados por Gumercindo Saraiva viram-se obrigados a recuar, em face dos insucessos da revolta naval e de divergência internas.
Retiraram as tropas, em três colunas, para o Rio Grande do Sul, em busca de refúgio na vizinha República do Uruguai.
Cessada a ocupação do Paraná, em 1894, as forças legalistas, vindas de Itararé, retomaram o poder, reassumindo o governo do Estado o Dr. Vicente Machado.
Porém, mandavam os militares.
Instalou-se um regime de terror.
As prisões regorgitavam de simpatizantes da causa de federalistas.
Fuzilamentos sucediam-se na calada da noite.
Os que não fugiram, viveram o suplício da vindita. O martírio de maior repercussão deu-se no quilômetro 65 da Serra do Mar, quando o Barão do Serro Azul e seus companheiros Balbino Carneiro de Mendonça; Presciliano S. Correia, José Lourenço Schleder, José Joaquim Ferreira de Moura e Lourenço Rodrigo de Mattos Guedes foram executados friamente, na noite de 20 de maio. O medo de represália era tanto que os cadáveres permaneceram insepultos por alguns dias.
Serro azul, o mais importante deles, fora obrigado a prestar colaboração aos federalistas para evitar o saque da cidade de Curitiba.
Outros, como Presciliano, Mattos Guedes e Balbino oferecem apoio ostensivo a revolução.
Todavia, Schleder e José Joaquim eram modestos funcionários da Delegacia Fiscal.
Simples burocratas.
Quando a cidade foi ocupada e instalou-se o governo revolucionário, receberam ordens do governador nomeado, Menezes Dória, de manter a repartição aberta e cumprir ordens. Não lhes deu alternativa: Obedecer ou morrer.
Limitaram-se a praticar os atos de praxe, preservar o arquivo do tesouro e proceder os pagamentos exigidos. Não escaparam, por isso, à sanha dos vencedores.
José Joaquim, por certo, pagou pelo entusiasmo das filhas Albertina ejúüa que se incorporaram às tropas invasoras na condição de enfermeiras.
Como exímias voluntárias, cuidavam dos feridos e consolavam os aflitos, ganhando com esse gesto a gratidão dos revolucionários.
Jovens e idealistas, entendiam estar prestando serviços assinalados à causa da liberdade contra a opressão do governo florianista, cuja legitimidade os partidos da oposição contestavam.
A execução de José Joaquim foi o mais cruel possível.
Na caçada aos maragatos a lei convertera-se em arbítrio dos chefes, as autoridades em odientos sátrapas, as garantias individuais em meras ficções, a ordem em desenfreado abuso. O prisioneiro, em plena crise de diabetes, ardia em febre quando foi recolhido do quartel do 17° Batalhão de Infantaria, para a marcha forçada até a estação de estrada de ferro.
Mal podia levantar-se.
Seus companheiros, embora desconfiados da alegada viagem até Paranaguá àquelas horas mortas, ainda assim pareciam confiantes.
Ao descerem a rua São Francisco todos se detêm.
José Joaquim não suporta o trajeto e desmaia.
Levam-no de volta ao quartel, mas o comandante da escolta ainda recomenda aos gritos: "Conduzam-no de carro à estação, sem falta!"
A íntima convicção de inocência infundia-lhes coragem.
Poderiam enfrentar, sem receio, os juizes e leis da República.
Schelder apalpava nos bolsos copiosa documentação.
Nem José Joaquim, moribundo, nem o Barão, nem
Presciüano, enfim, nenhum deles, em sã consciência, poderia esperar o pior.
Estavam enganados.
Nenhum sobreviveu à carnificina do km 65.
As filhas de José Joaquim, atônitas e sofridas passaram a visitar, periodicamente, o local da tragédia,
em ato de contribuição filial.
Locomoviam-se num vagonete alugado da Estrada de Ferro.
Distribuíam flores e lágrimas.
Numa dessas idas e vindas, como se apenas um drama não bastasse, Albertina morreu tragicamente.
Seus cabelos soltos e longos prenderam-se nas rodas do vagonete.
Foi horrível. A outra irmã, Júlia, faleceu com avançada idade.
Túlio Vargas, ex-deputado e membro da Academia Paranaense de Letras
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